Hoje quando abrimos jornais, ouvimos o rádio e vemos as TVs
comerciais o retrato é de um país à beira do abismo, tudo vai mal. Há 50 anos
ocorreu algo similar.
Laurindo Lalo Leal Filho – Carta Maior
(*) Artigo publicado
na Revista do Brasil (edição de março de 2014)
Hoje quando abrimos jornais, ouvimos o rádio e vemos as TVs
comerciais o retrato é de um país à beira do abismo, tudo vai mal. Situação de
quase pleno emprego, milhões de pessoas retiradas da miséria pelo Bolsa
Família, pacientes atendidos em cidades que nunca haviam visto um médico antes
são apenas alguns exemplos do Brasil ignorado pelo jornalismo “independente”.
Em março de 1964, o quadro era semelhante embora houvesse um
fantasma a mais, além do descalabro administrativo: o “perigo vermelho”
representado pelo comunismo. Para mídia ele estava às nossas portas.
A televisão e demais meios de comunicação se prestavam a
esse serviço de doutrinação diária azeitados por fartos recursos vindos de
grandes grupos empresariais canalizados por meio do Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais (Ipes) e do Instituto Brasileira de Ação Democrática (Ibad), em
estreita colaboração com a agência de inteligência dos Estados Unidos, a CIA. O
principal mensageiro televisivo dos alertas sobre a “manipulação comunista” do
governo Goulart era o jornalista Carlos Lacerda. Apesar de afinados
ideologicamente com os golpistas, os veículos de comunicação não faziam isso de
graça.
Segundo o economista Glycon de Paiva, um dos diretores do
Ipes, de 1962 a 1964 foram gastos nesse trabalho de desinformação US$ 300 mil a
cada ano, em valores não corrigidos. Os dados estão no livro O Governo João
Goulart, As Lutas Sociais no Brasil 1961-1964, do historiador Moniz Bandeira.
“O Ipes conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à
opinião pública, através do seu relacionamento especial com os mais importantes
jornais, rádios e televisões nacionais, como: os Diários Associados (poderosa
rede de jornais, rádio e TV de Assis Chateaubriand, por intermédio de Edmundo
Monteiro, seu diretor-geral e líder do Ipes), a Folha de S.Paulo (do grupo de
Octavio Frias, associado do Ipes), o Estado de S.Paulo e o Jornal da Tarde (do
Grupo Mesquita, ligado ao Ipes, que também possuía a prestigiosa Rádio Eldorado
de São Paulo)” relata René Armand Dreifuss no clássico “1964: a conquista do
Estado”.
Foi um período longo de preparação do golpe, e quando ele se
concretizou a mídia ficou exultante. O Globo estampou manchetes do tipo
“Ressurge a democracia”, “Fugiu Goulart e a democracia está sendo
restabelecida”. Sob o título “Bravos Militares”, o jornal da família Marinho,
no dia 2 de abril de 1964, dizia que não se tratava de um movimento partidário:
“Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira”. O
Estadão seguia na mesma toada, enfatizando “o aprofundamento do divórcio entre
o governo da República e a opinião pública nacional”.
Foram necessários 50 anos para termos a confirmação que o
tal divórcio não existia. Pesquisa do Ibope, feita à época, e só agora revelada
graças ao trabalho do historiador Luiz Antonio Dias, da PUC de São Paulo mostra
que 72% da população brasileira apoiava o governo. Entre os mais pobres, o
índice ia para 86%. E se Jango pudesse se candidatar nas eleições seguintes,
previstas para 1965, tinha tudo para ser eleito. Pesquisa de março de 1964 dava
a ele a maioria das intenções de voto em quase todas as capitais brasileiras.
Em São Paulo, a aprovação do seu governo (68%) era superior à do governador
Adhemar de Barros (59%) e à do então prefeito da capital, Prestes Maia (38%).
Dados que a mídia nunca mostrou. Para ela interessava apenas
construir um imaginário capaz de impulsionar o golpe final contra as
instituições democráticas.
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