Uta Thofern é chefe do
departamento América Latina da DW
Após a vitória da oposição na
Venezuela, os chavistas no governo conseguiram paralisar o novo Parlamento. Os
perdedores são os cidadãos, opina a chefe do departamento América
Latina da DW, Uta Thofern. // http://www.dw.com/
Era bom demais para ser verdade:
a oposição vence as eleições, o governo aceita a derrota, e ambos se sentam
juntos para resolver os problemas do país. É o que se espera de uma cultura da
democracia.
Após a esmagadora derrota
eleitoral dos chavistas, tudo levava a crer que assim o presidente Nicolás
Maduro pretendia proceder: de forma sensata, judiciosa, responsável. Contudo
essa fase só durou o tempo suficiente para o partido governista desenvolver uma
outra estratégia.
Neste ínterim, com o auxílio de
truques jurídicos, os chavistas conseguiram enfraquecer decisivamente o
Parlamento recém-eleito, levantando um bloqueio institucional. Às vésperas da
formação da nova Assembleia Nacional, usando sua maioria no velho Parlamento, a
legenda do governo assegurou para si o controle do Supremo Tribunal de Justiça
pelos próximos anos. Desse modo, todos os órgãos constitucionais, com exceção
do Parlamento, estão inteiramente nas mãos dos chavistas, sem que haja qualquer
instância de arbitração independente.
Acrescente-se que a eleição dos
novos juízes constitucionais foi subitamente marcada para antes do Natal, pois
alguns deles haviam renunciado inesperadamente; que a votação não transcorreu
dentro do prazo; e que todos os novos juízes são chavistas, sendo dois deles
deputados que acabam de perder o mandato, e vários sem qualificação jurídica
condizente.
O partido do governo impôs essa
estratégia, entre outros motivos, pela falta de protestos internacionais de
peso. Desde a derrota nas urnas, os chavistas operam no limite absoluto da
legalidade, e até mesmo o extrapolam, mas até agora conseguiram se manter aquém
do limiar da indignação.
A primeira vítima dessa tática
dos avanços gradativos é a maioria de dois terços da oposição no Parlamento.
Com base numa queixa dos governistas, o Supremo Tribunal retirou
temporariamente o mandato de três parlamentares da oposição.
A tentativa de rechaçar a decisão
resultou num triste fiasco. No fim das contas, decerto é mais inteligente
desligar provisoriamente os controvertidos deputados "por vontade
própria". A provocadora política de símbolos praticada pelos
oposicionistas em seus primeiros dias no Parlamento foi contraproducente – da
retirada dos retratos do falecido ídolo Hugo Chávez à resistência ostensiva
contra o atual presidente.
O fato de agora os oposicionistas
cederem pode ser interpretado, com certeza, como o sinal de uma nova cultura da
aproximação. No entanto, esse desdobramento deve ser visto sobre o pano de
fundo da ameaça dos juízes máximos de anularem todas as decisões do novo Parlamento.
Por isso, é mais do que questionável que os chavistas visem realmente uma
aproximação.
Seja como for, agora a maioria de
dois terços foi desfeita, e todo esforço da oposição para recuperá-la está
condenado ao fracasso, pois só com a dita maioria é possível depor juízes. Para
todos os efeitos, os oposicionistas reconheceram o Supremo Tribunal –
recomposto de forma duvidosa – como instância decisória, mesmo que interpretem
a situação de forma diferente. Toda nova lei aprovada no Parlamento pode ser cancelada
por essa corte de Justiça.
O recuo da oposição possivelmente
preservou a Venezuela, no momento, de novos protestos de rua e de confrontos
sangrentos com os seguidores armados dos chavistas. Entretanto, esse recuo
apenas anuncia o início da paralisação institucional. Isso, num momento em que
debates infindáveis são do que o país menos precisa.
A Venezuela sofre uma devastadora
crise de economia e abastecimento. O povo está farto: no país mais rico em
petróleo do mundo, ele não quer mais estar diante de prateleiras de mercado
vazias, e expressou isso de forma bem clara nas eleições. Porém, o presidente
Maduro e sua legenda ignoram esse resultado. Que a comunidade internacional
aceite isso sem mais, é uma vergonha.
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