As afirmações de Guzmán nos
lembram que o negócio que ele encabeça não seria possível sem a conivência do
sistema financeiro estadunidense.
Editorial - La Jornada do México
// www.cartamaior.com.br
Três dias depois da publicação da
entrevista com Joaquín “El Chapo” Guzmán para a revista The Rolling Stone,
realizada pelo ator estadunidense Sean Penn, podemos dizer que sua figura
adquiriu uma notoriedade equiparável com a de um popstar, assim como a própria
entrevista teve tanta ou mais repercussão que a própria captura do
narcotraficante, na sexta passada (8/1), em Los Mochis, Estado de Sinaloa.
As versões oficiais afirmam que a
entrevista em si foi um dos fatores que levou à captura de El Chapo, mas
independente disso, a reação dos dois governos que iniciaram processos penais
contra o líder do cartel de Sinaloa – México e Estados Unidos – mostraram a
desconformidade que provoca nas esferas de poder a realização e difusão desse
tipo de conteúdo. Enquanto o governo mexicano afirma que investigará se a
conversa publicada pela revista configuraria possíveis atos ilícitos, a Casa
Branca a qualificou de “exasperante”, e afirmou que Barack Obama ficou
“horrorizado” ao conhecer o conteúdo da entrevista, na qual El Chapo faz alarde
de suas atividades de tráfico de entorpecentes.
Certamente que, num país como o
México, onde dezenas de jornalistas morrem violentamente devido ao seu trabalho
de informar a respeito do entorno do crime organizado, a publicação de uma
conversa entre um dos delinquentes mais perigosos, ou talvez o mais perigoso do
mundo, e uma celebridade de Hollywood pode parecer uma frivolidade.
Entretanto, e sem se preocupar
tanto com a forma, a entrevista em si revela uma realidade dura: a que a
penetração do narcotráfico em várias esferas da vida pública, social e
econômica parece ser, infelizmente, algo inquestionável.
Efetivamente, as afirmações
atribuídas a Guzmán nos lembram, por exemplo, que o negócio que ele encabeça em
escala internacional não seria possível sem a conivência dos sistemas
financeiros do mundo – incluindo, em forma destacada, o estadunidense. Sem o
fluxo constante e descontrolado de armas que cruzam a fronteira mexicana e sem
a cumplicidade das autoridades estadunidenses, que pouco ou nada fazem para
combater o grave problemas dos que sofrem de dependência química em seu
território, esse mercado não seria tão vigoroso. Essas circunstâncias acabam
expondo as críticas de Washington contra a publicação aos comentários de que a
reação se trata de um ato de hipocrisia.
Enquanto se formulam duros
questionamentos públicos à ética dos entrevistadores e dos editores que
publicaram a entrevista com El Chapo, vale a pena lembrar que a moralização, em
assuntos relacionados com o narcotráfico, deveria começar pelas próprias
instituições de segurança. O relato a respeito dos fatos que levaram à
entrevista mencionam de forma significativa que, no caminho para a reunião com
o narcotraficante, o comboio que transportava Penn e seus acompanhantes passou
sem problema por um posto de controle militar e que os uniformados inclusive
reconheceram os supostos filhos de Guzmán entre os que integravam a comitiva.
O fato é que essa passagem, ainda
que sem a descrição do ponto exato onde aconteceu, é uma mostra do nível de
infiltração que as estruturas criminais têm nas corporações policiais e
militares, situação que está documentada de forma muito mais ampla e detalhada
que na entrevista de Rolling Stone, em vários outros trabalhos jornalísticos.
Um exemplo claro são as próprias fugas de El Chapo dos presídios de segurança
máxima de Puente Grande e Almoloya, que não são concebíveis se não graças a uma
rede de omissões e cumplicidades por parte das autoridades carcerárias.
A contraparte dessa realidade que
assola as instituições mexicanas é o conteúdo dos informes dos membros da
Polícia Federal que participaram da captura de Guzmán: de acordo com os
documentos, minutos depois do enfrentamento inicial, o narcotraficante, a bordo
de um veículo roubado, tentou intimidar e subornar os policiais, mas os mesmos
recusaram as ofertas, prenderam El Chapo Guzmán e um cúmplice e os levaram ao
motel onde finalmente foi entregue a oficiais da Marinha.
A admirável atitude dos
servidores públicos não só foi determinante na detenção de um dos delinquentes
mais buscados do mundo como também envia uma mensagem clara: a urgência e a
necessidade de que as próprias autoridades adotem, como prioridade, a promoção
do civismo em todos os âmbitos da vida pública. A capacitação e moralização dos
integrantes das forças de segurança é outra medida de óbvia necessidade, e
muito mais eficaz na tentativa de combater o crime organizado.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: reprodução
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