por James Petras - http://resistir.info/
As duas vias para a construção-do-império do século XXI através-de-terceiros
são ilustradas pela violenta tomada de poder na Ucrânia por uma junta,
apadrinhada pelos EUA, e pelos ganhos eleitorais de Alvaro Uribe, o senhor da
guerra colombiana, protegido pelos EUA. Vamos descrever a 'mecânica' da
intervenção dos EUA na política interna destes dois países e os seus profundos
efeitos externos – é assim que eles reforçam o poder imperialista numa escala
continental.
Intervenção política e regimes alinhados: Ucrânia
A preparação para o golpe. A transformação da Ucrânia num
estado vassalo EUA-UE tem sido um longo processo que envolveu, em grande escala
e a longo prazo, o financiamento, a doutrinação e o recrutamento de quadros, a
organização e formação de políticos e de arruaceiros e, sobretudo, a capacidade
de aliar a acção directa com a política eleitoral.
Conquistar o poder é um jogo de apostas altas para o
império: (1) a Ucrânia, na mão de clientes, fornece à NATO um trampolim militar
no coração da Federação Russa; (2) os recursos industriais e agrícolas da Ucrânia
fornecem uma fonte de enorme riqueza para os investidores ocidentais e (3) a
Ucrânia é uma região estratégica para a penetração no Cáucaso e para além dele.
Washington investiu mais de 5 mil milhões de dólares para
arranjar clientes, na sua maior parte na 'Ucrânia ocidental', em especial em
Kiev e arredores, concentrando-se em 'grupos da sociedade civil' e em partidos
políticos maleáveis e seus líderes. Em 2004, o 'investimento' político inicial
dos EUA na mudança de regime culminou na chamada 'Revolução laranja' que
instalou um regime de curta duração pró-EUA-UE. Este, porém, rapidamente
degenerou no meio de grandes escândalos de corrupção, gestão danosa e pilhagem
oligárquica do erário nacional e dos recursos públicos que levaram à condenação
do antigo vice-presidente e à queda do regime. Novas eleições resultaram num
novo regime, que tentou manter ligações com os EUA e com a Rússia através de
acordos económicos, embora continuasse com muitas das características odiosas
(grande corrupção endémica) do regime anterior. Os EUA e a UE, depois de terem
perdido em eleições democráticas, relançaram as suas 'organizações de acção
directa' com um novo programa radical. Os neofascistas tomaram o poder e
instituíram uma junta ditatorial através de manifestações violentas,
vandalismo, assaltos armados e acção da populaça. A composição da nova junta
pós-golpe reflectiu dois aspectos das organizações políticas apadrinhadas pelos
EUA; (1) políticos neoliberais para gerir a política económica e para forjar
laços mais estreitos com a NATO, (2) e nacionalistas neofascistas/violentos
para impor a ordem pela força e com mão-de-ferro, e esmagar os 'autonomistas'
pró-russos da Crimeia, os russos étnicos e outras minorias, em especial no sul
e no leste industrializados.
A via da Ucrânia para o poder imperialista através de um
regime colaboracionista ilustra os diversos instrumentos da construção do
império: (1) o uso de fundos estatais imperialistas, canalizados através das
ONG, para grupos políticos de fachada e a montagem duma 'base de massas' na
sociedade civil; (2) o financiamento da acção directa de massas que leva a um
golpe ('mudança de regime'); (3) a imposição de políticas neoliberais pelo
regime cliente; (4) o financiamento imperialista da reorganização e
reagrupamento de grupos de acção directa de massas depois da queda do primeiro
regime cliente; (5) a transição dos protestos para uma acção directa violenta
como o principal pano de fundo para os sectores extremistas (neofascistas)
organizarem a tomada do poder e a purga da oposição; (6) a organização de uma
'campanha internacional nos meios de comunicação' para apoiar a nova junta enquanto
demoniza a oposição interna e internacional (Rússia); e (7) um poder político
centralizado nas mãos da junta, convocando 'eleições manipuladas' limitadas à
vitória de um dos dois candidatos pró-junta e pró-imperialistas.
Em resumo, os construtores do império funcionam em vários
níveis: violento e eleitoral; social e político; e com operadores seleccionados
e rivais empenhados num único objectivo estratégico: a tomada do poder estatal
e a transformação da elite dominante em vassalos obedientes do império.
Democracia dos Esquadrões de Morte da Colômbia: Peça central
do avanço imperialista na América Latina
Perante o declínio da influência dos EUA em todo a América
Latina, a Colômbia destaca-se como um bastião permanente dos interesses
imperialistas dos EUA: (1) a Colômbia assinou um acordo de comércio livre com
os EUA; (2) ofereceu sete bases militares e convidou milhares de operacionais
americanos da contra-insurreição; e (3) colaborou na criação em grande escala
de esquadrões de morte paramilitares preparados para ataques transfronteiriços
contra a Venezuela, arqui-inimiga de Washington.
A oligarquia dirigente da Colômbia e as suas forças armadas
conseguiram resistir à vaga de levantamentos maciços democráticos, nacionais e
populares e de vitórias eleitorais que deram origem aos estados pós-neoliberais
no Brasil, na Argentina, na Venezuela, no Equador, na Bolívia, no Paraguai e no
Uruguai.
Enquanto a América latina avançou para 'organizações
regionais' excluindo os EUA, a Colômbia reforçou os laços com os EUA através de
acordos bilaterais. Enquanto a América latina reduziu a sua dependência nos
mercados dos EUA, a Colômbia alargou os seus elos comerciais. Enquanto a
América latina reduziu os seus laços militares com o Pentágono, a Colômbia reforçou-os.
Enquanto a América latina avançou para uma maior inclusão social aumentando os
impostos sobre as multinacionais estrangeiras, a Colômbia baixou os impostos a
essas empresas. Enquanto a América latina expandiu a colonização de terras para
as suas populações rurais sem terra, a Colômbia deslocou mais de 4 milhões de
camponeses, no âmbito da política contra-insurreição de 'terra queimada',
traçada pelos EUA.
A 'excepcional' submissão inabalável da Colômbia aos
interesses imperialistas dos EUA tem raízes em vários programas de grande
escala e a longo prazo traçados em Washington. Em 2000, o presidente Bill
Clinton comprometeu os EUA num programa contra-insurreição de 6 mil milhões de
dólares (Plano Colômbia) que aumentou enormemente a brutal capacidade
repressiva da elite colombiana para confrontar os movimentos populares de base
de camponeses e trabalhadores. Juntamente com armamento e treino, as Forças
Especiais e as ideologias americanas entraram na Colômbia para desenvolver
operações terroristas militares e paramilitares – destinadas principalmente
para penetrar e dizimar a oposição política e os movimentos sociais da
sociedade civil e assassinar activistas e líderes. Alvaro Uribe, apadrinhado
pelos EUA, um conhecido narcotraficante e a própria personificação de um
vassalo imperialista desumano, tornou-se o presidente duma 'Democracia de
Esquadrões de Morte'.
O presidente Uribe militarizou ainda mais a sociedade
colombiana, trucidou os movimentos da sociedade civil e esmagou qualquer
possibilidade de um renascimento democrático popular, como os que estavam a
ocorrer em todo o resto da América latina. Foram assassinados, torturados e
encarcerados milhares de activistas, sindicalistas, defensores dos direitos
humanos e camponeses.
O 'Sistema Colombiano' aliou o uso sistemático de
paramilitares (esquadrões da morte) para esmagar os sindicatos locais e
regionais e a oposição camponesa com a 'tecnificação' e a massificação das
forças armadas (mais de 300 mil soldados) na luta contra a insurreição popular
e para 'limpar o terreno' de simpatizantes rebeldes. Muitos milhares de milhões
de dólares do tráfico da drogas e da lavagem de dinheiro formaram a 'cola
financeira' para cimentar uma forte relação entre oligarcas, políticos,
banqueiros e conselheiros americanos da contra-insurreição – criando um
terrível estado policial com alta tecnologia nas fronteiras da Venezuela, do
Equador e do Brasil – países com substanciais movimentos de massas populares.
A mesma máquina de estado terrorista, que dizimou os movimentos
sociais pró-democracia, protegeu, promoveu e participou em 'eleições
encenadas', a marca da Colômbia enquanto 'democracia de esquadrões de morte'.
As eleições realizam-se ao abrigo de uma vasta rede
sobreposta de bases militares, em que os esquadrões da morte e os traficantes
de droga ocuparam cidades e aldeias intimidando, aterrorizando e 'corrompendo'
o eleitorado. O único protesto 'seguro' nesta atmosfera repressiva tem sido a
abstenção. Os resultados eleitorais são pré-estabelecidos: os oligarcas nunca
perdem nas democracias de esquadrões de morte, são eles os vassalos de maior
confiança do império.
Os efeitos cumulativos da purga sangrenta, que durou década
e meia, da sociedade civil colombiana pelo presidente Uribe e pelo seu
sucessor, Santos, foram eliminar qualquer oposição eleitoral consequente.
Washington conseguiu o seu ideal: um estado vassalo estável; umas forças
armadas de grande escala e obedientes; uma oligarquia ligada às elites
empresariais dos EUA; e um sistema 'eleitoral' controlado apertadamente que
nunca permite a eleição de um opositor genuíno.
As eleições colombianas de Março de 2014 ilustram
brilhantemente o êxito da intervenção estratégica dos EUA em colaboração com a
oligarquia: a grande maioria do eleitorado, mais de dois terços, absteve-se,
demonstrando a ausência de qualquer real legitimidade entre os votantes
elegíveis. Entre os que 'votaram', dez por cento apresentaram boletins nulos ou
em branco. A abstenção dos votantes e os votos inutilizados foram especialmente
elevados nas áreas da classe trabalhadora que tinham sido sujeitas ao
terrorismo do estado.
Dada a intensa repressão do estado, a massa dos votantes
decidiu que nenhum partido autêntico pró-democracia teria qualquer hipótese e
por isso recusaram-se a legitimar o processo. Os 30% que votaram foram
principalmente colombianos da classe urbana média e alta e os residentes
nalgumas áreas rurais totalmente controladas por narcotraficantes e militares
onde a 'votação' pode ter sido 'compulsiva'. De um total de 32 milhões de
votantes elegíveis na Colômbia, 18 milhões abstiveram-se e mais 2,3 milhões
apresentaram boletins inutilizados. As duas coligações oligárquicas dominantes
chefiadas pelo presidente Santos e pelo ex-presidente Uribe obtiveram apenas
2,2 milhões e 2,05 milhões de votos, respectivamente, uma fracção do número dos
que se abstiveram. Nesta farsa eleitoral, amplamente criticada, os partidos
centro-esquerda e esquerda deram um espectáculo miserável. O sistema eleitoral
da Colômbia põe um revestimento de propaganda num estado vassalo perigoso,
altamente militarizado e preparado para desempenhar um papel estratégico nos
planos dos EU para 'reconquistar' a América latina.
Duas décadas de terror sistemático, financiado por um
programa de militarização de seis mil milhões de dólares, garantiram que
Washington não encontrará qualquer oposição substancial na assembleia
legislativa ou no palácio presidencial em Bogotá. Isto é o 'aroma acre do
êxito, com laivos de pólvora' para os políticos dos EUA: a violência é a
parteira do estado vassalo. A Colômbia foi transformada num trampolim para o
desenvolvimento de um bloco comercial centrado nos EUA e uma aliança militar
para sabotar as alianças regionais bolivarianas da Venezuela, como a ALBA e a
Petro Caribe, assim como a segurança nacional da Venezuela. Bogotá vai tentar
influenciar os regimes vizinhos de direita e centro-esquerda, pressionando-os
para aderirem ao império dos EUA contra a Venezuela.
Conclusão
A organização da subversão em grande escala e a longo prazo
na Ucrânia e na Colômbia, assim como o financiamento de organizações
paramilitares e da sociedade civil (ONG), têm possibilitado a Washington: (1) construir alianças estratégicas; (2) montar ligações a oligarcas, políticos
maleáveis e assassinos paramilitares e
(3) aplicar o terrorismo político para a sua tomada de poder estatal. Os
planeadores imperialistas criaram assim 'estados modelo' – desprovidos de
opositores consequentes e 'abertos' a eleições de farsa entre políticos
vassalos rivais.
Golpes e juntas, orquestrados por políticos mandatados de
longa data, e estados fortemente militarizados dirigidos por 'Executivos de
Esquadrões da Morte' são legitimados por sistemas eleitorais destinados a
expandir e reforçar o poder imperialista.
Ao tornar impossíveis os processos democráticos e as
reformas populares pacíficas e ao derrubar governos independentes,
democraticamente eleitos, Washington está a tornar inevitáveis guerras e
levantamentos violentos.
O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... .
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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