sábado, 12 de dezembro de 2015

Rechaçar o Impeachment

por Fabiano Santos (IESP-UERJ) // http://www.cienciapolitica.org.br/

O impeachment acatado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deve ser rechaçado pelas seguintes razões principais:


Porque padece de óbvia fragilidade jurídica. Por um lado, como nos ensinou o político e jurista Paulo Brossard, o impeachment é um processo jurídico e político. Não basta haver uma avaliação ruim do desempenho governamental. É necessário também indicar qual o ato perpetrado pelo chefe do Executivo a caracterizar o cometimento de crime, durante o exercício do mandato, ato a partir do qual este teria obtido vantagens pessoais indevidas. Sem tal indicação, torna-se o processo puramente político, afrontando o que estabelece a Constituição. Ora, a votação do PLC 05/2015 jogou por terra qualquer possibilidade de se embasar um eventual crime de responsabilidade nas chamadas “pedaladas fiscais”, uma vez que através dela autorizou-se o governo a adequar suas práticas contábeis à legislação vigente, como bem assinalou o jurista Luiz Moreira em artigo recente. Por outro lado, é comum ouvir a objeção segundo a qual o problema jurídico e criminal residiria no conjunto da obra do governo, sobretudo do partido da presidente, o PT, enredado em várias denúncias de corrupção decorrentes da operação Lava Jato. Deixando de lado o ponto já mencionado de não haver ato específico denotando cometimento de crime por Dilma Rousseff, incluindo-se aí as investigações em torno da operação Lava Jato, vale notar que não é apenas o PT que se vê envolvido em possíveis ilícitos no bojo desta. O PMDB, partido de Michel Temer, encontra-se tão ou mais implicado na investigação. Por decorrência, se na base da fundamentação jurídica do processo existe uma imputação genérica de esquema de desvio de recursos públicos para fins pessoais e políticos, a mesma imputação atinge o partido do vice-presidente. Assim, do ponto de vista jurídico, nem PT, nem PMDB poderiam permanecer à frente da chefia do Executivo;

Porque padece de argumentação política razoável. É preciso ressaltar e exaurir a noção básica de que impeachment não equivale a recall. Verdade que o governo não tem se havido da melhor maneira no âmbito econômico. A inflação atinge a renda dos assalariados, o desemprego cresce, investimentos caem etc… É verdade também, contudo, que a conjuntura econômica de crise decorre de um cenário global muito desfavorável, agravado por uma situação de stress nas relações do governo com sua base de apoio formal no Congresso. Se o governo tem sua parcela de responsabilidade no manejo ineficiente da coalizão, também é verdade que medidas básicas, óbvias de estabilização da situação fiscal têm recebido no legislativo a recusa de seus mesmos proponentes no passado, denotando com isso um clima de radicalização política artificial, porque não fundado em razões e interesses sólidos, e desestabilização voluntária da situação fiscal do Estado brasileiro. De toda forma, se existe alguma forma democrática de correção de rumos em contexto de mau desempenho governamental, esta consiste em deixar as urnas falarem. Ou seja, do ponto de vista político democrático, o governo deve sofrer punição no local e hora marcados para esse fim em regimes democráticos, a saber, no pleito presidencial e legislativo de 2018;

Porque padece de visão de futuro minimamente responsável. Até meados de 2013, o Brasil era considerado exemplo de democracia consolidada e em vias de modernização. Indicadores internacionais de bom desempenho só fazem crescer quando se leva em conta a experiência histórica brasileira desde a promulgação da Carta de 1988. A partir das chamadas jornadas de 2013 algo muda no clima político do país. Uma retórica de intolerância e ódio e o uso de violência passam ser admitidos no repertório legítimo de manifestações de valores e interesses políticos. Uma eventual vitória do impeachment será a vitória da atitude política autoritária, baseada na força e na intimidação, na ética da convicção contra a responsabilidade do procedimento, e não em bons argumentos e no convencimento. Para quem se preocupa com uma pedagogia democrática de longo prazo, portanto, nada mais aterrorizante do que o sucesso desta aventura.

Porque padece de legitimação societal. O impeachment deve resultar sempre de um amplo consenso social, pela gravidade de suas implicações e excepcionalidade do instrumento. Não pode ser a sobreposição de uma parte pela outra, vitória de uma facção e derrota de parcelas significativas da sociedade. Ora, várias instituições e atores sociais centrais do país vêm sinalizando há muito tempo para a oposição sobre o caráter arriscadamente “golpista” da empreitada, com todas as implicações que tal termo carrega na história brasileira. Voltando ao ponto da visão de futuro, uma imposição do impeachment via artimanhas regimentais orquestradas por um presidente do legislativo com baixíssima popularidade, minará a legitimidade social de vários governos que virão daqui por diante, porque decorrentes de um processo histórico de ruptura antidemocrática do jogo político.

Porque no fundo trata-se de conspiração palaciana. Como decorrência do ponto anterior, dado que o processo não decorre de um amplo consenso social, nem de ampla mobilização popular, a recortar setores, classes, regiões e faixas etárias, sendo também carente de fundamentação jurídica sustentável, se prosperar, encerrará todas as características de uma conspirata palaciana (Palácio Jaburu, no caso) e de gabinete. Voltando ao ponto 3, para os colegas que se importam com reputação internacional e rankings de desempenho político, ficaremos mal na fita, para dizer o mínimo.

O cenário que se avizinha no Brasil é de muita dificuldade. Governo frágil numa situação de crise fiscal e econômica grave já indica tempos difíceis. Contudo, a legitimidade das urnas mantém a possibilidade de recomposição de forças ao centro e à centro-esquerda em torno da agenda do ajuste fiscal e tentativa de diminuição da inflação aliada a alguma retomada do investimento. O pior cenário resultaria se da crise emergir um presidente não sancionado mediante eleições, mas de conspiração e golpes de força. Neste caso, à crise econômica somar-se-á convulsão social duradoura e o eventual de uso do aparato repressor do estado. Definitivamente o país não merece esse retrocesso.


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