quarta-feira, 13 de abril de 2016

Argentina-OEA: Macri acusado de violar liberdade de expressão

A maioria dos argumentos se alinharam à reclamação sobre violação de direitos de informação e expressão como resultado das medidas governamentais.

Washington Uranga, para o Página/12 // www.cartamaior.com.br

Aproveitando o período de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), representantes de organizações sociais, encabeçados pelo Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), exigiram em Washington que o governo do presidente Mauricio Macri “repare os aspectos do direito à comunicação que foram feridos” pelos decretos anulados, entre os quais estão parte da normativa legal sobre serviços de comunicação audiovisual, e “garanta a transparência, a participação plural e a representação setorial na elaboração de todas as normas relativas ao direito à comunicação”. Por sua parte, os representantes do governo, sem responder os questionamentos formulados, se apoiaram no argumento de que os decretos ditados pelo Executivo e referendados esta semana pela Câmara de Deputados foram realizados “em pleno cumprimento das faculdades constitucionais outorgadas ao Presidente”. Dessa forma, ficaram configuradas duas posições antagônicas a respeito da política comunicacional, num país onde os temas mais relevantes se agrupam em torno da liberdade de expressão, da pluralidade de vozes, da participação da sociedade civil no âmbito das comunicações e da concentração da propriedade dos meios de comunicação.
A audiência se concretizou a partir de uma apresentação do CELS, acompanhada por um grande número de entidades que conformam a Coalizão por uma Comunicação Democrática (CCD).

Pouco antes do fim da audiência, quem tomou a palavra foi o Relator Especial para a Liberdade de Expressão, o advogado uruguaio Edison Lanza, que agradeceu e reconheceu a participação dos representantes governamentais, e logo colocou ênfase na necessidade de que o governo argentino dê respostas às demandas de participação ativa dos atores da sociedade civil na elaboração de uma futura lei de comunicações e sobre os cuidados que o mesmo deveria tomar para se adaptar aos padrões internacionais que limitam a concentração da propriedade dos meios de comunicação.

A representação da sociedade civil foi encabeçada pelo presidente do CELS, Horacio Verbitsky, que foi acompanhado por Martín Becerra (professor da Universidade Nacional de Quilmes), Damián Loreti (CELS), Néstor Busso (representante do Foro Argentino de Rádios Comunitárias, Farco), Daniel Badenes (representante da Rede de Escolas de Comunicação Social e Jornalismo, Redcom) e Ana Jaramillo (reitora da Universidade Nacional de Lanús). Pelo lado do governo, estiveram presentes Claudio Avruj (secretário de Direitos Humanos e Pluralismo Cultural), Miguel de Godoy (presidente do Ente Nacional de Comunicações, Enacom), Santiago Cantón (secretário de Direitos Humanos da Província de Buenos Aires), Eduardo Bertoni (professor da Universidade de Palermo), José Arcuri (embaixador argentino na Organização dos Estados Americanos, OEA), e Silvana Giúdici (diretora do Enacom).

A audiência, presidida pelo comissionado James Cavallaro, se iniciou com uma apresentação de Verbitsky, que começou sua fala fazendo referência ao “alto impacto” gerado pela “anulação” da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (a chamada Ley de Medios), já que, “com o pretexto das falhas em sua aplicação” se substituiu “um esquema participativo e multissetorial por outro de regulação e gestão puramente estatal, que exclui a sociedade civil”.

Segundo o demonstrado pelo presidente do CELS, “se a implementação da lei era incompleta e imperfeita, o novo governo tinha a possibilidade de corrigir esses aspectos, e não usar isso para suprimir um marco jurídico que estabelecia a comunicação como um direito de toda a sociedade, assim, com uma canetada, e ainda decretar a lei da selva, onde os grandes jogadores ficarão com tudo e deixarão a sociedade sem nada”.

Embora não tenha havido intercâmbio direto entre as partes, salvo numa breve troca de acusações no final, a maioria dos argumentos dos reclamantes se alinharam à reclamação sobre violação de direitos de informação e expressão como resultado das medidas governamentais, enquanto as vozes da equipe macrista apontavam a defender a tese da “hegemonia comunicacional do governo anterior”, a “hostilidade” aos jornalistas e a distribuição “arbitrária” da publicidade oficial. Diante de tais afirmações, Verbitsky reclamou que a delegação governista se dedicou a falar “do passado” e não respondeu os questionamentos que foram formulados, advertindo também que apesar de o governo dizer que as medidas adotadas até agora são “transitórias”, elas já têm efeitos jurídicos diretos. O presidente do CELS falou também de “uma política dos fatos consumados, que permite uma maior concentração, em vez de limitá-la”, como recomenda a própria CIDH.

Numa das intervenções mais extensas, Damián Loreti alertou sobre os “graves impactos” em matéria de liberdade de expressão na Argentina, geradas a partir das recentes medidas adotadas pelo governo, que produzem, entre outras consequências, “o prejuízo à autoridade legal dos organismos encarregados de aplicar as leis de serviços de comunicação audiovisual e telecomunicação”. O advogado especializado no tema, e doutor em comunicação, também fez apreciações legais a respeito da necessidade de estabelecer limites ao processo de concentração da propriedade, e para que se garanta “a diversidade dos meios para a democracia”, observando que o regime de renovação automática das concessões é altamente contrário a esse objetivo. Para Loreti, a liberdade de expressão se apoia na “pluralidade de vozes (medidas antimonopolistas), diversidade das vozes (medidas de inclusão social), e não discriminação (acesso, em condições de igualdade, aos processos de alocação de frequências de rádio e televisão)”.

Martín Becerra sustenta que não foi solicitada uma audiência para analisar as intenções do governo a respeito da “convergência”, nem para avaliar o “desempenho de governos anteriores”, mas sim para “examinar os efeitos regressivos da política imposta pelo atual governo”, que “agrava o problema da concentração” da propriedade dos meios, e “governamentaliza” a “aplicação de políticas, afastando-as do ideário republicano, combinando assim a discrição do mercado com a discrição do Poder Executivo”.

Miguel de Godoy, falando em nome do governo, defendeu a disposição da atual administração em dialogar com os agora reclamantes, e se comprometeu em abrir “instâncias de diálogo, porque isso é o que mais nos interessa”, visto que “quando se dialoga com todos, a solução sempre pode ser boa”.

A audiência em Washington serviu para terminar de configurar o cenário do debate da comunicação na Argentina, discussão que deverá se prolongar também nos cenários internacionais.

Tradução: Victor Farinelli

Créditos da foto: Gobierno de Cordoba

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