Há três fatores alimentando essa
obsessão pela prisão de Lula: um de caráter penal, dois de fundo psicológico.
Luis Nassif - Jornal GGN / / www.cartamaior.com.br
Procuradores, delegados e o juiz Sérgio
Moro têm certeza de que o esquema de corrupção esteve sob o comando de Lula. A
prisão de Lula tornou-se ideia fixa para a Lava Jato. Não se trata de suspeita
tratada como suspeita.
Quando o procurador grisalho, de olhos
rútilos afirma que já pegaram Dirceu e agora vão pegar quem está acima de
Dirceu, certamente não está pensando no Divino Espírito Santo.
Há três fatores alimentando essa
obsessão: um de caráter penal, dois de fundo psicológico.
O de caráter penal é a simplificação que
acomete procuradores, delegados e repórteres policiais, de tratar a organização
política com a mesma ótica com que tratam as organizações criminosas: uma
estrutura hierárquica em que todos os comandos emanam do chefe e todos os favores
visam benefícios pessoais.
Há uma estrutura hierárquica e o comando
geral é do primeiro da hierarquia. Sua cabeça persecutória não consegue
entender as nuances do jogo político, muito mais fluido e descentralizado que
nas organizações criminosas.
Não é de hoje, nem restrito ao Brasil,
esse conflito entre a maior permissividade da política e dos negócios, e a
visão branco-preto dos órgãos de fiscalização e controle.
No caso da Lava Jato soma-se a essa
visão um conhecimento pobre sobre procedimentos bancários e ferramentas de
estímulo à economia, tanto da parte de procuradores e delegados quanto de
repórteres policiais. Melhoraram muito a percepção sobre crime financeiro e em
nada sobre as ferramentas convencionais de política econômica.
Essa desinformação faz com que se
proceda à criminalização de qualquer fato, desde financiamentos à exportação
até a diplomacia comercial.
As prerrogativas do poder
Outra complicação é a dificuldade que
têm para separar as chamadas prerrogativas do poder dos crimes de corrupção.
A imagem e as relações criadas por um
ex-presidente é um ativo pessoal seu.
Cada qual dá o uso que bem entende. Podem usar em palestras, facilitar
negócios para familiares, até afrontar alguns limites éticos sem configurar
crime.
E quando o palestrante tem projeção
internacional – casos de Fernando Henrique Cardoso e Lula – o valor do cachê é
igualmente elevado.
Logo que deixou a presidência, a
primeira palestra de Fernando Henrique Cardoso foi para a Ambev - beneficiada
por ele através do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O cachê
foi de US$ 150 mil na época e serviu de parâmetro para os cachês subsequentes.
No seu governo, seu filho Paulo Henrique
conseguiu um belo emprego na CSN - privatizada no seu governo -, em ONGs
ambientais e, depois de sua saída tornou-se sócio da Disney em uma rádio
paulistana. Quais os atributos profissionais de Paulo Henrique? Filho de
ex-presidente.
A mesma métrica vale para Lula. Acumulou
um amplo patrimônio palestrando e fazendo lobby (legítimo) na África e América
Latina para empreiteiras beneficiadas por obras e financiamentos em seu período
de governo.
Seu filho emplacou um patrocínio de R$
2,4 milhões junto a um lobista da indústria automobilística. Quais seus
atributos profissionais? Ser filho de ex-presidente.
Não fizeram nada diferente do que fazem
ex-presidentes dos Estados Unidos, França e Inglaterra. A tentativa de criminalizar
um - e esquecer o outro - se deve ao atual viés político do Ministério Público
Federal e da Polícia Federal, mas também a dois outros fatores.
A busca do Santo Graal
O segundo fator é a busca do Santo
Graal, a vitória final para a imortalidade: a prisão de Lula, que se tornou uma
obsessão para a Lava Jato, seja por suas inclinações partidárias, seja por
disputa profissional.
Se não conseguir, ao menos atenda-se ao
terceiro fator, a dar sobrevida à Lava Jato nas manchetes de jornais.
No jornalismo, não há tema que resista
ao desgaste da repetição reiterada, nem atentado na França, nem a lama de
Mariana.
A Lava Jato esgotou seu potencial
midiático. Não ganha mais as manchetes principais, e quando ganha é por mera
solidariedade partidária dos jornais. Mas não desperta mais o interesse do
leitor porque tornou-se uma repetição menor dos procedimentos inciais:
anuncia-se uma nova etapa, prende-se a arraia miúda (porque a graúda já foi
presa), vaza-se uma delação do delator que ouviu dizer que fulano ouviu dizer
que beltrano ouviu dizer que Lula sabia de tudo. Aí o Instituto Lula solta um
desmentido que não é desmentido e a vida continua.
Diga-se em favor da Lava Jato, que o
modelo de atuação impediu parcialmente o excesso de protagonismo individual de
procuradores e delegados. Digo parcialmente porque a imagem de procuradores
percorrendo o país com uma lanterna acesa e pregando o fim da corrupção
constrangeu públicos mais sofisticados.
Mas, enfim, atuam em equipe, vazam as
notícias em equipe e se defendem mutuamente: quando um corregedor da PF ousou
colocar em dúvida o grampo na cela de Alberto Yousseff, procuradores da Lava
Jato correram para processá-lo por calúnia, injúria e difamação antes mesmo de
terminar a sindicância.
Mas depois de conhecer a luz, deter o
poder de comandar as manchetes, montar coletivas aguardadíssimas, o maior temor
é a volta à invisibilidade do trabalho burocrático e das operações invisíveis,
pois sem viés político.
Não bastasse o gradativo esgotamento do
potencial feérico da Lava Jato, a partir de agora os holofotes terão que ser
divididos com colegas que atuarão em outros estados. A divisão da Lava Jato em
várias frentes aumentará sua eficácia investigativa, saindo do rame-rame da
delação premiada e da quebra de sigilos para ações de inteligência; mas
aumentará a disputa pelas manchetes, em um mercado que deixou de ser ofertante.
E aí a Força Tarefa e o juiz Sérgio Moro
são vítimas de um problema que acomete toda pessoa que experimentou os
holofotes da mídia: a síndrome da abstinência.
O fator Lula
É esse o pano de fundo para essa caçada
implacável a Lula. Enfiaram na cabeça e passaram publicamente a expressar esse
desejo: querem a cabeça de Lula. Todas suas energias estão a serviço da sua
tese. Mas como não pronunciam a palavra Lula, limitando-se a se referir ao
“chefe do Dirceu”, atendem aos requerimentos republicanos do Ministro José
Eduardo Cardozo.
E aí cria-se um quadro de
autoconvencimento que está longe de ser profissional:
- Já tem a conclusão antes das provas: o
culpado é Lula.
- Tem o poder de aceitar ou não a
delação do delator. E o delator sabe o que os procuradores querem: Lula. E esse
desejo expresso, público, notório dos procuradores é a condição para a
aceitação da delação do delator. Então, se é isso que eles querem....
- Como o operador não tem provas,
provavelmente jamais viu Lula pessoalmente, recorre ao “ouvi dizer”. A delação,
então, é vazada para a mídia e o “ouvi dizer” torna-se matéria diária, com
procuradores e delegados iludindo-se que é indício e a imprensa iludindo-se que
é notícia, e ambos banalizando o conceito de investigação séria que deveria
permear a Lava Jato.
Créditos da foto: Ricardo Stuckert /
Instituto Lula
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