Vinicius Wu (*) – Carta Maior
A pesquisa sobre percepção social dos serviços públicos no
Brasil, realizada pelo Departamento de Análise de Políticas Públicas da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) e publicada pelo jornal O Globo, em 25 de Maio,
confirma empiricamente um aspecto dos protestos de 2013 que venho destacando em
alguns artigos meus publicados aqui na Carta Maior. As jornadas de junho estão
inseridas num contexto de mudança de período político no país, no qual a
questão da qualificação dos serviços públicos desponta como um dos temas-chaves
da política nacional. Apresentar respostas a esse tema é um dos principais
desafios da esquerda nas eleições de outubro e não há como enfrentá-lo sem que
se apresente soluções consistentes visando a reestruturação da gestão pública
no país.
O levantamento da FGV atesta a elevada insatisfação dos
brasileiros com a qualidade dos serviços prestados à sociedade atualmente. Os
cidadãos ouvidos pela pesquisa – que somam 3.600 em seis regiões metropolitanas
do país – reconhecem, ainda, a melhoria em sua condição econômica nos últimos
cinco anos.
Segundo a pesquisa, 45% dos entrevistados acreditam que sua
vida financeira melhorou – ou melhorou muito – nos últimos cinco anos, contra
21% que avaliam ter piorado, ou piorado muito, no mesmo período. Porém, apesar
da evolução em termos econômicos, a ampla maioria sente-se incomodada com a
qualidade dos serviços públicos. Os insatisfeitos, ou muito insatisfeitos, com
a segurança pública somam 80%; saúde 79% e transporte 73%. De um modo geral, há
uma percepção de melhora em relação ao emprego e a renda que não estende, até o
momento, à oferta de serviços.
A pesquisa indica que as mobilizações do ano passado se
inserem num contexto de mudança de período político no país. A inclusão de
milhões de brasileiros à sociedade de consumo, proporcionada pelas políticas
sociais e pelo desempenho econômico do país na última década, alterou
profundamente o tecido social brasileiro e possibilitou a emergência de novos
sujeitos na cena pública nacional, que impõem ao país uma mudança de agenda,
ainda não compreendida pelos partidos políticos em geral. Raros têm sido casos
como o do governo gaúcho, que instituiu o Passe-Livre para estudantes das
regiões metropolitanas e ampliou investimentos em saúde como decorrência das
manifestações.
Os protestos de 2013 parecem ter contribuído para um aumento
da consciência a respeito do papel da sociedade civil na luta por serviços de
maior qualidade. Para 88% dos entrevistados “haverá novas manifestações” caso a
questão do transporte não se resolva. E para 54% o voto é um caminho para que
os políticos se empenhem na busca pela melhoria deste serviço. E apesar da
percepção majoritariamente negativa, 40% dos entrevistados acham que o
transporte vai melhorar, contra 24% que acreditam que vá piorar.
É possível concluir que a agenda política nacional está se
deslocando: o tema da distribuição de renda vai cedendo lugar ao da
qualificação dos serviços públicos, resultado direto do processo massivo de
inclusão social verificado na ultima década. Ou seja, os incluídos querem
ampliar suas conquistas, demandam serviços de melhor qualidade e ação do Estado
para promover mudanças qualitativas.
Entretanto, há de se reconhecer que o atendimento a essa
demanda é incompatível com o atual padrão de funcionamento da administração
pública no Brasil. A qualificação dos serviços públicos pressupõe a transição a
um novo Estado, que estabeleça novos parâmetros para o planejamento, a
regulação e o controle público sobre os serviços prestados à sociedade. E
devemos ter claro que a mera alteração de rotinas, procedimentos e adoção de
recursos tecnológicos não serão suficientes. Em suma, sem reformar o Estado
dificilmente a esquerda poderá avançar em seu projeto de mudanças.
Um agenda represada
Mas, se pretendemos refletir sobre a urgência de reformas
estruturais no país, que viabilizem o aprofundamento de um projeto nacional
transformador, então cumpre reconhecer que, após duas décadas de hegemonia
neoliberal no Brasil, a esquerda assumiu o governo federal, em 2003, enfrentando
um dilema. Havia a consciência de que a estrutura estatal brasileira seria um
freio à implantação de um programa pós-neoliberal, mas, como reforma do Estado
havia se tornado sinônimo de “ajuste”, referenciado no Consenso de Washington –
e também em função da correlação de forças desfavorável no Congresso –
acabou-se por não levar a termo uma reforma da máquina pública, capaz de
ajustá-la a um processo de mudanças estruturais da sociedade brasileira.
A opção, por fim, foi realizar mudanças “por dentro”. A
agenda da distribuição de renda pôde avançar, ainda que não tenhamos alterado a
estrutura de gestão e a própria organização do Estado brasileiro. Mas a
capacidade de mudança dentro desse esquema parece ter atingido seu limite. Com
o atual Estado não é possível seguir mudando o Brasil.
As eleições de 2014, em grande medida, serão definidas pela
forma como os partidos e seus candidatos traduzirão – ou não – o desejo de
mudança, identificado pelas pesquisas de opinião, em proposições concretas, que
resultem numa qualificação substancial dos serviços públicos. Portanto, é
preciso projetar, para as próximas décadas, uma agenda que assegure as
conquistas dos últimos anos e avance em direção a temas ainda represados, como
a promoção de estratégias mais eficazes de segurança pública e saúde. E, ao
contrário do que supunham os arautos do “déficit zero”, a sociedade brasileira
clama por mais ação do Estado e não menos. A qualificação da gestão deve estar
no centro dessa nova agenda. Não basta ampliar recursos, é preciso regular e
qualificar o investimento público. É indispensável qualificar e modernizar a
gestão pública. Trata-se de um desafio que envolve os governos federal,
estaduais e municipais.
Reformas como a política e a tributária são indispensáveis
para que a esquerda possa seguir mudando o Brasil. E, da mesma forma, a reforma
do Estado e a radical modernização da gestão publica não podem ser mais
negligenciadas por um projeto político que, para não retroceder, precisa
avançar ainda mais – e com maior velocidade – nos próximos anos. A esquerda não
tem a opção de recusar-se a enfrentar esse desafio.
(*) Secretário-geral do governo do Rio Grande do Sul.
Coordenador do Gabinete Digital.
Créditos da foto: Arquivo
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