A crise é o trágico subproduto de uma política
criminosa de guerras e de intervenções para mudança de regime, implementadas
pelos EUA e pela Europa.
Bill
Van Auken - Global Research / www.cartamaior.com.br
As imagens angustiantes do menino sírio de três
anos de idade, primeiro deitado de barriga para baixo, morto, na areia de uma
praia turca, em seguida o corpo sem vida embalado por um agente de salvamento,
parecem ter aberto os olhos do mundo para a desesperadora crise que tem
acontecido diariamente nas fronteiras da Europa.
A família do menino, que se chamava Alan Kurdi,
vinha de Kobani, fugindo junto com centenas de milhares de outros sírios. O
cerco prolongado do Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS) e uma intensa
campanha de bombardeios dos Estados Unidos deixou a cidade no norte da Síria em
ruínas: casas, sistema de abastecimento de água, eletricidade, saneamento e
infraestrutura médica, tudo foi destruído. O menino, sua mãe e seu irmão de
cinco anos estavam entre os 12 sírios que se afogaram na tentativa de chegar à
Grécia. Destruído psicologicamente, seu pai, o único sobrevivente da família,
disse que voltaria para a Síria com os corpos, tendo afirmado a parentes que
gostaria de morrer e ser enterrado ao lado deles.
Há muitos culpados por essas mortes, que são apenas
algumas das milhares de pessoas que perderam as vidas tentando atravessar o
Mediterrâneo ou morreram sufocadas após se espremer em vans como sardinhas.
O Governo do Canadá ignorou o pedido feito em junho
pela tia do menino, que vive na Columbia Britânica, para conceder asilo à
família de Alan.
Os países da União Europeia têm tratado a onda de
refugiados com repressão e dissuasão, construindo novas cercas, criando
verdadeiros campos de concentração e mobilizando a polícia de choque, para
erguer uma Europa fortificada, para manter bem longe famílias desesperadas como
a de Alan mesmo que seja preciso condenar milhares e milhares à morte.
E os EUA? Os políticos e a mídia americana continuam
convenientemente mudos sobre o papel central de Washington na criação desta
tragédia que assistimos em diversas fronteiras da Europa.
O Washington Post, por exemplo, publicou um
editorial no início da semana afirmando que “não se pode esperar que a Europa
consiga resolver sozinha um problema originado no Afeganistão, no Sudão, na
Líbia e, acima de tudo, na Síria”. O New York Times usou o mesmo raciocínio,
escrevendo: “As raízes desta catástrofe estão em crises que a União Europeia
não pode resolver sozinha: as guerras na Síria e no Iraque, o caos na Líbia...”
Quais são, por sua vez, as "raízes" das
crises nestes países, que deram origem a esta "catástrofe"? A
resposta a esta pergunta é apenas um retumbante silêncio.
Qualquer consideração séria do que está por trás da
onda de refugiados dirigindo-se para a Europa leva à conclusão inevitável de
que se trata não apenas de uma tragédia, mas de um crime. Mais precisamente, a
crise é o trágico subproduto de uma política criminosa de guerras e de intervenções
para mudança de regime, implementadas sistematicamente pelo imperialismo
norte-americano com a ajuda e a cumplicidade de seus aliados da Europa
Ocidental ao longo de quase 25 anos.
Com a dissolução da União Soviética, em 1991, a
elite governante dos EUA concluiu que estava livre para explorar o incomparável
poderio militar do país como forma de compensar o processo de declínio
econômico do capitalismo americano. Por meio de agressão militar, Washington
embarcou na estratégia de estabelecer sua hegemonia sobre os principais
mercados e fontes de matérias-primas, começando pelas regiões ricas em energia
do Oriente Médio e da Ásia Central.
A estratégia foi resumida de forma simplificada
numa frase do Wall Street Journal, logo após a primeira guerra contra o Iraque,
em 1991: "O uso da força funciona".
O que o mundo testemunha hoje, com os milhares de
refugiados desesperados na tentativa de chegar à Europa, é efeito desta
política, mantida desde então.
Em mais de uma década, as guerras do Afeganistão e
do Iraque, travadas com o pretexto de serem "contra o terrorismo", e
justificadas com mentiras infames sobre "armas iraquianas de destruição em
massa", só foram capazes de devastar sociedades inteiras, matando centenas
de milhares de homens, mulheres e crianças.
A estas guerras seguiu-se a guerra por mudança de
regime – liderada pelos EUA e OTAN – que derrubou o governo de Muammar Gaddafi
e transformou a Líbia em um arremedo de país, arruinado pela luta contínua
entre milícias rivais. Então veio a guerra civil síria – alimentada, armada e
financiada pelo imperialismo norte-americano e seus aliados, com o objetivo de
derrubar Bashar Al-Assad e substituí-lo por um fantoche obediente às ordens
ocidentais.
As intervenções predatórias na Líbia e na Síria
foram feitas em nome dos "direitos humanos" e da
"democracia", recebendo o apoio de uma série de organizações de
pseudo-esquerda que representam camadas privilegiadas da classe média – o Partido
da Esquerda, na Alemanha, o Novo Partido Anticapitalista (NPA), na França, a
Organização Internacional Socialista, nos EUA, entre outros. Alguns chegaram a
saudar as ações de milícias islamistas armadas e financiadas pela CIA e
chamá-las de "revoluções".
A situação atual e a pressão insuportável de morte
e destruição que leva centenas de milhares de pessoas à fuga desesperada e
fatal representam a confluência de todos estes crimes do imperialismo. A
ascensão do ISIS e as guerras civis sectárias e sangrentas em curso no Iraque e
na Síria são o produto da devastação do Iraque pelos EUA, seguida do apoio da
CIA e dos aliados regionais do imperialismo americano ao ISIS e às milícias
islamistas semelhantes na Síria.
Ninguém foi responsabilizado por esses crimes.
Bush, Cheney, Rumsfeld, Rice, Powell e outros do Governo Bush, que travaram uma
guerra de agressão no Iraque com base em mentiras continuam totalmente impunes.
No Governo atual, de Obama para baixo, ainda precisam dar explicações pelas
catástrofes que desencadearam na Líbia e na Síria. Os cúmplices são muitos, do
Congresso dos Estados Unidos, que tem atuado como um carneirinho no que diz
respeito às políticas de guerra, a uma mídia chapa branca, que ajuda a
legitimar perante o público americano guerras baseadas em mentiras, passando
pelos pseudo-esquerdistas que atribuem um papel progressista ao imperialismo
dos EUA e suas "intervenções humanitárias".
Juntos, são responsáveis pelo que
acontece hoje nas fronteiras da Europa, que deve ser visto, mais do que uma
tragédia, como um prolongado e contínuo crime de guerra.
Tradução de Clarisse Meireles
Créditos da foto: The U.S Army / Flickr
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12