De quem sabe das coisas, o professor de jornalismo
Nilson Lage:
“A incursão de geralmente ausente (omisso?)
Cardozo, em voo noturno, à República do Paraná, seu encontro reservado com o
comando local do Exército e presença ostensiva junto ao japonês bonzinho,
personagem de Veríssimo.
Leiam bem o texto, meninos: o Marcelo mostra, nele,
como se conta direitinho uma história de mistério, a que não falta o pano de
fundo de um conflito agrário.
Na mídia movida a grana tem sido difícil,
ultimamente, ler um texto desses.”
O mistério do ministro Cardozo em Curitiba
Marcelo Auler, em seu blog
Não foi a presença do Agente de Polícia Federal
(APF), Newton Ishii, conhecido como o “japonês bonzinho” que fez muita gente
ficar apreensiva com a ida do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, à
Curitiba, na última terça-feira (08/12).
A questão é que, na viagem ao Paraná para discutir
um conflito agrário – a disputa por terra entre colonos do MST e a Madeireira
Araupel S/A, nos municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu,
sudoeste do estado – o principal encontro de Cardozo naquela manhã deu-se no
quartel general da 5ª Região Militar, com o general de brigada Luís Antonio
Duizit Brito, comandante da área.
Discutiram a disputa de terras que envolve milhares
de colonos e os empregados da madeireira, no que já se tornou a grande questão
agrária do Estado. O conflito, que no passado provocou a morte de dois jovens,
é considerado uma situação explosiva que as forças de segurança do estado não
se mostram capazes de resolver sozinhas.
O receio de muitos é o que ficou sinalizado na
viagem: a possível participação do Exército nesta questão. É algo acima de tudo
temeroso o envolvimento das Forças Armadas em conflitos sociais.
Recorde-se o episódio de novembro de 1988, quando o
Exército interviu na briga sindical entre metalúrgicos em greve e a direção da
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o que ficou conhecido como “O massacre de
Volta Redonda”. O saldo foi catastrófico: três operários mortos – Carlos
Augusto Barroso, de 19 anos; Walmir Freitas Monteiro, 27 anos; e William
Fernandes Leite, 22 anos – e centenas de outros feridos. Um novo conflito do
gênero é tudo o que a presidente Dilma Rousseff não precisa na crise atual.
Não se sabe qual foi o entendimento final entre o
ministro e o general. No governo de Beto Richa (PSDB) fala-se que o governador
pediu a intervenção da Força Nacional. O ministro teria oferecido a ajuda dos
militares. Entre delegados federais com trânsito em Brasília, há a certeza que
Cardozo foi lá, justamente afastar esta hipótese.
A agenda oficial do ministro, na terça-feira, dia
08/12, escondeu o encontro com o comandante da 5ª Região Militar. Só depois da
conversa dos dois no quartel do bairro Pinheirinho é que Cardozo foi à
Secretaria de Segurança Pública avistar-se com o secretário, o delegado federal
Wagner Mesquita.
Oficialmente, no encontro com Mesquita falou-se do
emprego da Força Nacional no conflito no sudoeste do Estado. Segundo fontes de
Curitiba, foi nesta conversa que Cardozo acenou com a participação do Exército
na tentativa de solucionar um conflito que já dura anos.
Um dos delegados que o blog ouviu e tem trânsito
com autoridades do Ministério da Justiça garante que o recado do ministro foi
justamente o contrário do que se falou no governo estadual.
Ele foi deixar claro que não é o momento de
qualquer ação, menos ainda envolvendo as Forças Armadas. A mesma fonte garante
que, caso o Exército seja acionado, será para dar apoio logístico, jamais para
enfrentar os trabalhadores rurais e garantir a reintegração de posse. Porém, a
grande questão que ficou no ar é justamente a visita do ministro a Curitiba.
Questiona-se o motivo que o levou a deslocar-se de madrugada para o Paraná.
A visita de Cardozo a Curitiba surpreendeu até
mesmo o comando da Polícia Federal no estado. O superintendente do DPF, Rosalvo
Ferreira Franco foi acionado na noite de segunda-feira para aguardar a comitiva
de Brasília no aeroporto Afonso Pena à 01h00 da madrugada de terça-feira. Foi à
noite que ele acionou seu fiel escudeiro, o agente de polícia federal Newton
Hidenori Ishii.
Ishii não participou das reuniões, mas fez sucesso.
Os jornais se preocuparam muito com ele e desconheceram o real motivo da ida do
ministro ao Estado. No Exército, vários militares pediram para fazer fotos ao
lado do “japonês bonzinho” que virou personagem da crônica de Luiz Fernando
Veríssimo, na quarta-feira, republicada nos jornais O Globo e Estado de S.
Paulo:
“O japonês bonzinho teria expandido seu campo de
ação e contaria com comparsas dentro do próprio Planalto. Ele teria lido a
carta do Temer antes mesmo da própria Dilma, e escolhido para quem mandar
cópias“, escreveu o jornalista gaúcho.
A presença de Ishii ao lado do ministro é bastante
criticada na Polícia Federal. O agente, como já se falou, foi um dos 22
policiais federais presos, em março de 2003, na primeira grande operação
policial feita na gestão do delegado Paulo Lacerda à frente do DPF. Na Operação
Sucuri, todos foram acusados de facilitarem o contrabando e o descaminho de
mercadorias na fronteira com o Paraguai. Ishii e mais dez colegas foram demitidos
do DPF em outubro de 2009. A decisão, porém, foi anulada, em maio de 2012, por
um Mandado de Segurança impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao
julgarem que o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) teve falhas, o
tribunal determinou a reintegração dos policiais demitidos. Por isso é que
muitos entendem que o ministro deveria evitar de se expor ao lado do agente,
pois a sua demissão ainda é uma questão pendente.
Não convincente – A explicação oficial do próprio
ministro para alguns jornalista sobre sua ida a Curitiba – encontrar-se com
Mesquita para falarem sobre a disputa agrária em Quedas de Iguaçu – não
convenceu muita gente.
Afinal, como a própria agenda dele mostra, na
véspera, às 15H00, em Brasília, reuniu-se com Beto Richa que levou à tiracolo
seu secretário de Segurança.
Se era apenas para dizer que o Governo Federal não
entrará na briga neste momento. o recado poderia ter sido passado por telefone.
Ou pessoalmente, na conversa com o governador, na véspera. Sem falar que, pelo
menos uma fonte do governo do estado garantiu ao blog que eles não pediram
ajuda do Exército. Foi o ministro quem o ofereceu.
O encontro na Secretaria de Segurança foi após a
conversa com o general. Depois de estar com o ministro, o delegado Mesquita
esteve também com no quartel de Pinheirinho com o general Duizit. Oficialmente,
ele nega ter ido tratar da questão agrária. Mas, segundo foi possível levantar,
ainda que não tenha sido o prato principal na conversa, também abordaram a
questão do sudoeste do Estado. Todos, porém, se fecham em copas.
Na comitiva de Cardozo estavam o diretor-geral do
Departamento de Polícia Federal (DPF), delegado Leandro Daiello, e o delegado
Maurício Leite Valeixo diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado
(DICOR). Mantiveram distância da sede da superintendência do DPF na cidade.
Apesar da presença do DICOR, o Delegado Regional de
Combate ao Crime Organizado, Igor Romário de Paula, não participou dos
encontros, nem mesmo do almoço do grupo em um restaurante especializado em
carnes, na cidade. Sorte maior teve o APF Ishi, um dos comensais à mesa.
As ocupações – Quedas do Iguaçu é um município de
33 000 habitantes a 447 quilômetros de Curitiba. O forte da sua economia são a
agricultura, pecuária e o setor de beneficiamento de madeira, em que se destaca
a Araupel, uma das maiores indústrias de reflorestamento da região
Famílias sem-terra ocuparam em 2014 uma área da
Fazenda Rio das Cobras, localizada entre os municípios de Rio Bonito do Iguaçu
e Quedas do Iguaçu. Elas reivindicam a desapropriação do imóvel, de cerca de 35
mil hectares, e sua destinação à reforma agrária. A Araupel é uma empresa que
desenvolve atividades de reflorestamento e processamento de produtos
madeireiros.
No ano passado, os coordenadores do MST admitiam
que ocupavam 52 000 hectares. Cerca de 2. 800 famílias estavam assentadas.
Hoje, na região, está um dos maiores assentamentos do estado: Acampamentos
Herdeiros da Terra, com 4.500 família.
Tem sido comum na região, moradores dos centros
urbanos realizarem movimentos contrários à ocupação. Temem os reflexos
econômicos. Em Quedas de Iguaçu, conforme a associação comercial local, a
Araupel emprega mais de mil pessoas e conta com a prestação de serviços de ao
menos outros 300 trabalhadores, o que pode corresponder a 8% da força ativa da
cidade. A empresa acena com demissões, pois diz já acumular prejuízos de mais
de R$ 20 milhões
Na tarde de quinta-feira (10/12), os coordenadores
dos acampamentos recusaram a proposta da empresa para resolver o conflito nos
imóveis Pinhal Ralo e Rio das Cobras: a cessão de uma área de 190 hectares,
devendo o restante da área necessária para transferência dos acampados ser
cedida pelo Incra e pelo Estado do Paraná, com algumas condições.
Ao tomar conhecimento do fato, o advogado da
empresa, Leandro Salomão informou que aguarda um encontro com o governador,
como noticiou o site Iguaçu Notícias. Segundo ele, a partir deste momento a
empresa atuará somente pelos cumprimentos das reintegrações de posse.
A questão é controversa, pois em maio passado o
título da área da Fazenda Rio das Cobras, que está em nome da Araupel, foi
anulado pela juíza da 1ª Vara Federal de Cascavel, Lilia Côrtes de Carvalho de Martino.
A área está localizada entre os municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do
Iguaçu, na região Centro-sul do Paraná. A posse do título era contestado pelo
Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Na decisão, a
juíza considerou ilegal toda a cadeia dominial das terras e disse que a área
pertence à União.
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