Nada, repita-se, nada foi dito ou encontrado pela Operação Lava-Jato, que, de algum modo, comprometa a Presidenta da República Dilma Rousseff.
Leonardo Isaac Yarochewsky* // www.cartamaior.com.br
Muitos são aqueles que perguntam: o que a Operação “Lava Jato”, conduzida pelo juiz Federal Sérgio Moro da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba-PR, tem a ver com o processo de impeachment da Presidenta da República Dilma Rousseff? Nada, absolutamente nada. Embora a grande mídia e a oposição ao governo da Presidenta busquem, em atitude leviana e desesperadora, vincular todas as prisões e delações frutos da “Lava Jato” ao processo de impeachment de Dilma, não há relação alguma entre a operação “Lava Jato” e o móvel do impeachment.
A Polícia Federal (PF) instaurou inquérito para investigar empresas do então deputado Federal José Janene (PP) em 2009 e deparou-se com indícios de lavagem de dinheiro que culminaram, cinco anos depois, na ação que levou à prisão doleiros, altos executivos e agentes políticos e públicos.
A origem de tudo – segundo os responsáveis pela operação - está na apuração do uso da empresa Dunel Indústria e Comércio Ltda para lavagem de capitais por meio da CSA Project Finance, que teria à frente pessoas ligadas ao deputado Federal Janene, que morreu em setembro de 2010. Mas os indícios de crimes reunidos até aquele momento levaram a investigação adiante, com interceptação de telefones e e-mails. O alvo: o doleiro Carlos Habib Chater, que tinha como base de atuação o Posto da Torre.
Foi este tradicional ponto de venda de combustíveis em Brasília que inspirou o nome da Operação. “Lava Jato” é uma referência a estabelecimentos usados pelo grupo para lavar valores. O posto, por exemplo, não aceitava pagamentos em cartões. Só dinheiro vivo, o que, de acordo com a PF, facilitava a confusão entre dinheiro sujo e limpo.
Em 17 de março de 2014, a Polícia Federal deflagrou a Operação “Lava Jato” em seis estados e no DF, dezesseis pessoas são presas, entre elas, o “doleiro” Alberto Youssef. Três dias depois da prisão de Youssef, em 20 de março de 2014, o diretor de abastecimento da Petrobrás de 2004 a 2012, Paulo Roberto Costa, é preso pela Polícia Federal suspeito de destruir documentos. Paulo Roberto Costa era investigado por supostas irregularidades na compra pela Petrobrás da refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006. Verificou-se, também, um relacionamento suspeito entre Paulo Roberto e o “doleiro” Alberto Youssef.
Após dois anos de sua deflagração, a Operação “Lava Jato”, a caminho da 30ª fase, contabiliza números impressionantes, quase 1000 anos em penas acumuladas, 134 mandados de prisão expedidos e mais de 90 condenações criminais. Foram, ainda, firmados cerca de 50 acordos de delação premiada.
Em razão das diversas delações as principais empreiteiras do país foram envolvidas. Empreiteiros, empresários e políticos de diversos partidos passaram a ser investigados, alguns foram presos e outros já foram condenados.
No que pese a imensidade da Operação “Lava Jato”, revelado pelos seus números, nada, repita-se, nada foi dito ou encontrado que, de algum modo, comprometa a Presidenta da República Dilma Rousseff. Embora não tenham faltado esforços para fazê-lo.
Não se pretende aqui, questionar os métodos da famigerada Operação “Lava Jato”, seu caráter seletivo, os vazamentos direcionados, as interceptações abusivas, o excesso de prisões provisórias (temporária e preventiva) com o escopo de forçar delações e as elevadíssimas penas resultantes das sentenças condenatórias para aqueles que, sabe-se lá como, conseguiram resistir às coações para dedurar o próximo. Não se almeja cá demonstrar a influência perniciosa da mídia no processo penal, bem como o modo em que o processo penal do espetáculo assumiu o lugar do processo penal democrático na desmedida Operação. Com certeza, a história vai desvendar, no futuro próximo, os fatos que se deram nos porões da Operação “Lava Jato”.
Necessário se fez este breve retrospecto da Operação “Lava Jato” para lembrar como tudo iniciou e, sobretudo, para demonstrar que a mencionada Operação, por mais que a mídia e a oposição faça crer, não se vincula ao processo de impeachment contra a Presidenta da República. A cada nova prisão, a cada nova delação (vazada ou homologada), a mídia se encarrega de amplificar a voz daqueles que desejam obcecadamente retirar Dilma Rousseff da Presidência da República.
No que se refere ao processo de impeachment da Presidenta da República, como já dito alhures, trata-se de um processo de natureza mista: política e jurídico/penal. Portanto, para que Dilma Vana Rousseff seja impedida de seguir exercendo o cargo de Presidenta da República eleita democraticamente com cerca de 55 milhões de votos, não basta mera insatisfação popular ou o desejo da oposição, é forçoso que para além das razões políticas – que a própria razão desconhece - seja comprovado cabalmente, sem sombra de qualquer dúvida, que a Presidenta da República cometeu crime de responsabilidade no exercício do seu atual mandato e que tenha atentado contra a Constituição da República.
Segundo o constitucionalista Paulo Bonavides, “O impeachment, o remédio por excelência do presidencialismo para remover do poder os presidentes incursos em crimes de responsabilidade, não teve em nosso Direito Constitucional, nem tampouco na vida política, doutros países que seguiram o modelo institucional dos Estados Unidos, a aplicação que dele esperavam os seus defensores teóricos, sendo primeiro um ativador de crises e colapsos da legalidade do que, em verdade, um instrumento de restauração da verdade constitucional lesada pelos abusos pessoais do primeiro magistrado da Nação”.
Conquanto seja inegável o seu viés político, as balizas impostas pelos princípios penais, especialmente, da legalidade, da taxatividade e da culpabilidade em matéria jurídico-penal, não podem ser atropelados. Sendo certo que o processo de impeachment, no que pese, também, sua natureza política, não pode passar à margem do direito e da lei. Não é despiciendo salientar que no Estado Democrático de Direito prevalece o “Império da Lei” sobre o “Império dos Homens”.
Assim, por mais que a oposição aliada a grande mídia, busque na crise econômica, na “voz das elites”, na impopularidade de momento da Presidenta ou em qualquer outra motivação política – sem crime de responsabilidade – não há razão legal e jurídica que justifique e legitime o impeachment. Daí porque afirmar que o impeachment sem crime de responsabilidade é golpe.
Neste alamiré, vale trazer a cotejo o parecer do professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, para quem:
“Os requisitos jurídicos para a instauração do processo administrativo tendente à cominação de infração político-administrativa de impeachment à Presidenta da República devem ser extraídos do quanto disposto no nosso Direito positivo, especialmente considerando o arcabouço constitucional, o que não se reduz à intelecção literal e isolada dos artigos 85 e 86 da Constituição, devendo envolver a compreensão sistemática dos princípios republicano e democrático, bem como os fundamentos (art. 1º) e objetivos (art. 3º) da República Federativa do Brasil (...)”.
Prossegue Serrano:
“O fato de o julgamento do crime de responsabilidade decorrer do exercício de uma função política do Estado não é alvará para que se atente contra os direitos fundamentais e ao Estado de Direito. Por essa razão é que a aplicação de sanções no processo do crime de responsabilidade demanda o atendimento de requisitos para sua incidência válida”.
Basta uma leitura isenta da denúncia contra a Presidenta da República e recebida pelo Presidente da Câmara dos Deputados, para se verificar que as hipóteses elencadas e reforçadas com a tinta da acusação não caracterizam a prática de crime de responsabilidade, tampouco, que atente contra a Constituição da República. No que pese todos os esforços empreendidos pelos subscritores da exordial acusatória, absolutamente nenhuma conduta há que possa ser atribuída a prática dolosa por parte da Presidenta da República Dilma Rousseff de crime de responsabilidade que atente contra a Constituição da República.
Para não cair nas armadilhas daqueles que querem manipular a Constituição da República para fundamentar e justificar o golpe contra o Estado de direito é preciso separar o joio do trigo, não misturar alhos com bugalhos, nem jogar todos os políticos na mesma vala e, por fim, atentar que nem tudo que reluz é ouro. Lembrar que nem tudo que a grande mídia diz é verdade, ou melhor, quase nada. E, finalmente, perceber que o golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff se iniciou no dia em que ela foi reeleita por cerca de 55 milhões de brasileiros e que agora, mais do que nunca, com o desmascaramento do vice-presidente Michel Temer, não há dúvida de que o golpe é orquestrado.
*Advogado e Professor de Direito Penal
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