Alô jornalista! As variações observadas na distribuição
funcional da renda são compatíveis com a redução na desigualdade da
distribuição pessoal da renda!
José Carlos Peliano (*) – Carta Maior
No melhor dos casos o jornalista Clóvis Rossi está
equivocado. Na Folha de São Paulo, de 8 de junho, em seu texto Dilma se engana
sobre desigualdade, ele argumenta que a presidente Dilma engana-se e por
extensão engana o público ao afirmar que a desigualdade está diminuindo no
Brasil na contracorrente do que ocorre no resto do mundo.
No pior dos casos ele, além de equivocado, julga o
comentário da presidente sem ter informações e conhecimento suficientes a
respeito. Apressou-se ainda em afirmar que parcela majoritária da
intelectualidade apoia essa “falácia” por omissão ou covardia.
Nem omissão, nem covardia. Apenas realidade, fato e números.
A desigualdade de rendas no país está diminuindo desde 2001. De um lado a
realidade da classe C nas escadas rolantes dos shoppings, nos saguões dos
aeroportos, nas revendedoras de veículos, nas imobiliárias, nos cartões de
crédito. De outro lado os levantamentos do IBGE além de outras fontes
organizadas.
Nos levantamentos do IBGE, em geral, as rendas se referem
preponderantemente aos rendimentos do trabalho, ou seja, os salários e
rendimentos afins recebidos pelos trabalhadores, os quais desde o início da
década passada estão se aproximando uns dos outros, na média, entre todos os
indivíduos ou grupos.
Com relação à desigualdade entre capital e trabalho, que não
é a mais importante, mas igualmente relevante para se saber no conjunto as
distâncias de rendas entre os brasileiros ricos e pobres, ainda não se dispõe
de estatísticas ou informações oficiais atualizadas. Mas se tem sim informações
diretas disponíveis, pelo menos da massa salarial em relação ao PIB.
O técnico do IPEA Estêvão Xavier Bastos no trabalho
“Distribuição Funcional da Renda no Brasil: Estimativas Anuais e Construção de
uma Série Trimestral”, Texto para Discussão 1702, de janeiro de 2012, faz um
levantamento exaustivo das informações sobre as remunerações do trabalho de
1995 a 2009. Certamente haverá outros trabalhos sobre o assunto, os quais não
houve tempo para enumerá-los aqui.
Utiliza das informações da PNAD (Pesquisa Nacional por
Amostras de Domicílios) e da PME (Pesquisa Mensal de Emprego), ambas as fontes
do IBGE, para obter uma série da distribuição funcional da renda no Brasil
assim como utiliza de mais de um método de avaliação das informações.
Já no resumo da apresentação de seu trabalho Bastos indica
com todas as letras o que lhe mostraram os resultados: “observa-se que
variações na distribuição funcional da renda tanto na direção favorável a%u000
renda do trabalho quanto na direção favorável a%u000 renda do capital são
compatíveis com redução na desigualdade da distribuição pessoal da renda”. Os números estão lá para quem quiser se
informar melhor.
Esse fenômeno das variações na distribuição funcional da
renda não é recente sendo observado desde 1970. Há períodos em que o trabalho
ganha terreno e há períodos em que perde a favor do capital. Mas a tendência
recente é de que há melhoria persistente para o lado do trabalho compatível com
a diminuição da desigualdade pessoal da renda no Brasil.
Alô jornalista! As variações observadas na distribuição
funcional da renda são compatíveis com a redução na desigualdade da
distribuição pessoal da renda! Assim, a parcela majoritária da intelectualidade
não é falaciosa nem omissa. Os dados estão aí para confirmar o que a presidente
Dilma declarou. Ambas as distribuições recentes de renda, pessoal e funcional,
e esta com variações, estão mais favoráveis aos indivíduos e ao trabalho.
A não ser que, mesmo assim, o jornalista continue duvidando
a valer sua própria afirmação logo no início de seu texto que ainda tem lá suas
dúvidas se houve mesmo redução na desigualdade pessoal da renda no país. Neste
caso, se ele insiste assim, deve, no mínimo, provar o contrário.
Pelo simples fato de que, segundo suas fontes, as pesquisas
do instituto, onde se inclui a PNAD, só captam 10% das famílias com juros,
segue daí que, para ele, a PNAD é “a única fonte de informação sobre a suposta
queda da desigualdade. Logo, afirmar que ela vem caindo é uma falácia, no
melhor dos casos, ou uma baita mentira, no pior”. Acredito que ele foi longe
demais ao duvidar dos levantamentos do IBGE.
Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. É correto
classificar como distribuição de renda as tabulações sobre as rendas do
trabalho, que é o caso da PNAD, como também é correto classificar como
distribuição de renda as tabulações sobre as rendas do capital.
Em economia, assim como nas ciências sociais em geral,
quando se menciona distribuição de renda a referência que se tem é a
distribuição dos rendimentos do trabalho, enquanto quando se menciona
distribuição funcional da renda a referência é a distribuição dos rendimentos
do capital e do trabalho.
Assim, a presidente não se enganou, nem enganou o público,
como também o IBGE não publica informações falaciosas, tampouco é uma fonte de
mentiras.
Sobre a subestimação das rendas dos mais ricos (entre os 10%
ou 1%), é fato que isso ocorre, principalmente com relação a rendas de outras
fontes relacionadas indiretamente ou não com o trabalho. Mas isso não é
problema somente brasileiro.
Um aperfeiçoamento dessa base de informações aqui no país,
caso permita a legislação, seria a inclusão dos dados da declaração anual de
rendimentos, o que, no entanto, não garante a plena fidedignidade dos dados. Há
manobras contabilistas para esconder informações bem como a conhecida
resistência dos informantes.
Por outro lado, a inclusão ou a exclusão de impostos pagos
pelos ricos e pobres pode apenas apurar o tamanho da desigualdade, mas não vai
alterar o quadro geral da distribuição pessoal da renda. Pode afetar alguma
coisa da distribuição funcional da renda. Assim, Paul Krugman, em artigo
publicado pela Folha em 2 de junho último, Sobre a negação da desigualdade,
tendo como referência os EUA, afirma que “impostos e benefícios não alteram
fortemente o quadro da desigualdade”
americana.
Os chamados cientistas em geral se valem basicamente de
pesquisas diretas apoiadas por técnicas e métodos científicos apropriados e
validados e de fontes oficiais de informações (pesquisas indiretas),
registradas e organizadas, para realização de seus estudos e pesquisas. Se a
veracidade e a fidedignidade de suas informações não são reconhecidas, estamos
nas mãos de opiniões e dane-se o aparato científico.
(*) Economista
Créditos da foto: Arquivo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12