Mónica Roa Rojas - Colômbia
Carta Maior
Quem compareceu à popular Praça Bolívar, em Bogotá,
aceitando o convite para comemorar a vitória jurídica do prefeito Gustavo Petro
na CIDH – o que lhe concedeu, quase à meia-noite de terça-feira, as medidas
cautelares de proteção a seus direitos políticos, instando o governo da
Colômbia a mantê-lo em seu cargo –, não imaginavam que estariam diante de seu
ex-prefeito.
De fato, por volta das 15h daquele dia (19) começaram a
chegar à praça os primeiros convocados pelo prefeito Petro para festejar o
anúncio da CIDH, que buscava deter a implacável decisão do procurador Alexandro
Ordoñez de retirá-lo de seu cargo e condená-lo à morte política com uma
suspensão de 15 anos.
No último dia 9 de dezembro, o procurador concluiu um rápido
processo disciplinar contra o prefeito Petro por implementar um sistema público
de coleta de lixo com algumas deficiências – qualificadas pelo Ministério
Público como “gravíssimas”, a ponto de merecer a fulminante destituição. A
decisão foi reiterada e ratificada pelo aparato interno de justiça, que deu
razão a seu colega na tarde de terça-feira após contornar várias instâncias e
ações judiciais em defesa do prefeito. O rápido processo disciplinar o levou a
recorrer diante do Sistema Interamericano de Proteção e Justiça.
Para o leitor brasileiro, é oportuno informar que o
Procurador Alejandro Ordoñez é uma versão colombiana, igualmente colérica, com
pitadas de fanatismo religioso, de Joaquim Barbosa, o presidente do STF
brasileiro, que se ofereceu ao desfrute conservador como algoz do PT e de
algumas de suas principais lideranças.
No caso do prefeito de Bogotá, um ex-guerrilheiro do M-19,
bastante popular, que acumula boas chances de ser um candidato competitivo à
Presidência da República, sobretudo em meio à decisão das Farc de negociar seu
retorno à disputa política constitucional, a origem do impeachment foi a
decisão de reestatizar a coleta de lixo na cidade.
Na batalha jurídica que cercou a decisão, a capital ficou
três dias sem o serviço – antes dominado por duas empresas, sendo uma delas de
propriedade do filho do ex-presidente direitista Álvaro Uribe.
No dia 9 de dezembro de 2013, Alejandro Ordóñez, anunciou a
destituição de Petros e a suspensão de seus direitos políticos por 15 anos.
Desde então, se arrasta a resistência do prefeito e dos cidadãos de Bogotá
contra mais um capítulo da nova versão do golpismo latinoamericano, que trocou
o uniforme pela toga e emite ultimatos no idioma jurídico.
Restava a derradeira esperança da apelação feita ao
Presidente da República, dotado de poderes para desautorizar o procurador e
fanático religioso Alejandro Ordóñez.
Em campanha pela reeleição, a dois meses de enfrentar as
urnas, Juan Manuel Santos preferiu não se indispor com a extrema direita, que o
surpreendeu nas eleições legislativas dando a seu antecessor e agora um
adversário ferrenho, Alvaro Uribe, um mandato com cerca de dois milhões de
votos.
Nesta quinta-feira, em atitude inédita, Santos ignorou uma
medida da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ratificou a destituição
do prefeito Gustavo Petro.
A cidade amanheceu com a tensão de saber que a última
palavra para que o prefeito Petro permanecesse em seu cargo seria do presidente
Juan Manuel Santos. A esquerda repetiu, mais de uma vez, que nenhum presidente
da Colômbia havia se atrevido a não reconhecer as medidas cautelares proferidas
pela CIDH, e que este seria o primeiro histórico e lamentável caso. A direita,
por sua vez, estava absolutamente confiante em seus cálculos políticos em plena
campanha e a poucos meses da eleição presidencial. Petro, a pedra no sapato,
parecia ter as horas contadas na prefeitura de Bogotá.
O resultado era meio previsível, mas incerto. Muitos
seguidores do prefeito Petro eram animados por uma certa esperança, a mesma que
rapidamente se esvaeceu por volta das 16h, quando, em um ato protocolar, o
presidente Santos desavergonhadamente anunciou, da sua sede de governo, a
fulminante destituição do prefeito Petro e a nomeação de seu substituto
temporário, o atual ministro do Trabalho, Rafael Pardo. O mesmo artífice da paz
com o M-19, grupo insurgente que tomou a decisão de firmar um acordo pela paz e
fazer a política na democracia das urnas – acordo este que possibilitou ao
ex-guerrilheiro Gustavo Petro tomar posse em janeiro de 2012 do segundo cargo
eletivo mais importante da Colômbia.
Por volta das 18h, continuavam chegando centenas de pessoas
à Praça Bolívar. Milhares de cartazes em apoio a Petro e em rechaço à decisão
presidencial eram vistos em todos os cantos, e as palavras de ordem em apoio a
Petro e contra Santos e o procurador eram ouvidas com fúria. Pouco antes das
19h, Petro sai à varanda daquela que, até algumas horas antes, era a sede de
seu governo.
“O presidente mentiu”, repetiu várias vezes Gustavo Petro de
sua varanda, diante de uma multidão amontoada que gritava da Praça Bolívar
“Petro, não vá”. “O presidente Santos disse ao prefeito que respeitaria e
acataria a decisão da CIDH”, lembrou com raiva o ex-prefeito em seu discurso
final. Enquanto isso, circulava nas redes sociais o velho anúncio em que Santos
anunciara, havia apenas dois dias, que aceitaria as determinações da CIDH. A
América Latina inteira viu perplexa como – em apenas uma canetada – um
governante da região privilegiou seus interesses pessoais, seu poder e sua
classe, expondo toda a democracia de um país à própria fortaleza de proteção do
Sistema Interamericano.
Diante de seus apoiadores, Petro qualificou a decisão de
destituição como um “golpe de Estado”. Disse ao presidente que estava cumprindo
um “triste papel na história da Colômbia”; ao procurador, chamou de “fanático”;
ao prefeito interino de “impostor; rechaçou com veemência o poder corrupto que
se deixa pressionar com “balas, intimidação e narcotráfico”. Ao povo, convidou
para reagir e organizar comitês de apoio à democracia, e chamou para a
construção de uma Assembleia Nacional Constituinte e a uma greve nacional.
Acompanhado de sua família, seus colaboradores e seu círculo
de seguranças, despediu-se da clássica varanda do Palácio Lievano e anunciou
uma vertiginosa agenda de encontros com diferentes setores populares. Pediu
calma à multidão enfurecida que gritava “não passarão”, estendeu a mão, lhes
deu adeus e sentiu seu peito apertado. Assim foi o último discurso no palácio
municipal do ex-guerrilheiro do M-19, que abandonou a luta armada para negociar
a paz e entrar na disputa eleitoral, tendo sido destituído como prefeito por um
processo disciplinar sem sentença penal pelo representante da classe política
que historicamente segregou, discriminou e excluiu. O país se pergunta agora:
qual paz?
Tradução: Daniella Cambaúva
Créditos da foto: Arquivo
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