Um estudo constata disparidades
de longevidade cada vez maiores entre as pessoas nos extremos da escala
econômica. Estresse pode ser uma das causas
Zoë Carpenter - The Nation // www.cartamaior.com.br
Para uma mulher pobre nascida nos
anos vinte, chegar aos 50 anos de idade era um feito e tanto. Ela teria que
superar a difteria, a tuberculose, a ancilostomíase e a poliomielite, para não
falar das complicações do parto, que matavam cerca de 800 mulheres a cada 100
mil nascimentos no início daquela década. O uso generalizado da penicilina no
tratamento das moléstias infecciosas só aconteceria dali a vinte anos; o
Medicaid [programa de saúde voltado para pessoas de baixa renda] só seria
criado depois de quatro décadas. Se ela passasse dos 50, o mais provável, em
média, é que ela vivesse até os 80 anos de idade. E isso parece bom, até você
considerar que mulheres mais ricas, nascidas naquele mesmo tempo, viviam cerca
de quatro anos a mais.
Em geral, os americanos
tornaram-se muito mais saudáveis, desde então, graças a padrões de vida mais
elevados, avanços científicos, melhor educação e programas sociais. A
expectativa de vida nos EUA atingiu um recorde em 2012. Mas, assim como a
prosperidade econômica, os ganhos em saúde não foram igualmente distribuídos
entre os diferentes estratos sociais. Em vez disso, eles progressivamente foram
desviados para os ricos - e um novo relatório da Brookings Institution indica
que as lacunas na expectativa de vida entre ricos e pobres estão se alargando.
Usando dados da Administração da
Seguridade Social e outros registros do governo, o relatório compara o tempo de
vida das pessoas nascidas em 1920 e em 1940 que compunham os 10% superior e
inferior dos assalariados em termos de rendimentos. A conclusão é que os homens
ricos nascidos em 1940 poderiam esperar viver 12 anos a mais do que os homens
mais pobres, em comparação com uma lacuna de 6 anos entre os homens ricos e
pobres nascidos em 1920. A disparidade na expectativa de vida entre as mulheres
do topo e da base mais do que duplicou, crescendo de 4 para 10 anos nesse
intervalo. Na verdade, as mulheres mais pobres não viram nenhum aumento em sua
expectativa de vida. A diferença continuou a crescer entre ricos e pobres
nascidos depois de 1950.
O relatório do Brookings "se
soma a um crescente conjunto de evidências que apontam haver um fosso cada vez
maior entre a saúde dos ricos e dos pobres [nos EUA]", disse Steven Woolf,
diretor do%uFFF %uFFFCenter on Society and Health da Virginia Commonwealth
University. Não é novidade que o tempo de vida dos americanos dependa da
quantidade de recursos de que dispõem. Assim, o que o estudo da Brookings de
fato acrescenta são evidências de que o problema está cada vez pior.
Quanto as explicações para como
as desigualdades socioeconômicas se traduzem em disparidades na longevidade,
"É bastante misterioso", disse Lisa Berkman, diretora do%uFFF Center
for Population and Development Studies de Harvard. Uma das hipóteses advoga que
as pessoas de baixa renda tendem a adoecer mais cedo, por exemplo porque não
podem se dar ao luxo de viver em regiões menos poluídas; porque não podem se
dar ao luxo de adotar e manter comportamentos mais saudáveis; porque não podem
pagar pelas mensalidades dos planos de saúde, pelos serviços de saúde em geral
e por seus remédios.
Woolf atribui muito da
disparidade das taxas de mortalidade ao que ele chama de "condições
relacionadas a estresse". As pessoas que vivem em insegurança econômica
estão mais propensas a experimentar altos níveis de estresse, que os estudos
têm relacionado a expectativas de vida mais curtas e um risco aumentado de
morte por acidentes vasculares cerebrais, ataques cardíacos e outras doenças.
"Estamos assistindo um aumento dramático no número de mortes derivadas de
opióides, seja por analgésicos prescritos, seja por heroína, e também de
suicídios, doenças hepáticas e outras condições que se relacionam com a maneira
como as pessoas estão lidando, de uma forma doentia, com as tensões a que estão
sujeitas em suas vidas diárias, especialmente desde a crise econômica",
disse Woolf. O tabagismo, a principal causa de morte evitável, é mais
prevalente entre as pessoas de baixa renda.
Berkman associa parte da carga de
estresse dos americanos de baixa renda às características do local de trabalho.
O corte de 1920 analisada %u20B%u20Bpelos pesquisadores da Brookings teve seus
maiores ganhos salariais nos anos 40 e 50, uma época de crescimento econômico e
de maior igualdade em todo o espectro da renda. Se por um lado as pessoas de
baixa renda nascidas na década de 1940 entraram em um mercado de trabalho menos
exigente do ponto de vista físico, por outro lado eles podem ter experimentado
uma maior insegurança, à medida que os salários estagnavam, e vivenciado alguma
dificuldade em equilibrar trabalho e vida familiar, à medida que mais mulheres
entravam pra força de trabalho. Ao contrário de muitos outros países mais
robustos em termos de apoio familiar, os Estados Unidos não fizeram muito para
acomodar o aumento dos desafios que as mães e pais trabalhadores teriam de
enfrentar, Berkman observou. "A segunda dimensão dos riscos ocupacionais é
o conjunto de condições de trabalho que são extremamente estressantes",
disse ela. "Elas não são tão fisicamente estressantes, mas por certo são
socialmente estressantes. Os trabalhadores vivem inseguros e não têm condições
para equilibrar questões profissionais e familiares. Precisamos repensar o que
saúde e segurança ocupacional significam".
O objetivo do estudo da Brookings
foi examinar o impacto redistributivo dos benefícios da Seguridade Social nas
lacunas de longevidade entre os estratos sociais. Os autores do relatório
perceberam uma disparidade:
(...)Isso significa que os
trabalhadores com altos salários tendem a receber pensões por períodos
progressivamente mais longos, ao mesmo tempo em que trabalhadores de baixa
renda observam pouca melhora na sua expectativa de vida. Essa lacuna, quando
avaliada em conjunto com o aumento da idade média de aposentadoria que marca o
início de 1990, significa uma diferença entre os benefícios vitalícios
recebidos pelos trabalhadores pobres e menos escolarizados e os benefícios
recebidos pelos trabalhadores de alta renda e mais qualificados. A disparidade
é cada vez maior, em favor dos trabalhadores de alta renda.
Em outras palavras, uma das
reformas essencialmente destinada a auxiliar os americanos pobres já não está
mais realmente atuando em seu benefício. Berkman sugere a necessidade de uma
reforma adaptada aos diferentes grupos de pessoas, sendo que os trabalhos
fisicamente mais exigentes, por exemplo, requerem um tipo diferente de
segurança na aposentadoria do que aquela destinada às pessoas ricas que estão
em bom estado de saúde e são capazes de trabalhar mais tempo.
"É surpreendente que as
pessoas não tenham questionado: 'Oh meu deus, o que estamos fazendo?"’.
Disse Berkman. "O que estamos fazendo com uma parte grande da população do
nosso país, talvez quase toda metade mais pobre?"
Tradução por Allan Brum
Créditos da foto: %uFFFJohn
Stillwell / PA Wire
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