Antonio Lassance – Carta Maior
Um risco meteórico ameaça o velho Tiranossauro Rex da
política brasileira: ele precisará enfrentar agora uma nova geração de
eleitores.
Depois de 30 anos, de volta ao oposicionismo
O PMDB encontra-se em rebelião. Desgarrou-se do governo como
quem põe o bode na sala e diz: "ruim comigo, pior sem mim".
Esse oposicionismo de ocasião pode até ser resolvido em
algumas semanas. Provavelmente será.
Mas o breve período em que o partido se comportou como líder
de uma frente de oposições é algo quase inédito e merece o registro. Isso não
acontecia desde o fim da ditadura – portanto, há 30 anos.
Com quase meio século, contado desde o ancestral Movimento
Democrático Brasileiro (o MDB, criado em 1966), o PMDB é o partido mais antigo
e o mais tradicional de todos.
É um partido gigante: o maior do Senado, o segundo maior da
Câmara, o que tem mais prefeitos, vereadores e deputados estaduais.
Mas é um partido em decadência. Tem menos governantes,
parlamentares e votos que no passado. E diminui um pouco de tamanho a cada
eleição que passa e a cada vez que um novo partido lhe rouba correligionários.
É um partido ossificado. Seus expoentes, hoje, são os mesmos
que há 10, 20, alguns há quase 30 anos - como o ex-presidente da República,
José Sarney. São expoentes são vitalícios - só se renovam quando morrem.
Seu presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, é deputado
há mais de 40 anos. Seu pai, Aluísio Alves, também foi uma das principais
figuras do PMDB nos governos Sarney e Itamar Franco. Até seus rebeldes ainda
são os mesmos, como o senador Pedro Simon.
O presidencialismo peemedebista
Durante a Constituinte (1987-1988), no auge de sua influência
sobre a política brasileira, quando tinha a presidência e era amplamente
majoritário no Congresso, o PMDB inoculou em nossa constituição uma carga
razoável de peemedebismo.
O PMDB era o governo. De todo modo, havia algo fora do
lugar. O partido considerava seu presidente empossado um peemedebista bastardo.
José Sarney, vice de Tancredo Neves, representava a aliança
com o setor dissidente da Arena (o partido da ditadura) que formou o Partido da
Frente Liberal (PFL).
Sarney só não era PFL porque não podia. A regra para a
eleição do presidente e vice era que ambos deveriam ser obrigatoriamente do
mesmo partido. Por isso, Sarney teve que se filiar ao partido de Tancredo, o
PMDB.
O presidencialismo que surgiu em 1988 foi um acordo diante
de um impasse. Seus mecanismos institucionais definiram um "modus
operandi" entre o Executivo e o Legislativo que firmava também um acordo
de paz entre a Presidência da República e o PMDB.
Era ainda, no fundo, um acordo entre Sarney, que tornou-se
presidente por acidente, e Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, da Câmara e
da Constituinte, que só não foi empossado presidente da República porque os
militares não deixaram.
O troco viria em uma constituição que reservaria poderes
razoáveis para o Congresso provocar, se quisesse, surpresas desagradáveis ao
presidente que não contasse com maioria.
A Constituição teve, como ponto final de sua apresentação, o
emblemático desabafo de Ulysses de "ódio e nojo à ditadura".
Era a Constituição que tornaria o país "ingovernável",
diria Sarney. De fato, ingovernável caso o PMDB não estivesse satisfeito com
seu quinhão.
Desde então, um presidente nunca sabe de fato o que é ter
problemas até brigar com o PMDB.
Pelo seu tamanho no Congresso, o PMDB tem o poder, com uma
ajuda da oposição, de colocar as barbas do presidencialismo brasileiro de
molho.
A rigor, um governo não aprova nada de seu interesse sem o
apoio do PMDB. Qualquer presidente sabe que, nas atuais condições, sem o PMDB,
irá amargar derrotas, verá sua agenda atropelada por outras pautas e entregará
o Congresso à oposição.
O estômago do Tiranossauro
O oposicionismo peemedebista é sinal de que sua decadência
tem gerado uma insatisfação crescente com os resultados que consegue no
presidencialismo brasileiro.
Os fenômenos mórbidos mais evidentes dessa decadência são a
presidência de Henrique Eduardo Alves, na Câmara, e a liderança de Eduardo
Cunha (PMDB-RJ) sobre o PMDB daquela Casa.
É verdade que tais ruídos foram ampliados por dificuldades
de coordenação política e por desavenças na negociação da reforma ministerial.
O partido queria mais ministérios do que já tem, e
ministérios mais importantes. No entanto, mais que ministérios, o apetite maior
é sobre estatais.
A grande mágoa de Eduardo Cunha com o governo foi ter
perdido espaço em Furnas, megaestatal do setor elétrico.
Não por outra razão, o puxão de orelha dado na presidenta
veio na forma de uma comissão externa de parlamentares para “investigar”
denúncias contra a Petrobras. Um republicanismo de ocasião que mal disfarça o
que o PMDB quer ao apoiar um requerimento feito pelos tucanos.
Os peemedebistas reclamam não só da quantidade de cargos,
mas do estilo mais centralizador da presidenta Dilma. Ter ministérios passou a
ser apenas a ponta do iceberg.
Ao centralizar, Dilma diminuiu a importância relativa dos
ministérios na arquitetura do presidencialismo de coalizão.
Os peemedebistas querem gerir, com autonomia, grandes somas
de recursos, administrar grandes contratos com empresas privadas, comandar e
inaugurar grandes obras, que empregam milhares de trabalhadores. Justiça seja
feita, não só o PMDB quer isso.
Nas atuais regras do sistema eleitoral brasileiro, esses
requisitos são um prato cheio para qualquer partido que queira ter ou manter
seu peso na política brasileira. Essa é a principal desgraça de nosso
presidencialismo.
Quanto maior a máquina eleitoral, e a do PMDB é a de um
Tiranossauro Rex, maior o ronco do estômago em busca de alimento. Daí o barulho
que fazem Alves e Cunha.
Para o PMDB, trata-se de uma questão de vida ou morte. É
preciso alimentar sua máquina, ou ela não terá “argumentos” para manter sua
coesão.
A maior diferença do PMDB é seu tamanho
A rigor, por suas características de partido de centro,
espalhado por todo o país e muito diferente, de estado para estado, o PMDB não
tem nada de especial que justifique que ele seja maior que o PP, o PSD ou o
PTB.
O problema é que, no dia em que o PMDB ficar do tamanho
desses demais partidos, ele deixará de ser o que é. Seu gigantismo é que o
torna especial.
Por isso, só há uma maneira de o PMDB deixar de ter a
importância que tem: é sua decadência tornar-se definitiva e avassaladora nas
próximas eleições.
As rivalidades e disputas com o PT são apenas um aspecto do
inferno astral do velho partido. Uma legião de agremiações, novas e antigas,
disputa o mesmo espaço em sua política tradicional.
Mas existe algo bem mais importante, um risco meteórico ao
velho tiranossauro. Ele precisará enfrentar agora uma nova geração de
eleitores.
Eleitores que, nesses últimos 12 anos, se tornaram mais
escolarizados, têm renda mais alta, são mais informados, mais exigentes e
irritados com a forma tradicional de se fazer política – seja lá de que partido
for.
Essa nova geração pode provocar um processo de renovação do
Congresso que deve afetar a todos os partidos, mas, proporcionalmente, pode
fazer do PMDB sua principal vítima.
O partido terá dificuldades redobradas para eleger
governadores e para manter o atual número elevado de parlamentares.
Se isso vier a acontecer, o PMDB deixará de ser o PMDB, pela
primeira vez e, quem sabe, de forma irreversível.
(*) Antonio Lassance é cientista político
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