A queda do Muro de Berlim não significou o fim das
ideologias políticas
“Qual
a diferença entre esquerda e direita?”
Eu
já ouvi essa pergunta de muitas formas, em muitas ocasiões, muito embora essa
indagação seja feita, quase sempre, pelo mesmo perfil de gente: pessoas de
direita com convicções bastante arraigadas nas zonas mais sombrias dessa parte
do espectro ideológico.
A
pergunta em si, não o questionamento acadêmico, costuma ser usada para induzir
agressividade ao debate político. Não é feita para ser respondida, é mais um
insulto do que uma questão. É como se o interlocutor lhe perguntasse: “Quem é
tão estúpido para ainda se preocupar com isso?”
A
esquerda, claro.
Um
dos clichês preferidos da direita é o de apelar para o Muro de Berlim,
supostamente uma prova física, material e documentada de que esquerda e direita
teriam deixado de existir.
Trata-se
de um silogismo simplório: se a linha de ferro e concreto que dividia o
socialismo real do capitalismo ocidental ruiu, ruíram também os conceitos de
esquerda e direita.
Acontece
que uma das pistas para se descobrir se uma pessoa é de esquerda diz respeito,
justamente, à capacidade de ela conseguir enxergar além do óbvio e de aceitar a
complexidade da vida. O que é exatamente o oposto da lógica racional das
pessoas ideologicamente conservadoras.
Imaginar
que um conceito civilizatório como o socialismo possa ser pulverizado por um
momento histórico é, no fim das contas, desconhecer – ou desprezar – a História
em si.
Os
regimes socialistas autoritários que se organizaram como Estados opressores
abandonaram o pensamento de esquerda, que é, como toda ideologia, uma ideia à
procura de um espaço físico. É, por isso mesmo, também uma busca pelo poder.
Em
um país conflagrado politicamente, como o Brasil desses dias, a atual
argumentação anticomunista é, na verdade, antiesquerdista. Ela foi quase que
totalmente moldada a partir de velhas cartilhas da Guerra Fria com conceitos forçosamente
adaptados ao antipetismo e, em grau avançado, ao bolivarianismo – uma ideia que
não só ocupou um espaço físico (a Venezuela) como se transformou numa curiosa
ideologia local adorada e combatida, a depender do que se enxerga nela.
Ao
neoanticomunismo criado para combater a recente guinada da América Latina à
esquerda uniu-se o fenômeno da internet, no todo, e das redes sociais, no
particular. Foi dessa circunstância que nasceu essa militância feroz de
Facebook, onde analfabetos políticos conseguiram se reunir em bando para
produzir clichês fascistas em série.
Há,
contudo, um grupo distinto da direita, formada por intelectuais, artistas e
cidadãos de boa escolaridade, que naturalmente sabe dos efeitos maléficos desse
movimento anticomunista anacrônico e absurdo. E, ainda assim, nada fazem para
neutralizá-lo, quando não o adequam ao próprio discurso para dele se utilizar
como arma política.
Guardadas
as proporções, é como a piada pronta do deputado Paulinho da Força, do
Solidariedade, ao se solidarizar com Eduardo Cunha, mesmo sabendo de tudo, por
acreditar nesta adesão como iminente catalisadora do impeachment da presidenta
Dilma Rousseff.
Como
na política, há também desfaçatez na ideologia.
O
pensamento de esquerda é transversal e, ainda que muitas estultices sejam
vendidas como verdade pela mídia, não é sequer homogêneo no antagonismo ao
capitalismo. Até porque o conceito de socialdemocracia, resumido no Estado de
bem-estar social, é uma experiência de esquerda, bolada para, justamente,
estabelecer parâmetros de comportamento mais solidário e justo dentro do
capitalismo.
Ser
de esquerda, portanto, é uma opção política ligada ao humanismo, à condição
humana que nos obriga a conviver socialmente e, portanto, a decidir em grupo.
Mas
não deixa de ter um problema da aplicação prática, e não apenas por conta da
oposição de direita, mas por ser uma opção, ainda, revolucionária, sobretudo do
ponto de vista dos costumes.
Não
por acaso, tem sido a religião a histérica voz da direita contra a esquerda nos
parlamentos, terceirizada para defender exatamente aquilo que deveria condenar:
a desigualdade e a exploração humana.
A
consequência visível dessa terceirização é o fenômeno tão brasileiro dos pobres
de direita. Pessoas que, em nome da fé, desprezam o único modelo político com
chances de trazer algum alento social para si e ao País.
E
elegem seus algozes.
No
Brasil, a nova esquerda produziu, entre outras maquinações, o movimento dos
blogs, a partir de 2008, quando o pensamento de esquerda pôde se disseminar
além da mídia, onde era confinado a currais específicos, quando não escondido
no porão.
Movimento
que evidenciou a existência inalterada, sim, da luta entre esquerda e direita,
esta transposta diariamente às redes sociais e às ruas.
Não
há porque temê-la, e menos razões ainda para ignorá-la.
Minha
satisfação é saber que, enquanto a direita se mantém atrelada ao discurso do
ódio, na idolatria ao individual e à competição, a esquerda mantém-se presa a
seus sonhos de sempre.
Estou
do lado certo.
Sobre o Autor
Leandro Fortes é jornalista, professor e escritor. Trabalhou para o Jornal do Brasil, O Globo, Correio Braziliense, Estadão, Revista Época e Carta Capital.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12