Pressionado pelo discurso da
direita, o governo se rende à narrativa liberal e abandona a pauta de
introdução de novos impostos que taxem os mais ricos.
Paulo Kliass // www.cartamaior.com.br
Muita expectativa foi gerada na
sociedade brasileira com a virada do ano e a saída de Joaquim Levy do comando
da área econômica da equipe de Dilma. A passagem do diretor de um dos maiores
bancos privados pelo governo foi realmente desastrosa. Durante os 12 meses em
que atuou com carta branca para implementar sua visão a respeito da crise e dos
caminhos para sua superação, o Brasil só fez se afundar ainda mais na recessão
e no desemprego.
Como era de se esperar, um
representante dos interesses do financismo no interior do núcleo duro da equipe
governamental não poderia mesmo colaborar para uma solução progressista para o
imbroglio que o País atravessa. O mantra da ortodoxia conservadora permanece
sendo repetido ad nauseam pelos meios de comunicação: qualquer solução para as
dificuldades que a economia brasileira atravessa atualmente passa pela
manutenção do tripé da política econômica. Sim, aquela mesma cilada que vem
sendo mantida desde a edição do plano Real em 1994.
De acordo com essa leitura, um
dos aspectos essenciais do sucesso macroeconômico é manter o combate firme e
forte contra a inflação por meio da elevação da taxa de juros oficial, a SELIC.
Além disso, o governo deve se comprometer até o pescoço com a necessidade de
geração de superávit primário por períodos sucessivos. Por outro lado, é
necessário manter todas as condições de atratividade da economia brasileira
para o ingresso de recursos estrangeiros em condições facilitadas, de forma a
manter o grau de internacionalização de nossa sociedade. Ausência de controle
de capitais especulativos externos, privatização de bens públicos e outras
benesses ao capital são muito bem vindas.
2015: o fracasso anunciado do
austericídio de Levy
O cenário tornou-se claramente
mais agravado em 2015, em razão das decisões equivocadas tomadas nos 2 anos
anteriores e que apenas retardaram o surgimento de dificuldades graves no
equilíbrio fiscal. No entanto, a insistência de Levy em buscar a trilha dos
cortes indiscriminados no orçamento para assegurar a geração de superávit
primário contribuiu para tornar ainda mais dramática a trajetória, que já
estava em curso, de diminuição do ritmo das atividades econômicas.
Os juros oficiais aumentaram mais
de 2 pontos percentuais ao longo do ano passado e nem por isso a medida foi
eficiente para reduzir a inflação. Como o diagnóstico da subida dos preços
estava equivocado, a solução não passava pela contenção da demanda para
fazê-los baixar. Entre janeiro e dezembro de 2015, a inflação anual subiu de 7%
para quase 11%. Paralelamente a essa orientação contracionista, o governo levou
a cabo uma estratégia de redução de despesas em áreas sociais estratégicas e nos
investimentos públicos. A única rubrica que, pelo contrário, teve elevação de
gastos foi aquela relacionada ao pagamento de juros da dívida pública. No mesmo
período, foram dispendidos R$ 501 bilhões, um valor equivalente a 9% do PIB.
A incapacidade de tal abordagem
em promover a recuperação da atividade econômica e abrir espaço para a retomada
da agenda do desenvolvimento parece ter levado a Presidenta à substituição do
titular da Fazenda. Porém, as primeiras medidas anunciadas desde o início de
2016 vêm frustrando, de forma sistemática, todos aqueles que propúnhamos
mudanças significativas na rota do desastre. Na verdade, o que vendo sendo
apresentado aos atores é uma recauchutagem da política fracassada de Levy.
2016: austericídio recauchutado.
A versão oficial da política
econômica continua baseada na leitura de que a política monetária dura e
implacável é o único instrumento para contenção da inflação, ainda que as
causas da alta dos preços não estejam vinculadas a nenhum excesso de demanda
agregada em relação à oferta agregada. Muito pelo contrário, o desemprego já
superou a casa dos 10%, as falências se multiplicam a cada dia e os salários
têm sofrido sucessivas perdas reais.
A renovada insistência em bater
na tecla da necessidade de reduzir despesas para alcançar o equilíbrio fiscal
mascara o fato de que a maior conta provocadora de déficit público continua
sendo aquela associada ao pagamento de juros da dívida pública. Porém, com a
retórica ainda presa à armadilha do superávit primário, as despesas financeiras
não são levadas em conta e a equipe de Dilma continua cortando e
contingenciando onde não deve.
Pressionado pelo discurso
ideológico da direita contra o suposto peso excessivo do Estado na economia, o
governo se rende à narrativa liberal extremada e abandona a pauta de introdução
de novos impostos para recompor uma estrutura tributária que seja marcada por
um mínimo de progressividade. Por outro lado, avança surpreendentemente na
pauta do financismo, aceitando a ideia equivocada de estabelecer limites ao
crescimento das despesas públicas - sempre ignorando os aumentos das rubricas
financeiras.
Parece que o Brasil teima em
seguir contra a maré. No momento atual, importantes instituições multilaterais
do sistema das Nações Unidas – a exemplo da Agência das Nações Unidas para o
Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) e da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) – sugerem a seus países membros a retomada dos
gastos públicos como mecanismo para a retomada do crescimento da economia. E
nós seguimos insistindo no cumprimento de um dever de casa que não nos cabe,
exigido apenas pelo cartel do mundo da finança.
A novidade mais perversa dessa
versão 2.0 do austericídio pode ser identificada na maldosa insistência
atribuída à reforma da previdência social, sempre apresentada por alguns
representantes do governo como uma espécie de panaceia para todos os males de
que a nossa economia padece atualmente. Ao insistir na divulgação de
informações distorcidas a respeito da verdadeira situação econômico-financeira
do regime Geral da Previdência Social (RGPS), certos membros da equipe de Dilma
contribuem para reforçar o quadro maldosamente catastrofista.
Recuperar a via do
desenvolvimento.
Os especialistas não se cansam de
repetir que não há nenhum tipo de déficit estrutural no regime previdenciário.
Pelo contrário, o modelo tem se apresentado de forma superavitária até o
momento. Há variações conjunturais, é claro, em razão da recessão e do
desemprego, pois a queda nas contribuições provoca mesmo uma diminuição nas
receitas do sistema. As mudanças necessárias guardam relação com transformações
de longo prazo, de natureza geracional, associadas a novos padrões demográficos
e da própria estrutura do mercado de trabalho.
No entanto, nada tão emergencial
que justifique usar o momento de crise social aguda para provocar ainda mais
perdas nos direitos dos trabalhadores e aposentados. Ao insistir com a pauta, o
governo arrisca se indispor com a grande maioria da população brasileira e com
a sua própria base política e social. Além de estar prestando um grande
desserviço à causa democrática, republicana e cidadã, ao comprar e difundir a
versão do financismo a respeito da iminência catastrofista da crise
previdenciária. Na verdade, esse é o caldo de cultura para bombardear ainda
mais a nossa previdência social e abrir o caminho para que os ensaios de privatização
contem com alguma base de apoio social.
O governo deve romper
urgentemente com essa versão maquiada do austericídio da era Levy e incorporar
para sua agenda as inúmeras propostas de retomada do desenvolvimento. Isso
significa promover uma redução da SELIC e dos spreads praticados pelos bancos
públicos e privados. Isso significa reorientar a política fiscal para estimular
os gastos públicos portadores de crescimento e recuperadores do emprego. Isso
significa redefinir a política norteadora do Banco Central, que deveria
incorporar também metas de emprego em sua definição da política monetária. Isso
significa trazer o sistema financeiro a oferecer também sua parcela de
contribuição ao sacrifício que toda a sociedade está sendo obrigada a fazer para
a superação da crise.
* Paulo Kliass é doutor em
Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho/PR
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