por: Saul Leblon - Carta Maior
O PSDB governa o Estado de São
Paulo há 20 anos.
Mário Covas foi eleito governador
em 1994, seis anos depois de criada a sigla que completa 26 anos de existência
neste 25 de junho.
Geraldo Alckmin, o plantonista
atual do bunker concorre à reeleição em outubro, depois de ter participado
diretamente de quatro das cinco gestões tucanas no estado.
Alckmin foi vice de Covas em 1994
e 1998.
Em 2001 assumiu o governo com a
morte de Covas.
Emendou o terceiro ciclo à frente
do estado em 2002, eleito governador.
Feito que repetiria em 2010.
Está na sua quarta passagem pelo
poder, que encerra pleiteando a reeleição para um 5º mandato em outubro.
No interregno de 2006 a 2010,
quando não esteve diretamente no comando do governo, Alckmin assumiu a
secretaria de Desenvolvimento do estado na gestão Serra.
Duas décadas no poder e 44% de
intenções de voto para o pleito estadual de 2014, (a se dar crédito ao
Datafolha do último sábado), não é algo que se possa menosprezar.
O desconhecimento em relação aos
demais candidatos pesa significativamente a favor de Alckmin.
Padilha (PT) é um nome novo na
política.
O fato de estar há tanto tempo no
rodízio dá ao tucano uma aura de ‘normalidade’ em tempos de sobressalto e
inquietação.
O sentimento, porém,
possivelmente fosse o oposto, se o dispositivo midiático conservador não
tornasse difuso aquilo que é estrutural.
Ou seja, as duas décadas de
autodeclarada proficiência administrativa do PSDB em São Paulo não se
traduziram em bem-estar social efetivo para o conjunto dos paulistas.
Na realidade, elas refletem mais
a conveniência da plutocracia brasileira, que fez do estado sua linha Maginot,
do que a consagração de uma obra democrática.
Em parte, é o que explica a
renitente presença desse insípido, mas fiel gerente do comodato do dinheiro
grosso no poder estadual.
Nenhum outro quadro dirigente do
PSDB de São Paulo esteve tão presente no ciclo de escândalos da Alstom, marca
registrada do caixa 2 tucano na gestão do metrô paulista, quanto Geraldo
Alckmin.
A julgar pelos relatos do próprio
oligopólio associado às encomendas do metrô, o intercurso entre o cofre das
empresas e o caixa pessoal e coletivo do tucanato começou em 1998, quando ele
era vice de Covas.
E não parou mais de fluir.
Entre 1998 e 2001 sabe-se, graças
às investigações realizadas pelo Ministério Público da Suíça, que pelo menos 34
milhões de francos franceses foram pagos em subornos a autoridades tucanas, na
lubrificação de contratos do metrô.
Com a morte de Covas, em 2001,
Alckmin assumiu o comando desse comodato. E se manteve à frente dele até 2006.
Seria injusto atribuir-lhe a
exclusiva liderança do processo.
No período de negociação de alguns dos
grandes contratos de transporte e
energia o então genro do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, David
Zylbersztajn, dirigia a pasta de energia
da gestão Covas e Alckmin (deixou o cargo em janeiro de 1998 para assumir a
direção geral da Agência Nacional do Petróleo).
O serrista Mauro Arce comandava a
de Transportes. Andrea Matarazzo bordejava o circuito.
Assim por diante.
Nada disso retira de
Alckmin o que é de Alckmin.
Um contrato de R$ 223,5 milhões
com a Alston, para a compra de 12 trens, foi assinado em 28 de dezembro de
2005.
Sem licitação.
Alckmin era o governador.
Um total de 139 contratos
assinados entre a Alstom e o Governo do Estado de São Paulo nos últimos anos
(governos Serra e Alckmin), no valor
de US$ 4,6 bilhões, está sob
suspeita.
As investigações na justiça
paulista se arrastam, em que pese o esforço solitário do ministério público
suíço.
Sempre discreto, semi-invisível tanto
quanto a obra, Alckmin é um dente da engrenagem que move os interesses comuns
do dinheiro e do PSDB no grande diretório do capitalismo brasileiro em que se
transformou o aparato estatal bandeirante.
A dissociação entre esse aparato e
o interesse público pode ser medida pelo hiato entre as promessas do tucano na
campanha vitoriosa de 2010 e o saldo efetivo deste final de mandato.
Alckmin entregou então aos
paulistas um compromisso sortido, cravejado de números suculentos.
Entre eles, o de construir 150
mil moradias, promover um salto no transporte público e na saúde, construir 12
piscinões em São Paulo etc.
Quatro anos depois, sobrou o quê?
Em janeiro de 2014 Alckmin
comunicou que mudara de ideia em relação aos piscinões.
Desistiu, alega, a partir de cálculos hidrológicos que indicariam a
suficiência de uma ‘otimização’ das instalações existentes.
Dos 12 piscinões prometidos, três
foram feitos, outros dois estão em obras.
A meta de oferecer 150 mil
moradias às faixas de renda mais pobres ostenta frustração igualmente grave.
Em 2013, a construção de unidades
populares pelo governo estadual registrou queda de 80% na capital.
Isso num ano em que explodiram as
ocupações de edificações públicas e privadas pelos sem-teto na cidade.
Das 150 mil unidades previstas,
seu governo entregou até agora 55.483
moradias.
Estamos falando da prioridade
habitacional do PSDB no estado mais rico da federação, que tem um déficit de
1,11 milhão de moradias - o maior do Brasil em termos absolutos.
Mesmo no confronto com seus
pares, o desempenho de Alckmin é derrisório.
Em 1998, por exemplo, o então
governador Covas (PSDB) construiu, no ano, o equivalente próximo da marca que
Alckmin atingirá ao longo de toda a sua quarta passagem pelo Estado (52.167
unidades).
Na área da saúde é sugestivo
dizer que São Paulo receberá um dos maiores contingentes do Programa Mais Médicos:
1.279 profissionais vão atender a 7,2 milhões de moradores desassistidos do
estado.
O corolário do modo Alckmin de
governar é o atual uso do ‘volume morto’ do sistema Cantareira –último recurso
antes do racionamento oficial , presente na vida cotidiana de vários bairros da
capital.
São Paulo vive a estiagem mais
severa desde 1930. Ademais da exacerbação climática, porém, há o efeito
cumulativo da contradição estrutural entre a lógica do poder bandeirante e as
questões do interesse coletivo.
O abastecimento de São Paulo se
apoia no mesmo fluxo de mananciais interligados ao final da década de 70,
meados dos anos 80.
A população de São Paulo dobrou
no período.
Nas últimas duas décadas, a curva
demográfica conviveu com administrações que não se anteciparam ao colapso
implantando a infraestrutura capaz de evitá-lo.
O flanco do abastecimento de água
foi escancarado pela estiagem.
Outros, de gravidade equivalente,
caso da mobilidade urbana simbolizada na expansão de um metrô que se arrasta
como uma lesma, ou do déficit habitacional, para não citar o desempenho
constrangedor da rede estadual de ensino, inscrevem as marcas da ineficiência
no cotidiano sofrido da sociedade.
São Paulo tem 3% do território
brasileiro, 22% da população e 33% do PIB nacional.
Há 84 anos, no bojo de uma crise
mundial capitalista, que esfarelou os preços das matérias-primas e destroçou a
inserção brasileira no mercado mundial, o poder da oligarquia paulista foi afrontado por Vargas.
A política centralizadora e
industrializante de Getúlio sacudiu o
chão das oligarquias estaduais, especialmente o da mais sólida delas, em São
Paulo.
O governo Vargas reconheceria
oficialmente os sindicatos dos operários, legalizaria o Partido Comunista e
adotaria uma política de direitos e valorização do salário dos trabalhadores.
O amparo de Getúlio à
cafeicultura, com a política de compra e queima de estoques, combinou-se com um
manejava do câmbio, de forma a capturar um pedaço da receita exportadora, como
se fora um imposto sobre as vendas do setor.
O circuito do dinheiro, o quanto,
como e onde aplicar deixou de ser prerrogativa exclusiva das elites paulistas e
assemelhadas.
A sublevação de São Paulo em 1932
refletia esse desacordo travestido de ideais liberais democráticos.
A tentativa derrotada de 1932
iria se repetir ao longo da história.
Sempre que um governante tentou
sobrepor os interesses gerais do país à lógica do dinheiro graúdo concentrado
em São Paulo, a elite local reagiu.
São Paulo perdeu importância
produtiva desde então, mas se mantém como o bunker financeiro do
capitalismo brasileiro.
A alta finança é o café atual.
O que significa, paradoxalmente,
deter um poder de fogo em relação à esfera federal e ao resto da economia muito
superior ao disponível no ciclo da cafeicultura e mesmo no seu auge como ‘a
fábrica’ do país.
Para a plutocracia paulista e
parte da classe média ter um governante do PSDB à frente do aparelho de Estado
não é uma questão da democracia, mas de fortificação de uma trincheira desse
privilégio.
O governo Vargas, apesar do
levante de 1932 – esmagado em três meses - sustentou uma política de
compromisso com os grupos cafeicultores, garantindo-lhes uma taxa de retorno em
plena crise mundial.
Mutatis mutandis, os governos do
PT fizeram o mesmo ao garantir ao setor industrial paulista, e à banca aqui
centralizada, uma demanda aquecida por bens de consumo e crédito, em pleno
colapso da ordem neoliberal no mundo.
A exemplo do que ocorre hoje, nem
por isso a oligarquia de São Paulo deixou de conspirar contra Vargas e contra a
lógica de desenvolvimento que ele personificou.
Trinta e dois anos depois de
1932, ela conseguiria finalmente, em março de 1964, atingir seu objetivo: abortar as fundações de uma democracia social
no país que subtrairia o seu mando o sobre o dinheiro e a nação.
Em 1964, os vapores constitucionalistas
de 32 revelariam sua frágil densidade liberal.
Sobreveio em seu lugar uma
ditadura feroz, que derrubou um governo legitimamente exercido por um
Presidente reformista e democrático.
Essa mesma lógica explica por que
– mesmo menosprezando Alckmin—essa mesma elite hoje cerra fileiras na sua
reeleição.
Poupando-o do que efetivamente
significa em termos de mediocridade administrativa.
E esbanjando complacência diante
de seus vínculos incontornáveis com a malversação tucana dos fundos públicos em
São Paulo.
Quem já sobrepôs a baioneta ao
voto para defender seus interesses de classe não vê dificuldade alguma em dar a
esse rebaixado funcionário um quinto
ciclo à frente do comodato de negócios que se incrustou no poder público
estadual.
Vencer esse arranjo de forças
encastoado em São Paulo vai além das urnas.
Requer, simultaneamente,
desmonta-lo na dimensão superior do seu poder.
Vale dizer, na dominância
financeira sobre o desenvolvimento brasileiro.
E nos limites estreitos impostos
ao exercício da democracia e ao fluxo da informação no país.
Essa dimensão do poder paulista
será enfrentada no escrutínio presidencial de outubro.
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