A Unaoil operou nas duas agências enquanto fechava acordos com regimes corruptos
Zach Carter - huffingtonpost // www.cartamaior.com.br
Nenhum negócio pode funcionar sem os banqueiros - nem mesmo um negócio de suborno.
O gigante financeiro britânico HSBC e o americano resgatado Citibank processaram transações, administraram dinheiro e asseguraram a Unaoil, uma firma outrora obscura, que agora se encontra no centro de um enorme escândalo de corrupção internacional. A polícia invadiu os escritórios da Unaoil em Monaco e entrevistou seus executivos na quinta-feira, apenas um dia depois que o Huffington Post e a Fairfax Media expuseram pela primeira vez as práticas da empresa. Autoridades de pelo menos quatro países estão envolvidas em uma ampla investigação em torno da empresa e de seus parceiros.
Halliburton, KBR e outros conglomerados empresariais dependiam da Unaoil para estabelecer contratos lucrativos com regimes corruptos de países ricos em petróleo. Mas sem a ajuda de bancos como o HSBC e o Citibank, nenhuma das operações da Unaoil teriam sido possíveis.
Nenhum dos bancos respondeu se a Unaoil ou a família Ahsani, donos e operadores da empresa, continuam a ser seus clientes.
"Devido às políticas da empresa, nós só mantemos relacionamentos com clientes que tenham sido aprovados em diligência prévia e estejam em conformidade com nossos procedimentos de compliance", disse o porta-voz do HSBC, Sorrel Beynon, em declaração escrita para o HuffPost.
Duas leis federais, a Lei do Sigilo Bancário de 1970 e o Patriot Act de 2001, criminalizam bancos que conscientemente processam transações relacionadas a atividades ilegais ou que ignoram sinais de que recursos ilegais estejam fluindo através do sistema financeiro. Se o Citibank ou o HSBC violaram essas leis, tudo vai depender dos investigadores para determinar se os acordos da Unaoil eram ilegais e se os bancos sabiam ou deveriam saber sobre essas operações.
Milhares de e-mails da Unaoil, obtidos pelo HuffPost e pela Fairfax Media, evidenciam que tanto o HSBC quanto o Citibank estavam intimamente envolvidos nas complexas finanças da Unaoil.
No Cazaquistão, a Unaoil auxiliou o conglomerado de energia norte-americano KBR e a petrolífera britânica Petrofac a garantir milhões de dólares em atividades no campo petrolífero de Kashagan, uma das maiores descobertas de combustíveis fósseis do século 21. O contrato foi facilitado por enormes pagamentos que a Unaoil fez a um consultor que trabalha para a companhia estatal de petróleo do Cazaquistão. Esse acordo poderia entrar em conflito com o Foreign Corrupt Practices Act, que penaliza empresas norte-americanas que pagam subornos a agentes de governos estrangeiros.
Em uma declaração ao HuffPost e a Fairfax Media, o fundador da Unaoil Ata Ahsani negou que sua empresa tenha subornado funcionários públicos. "A resposta é: absolutamente não", disse Ahsani.
Dinheiro da KBR passou por uma subsidiária do HSBC em Mônaco, de acordo com os e-mails. Os fundos da Petrofac passaram pela filial do Citibank em Genebra, na Suíça, até o final de 2008, quando então começaram a fluir através do HSBC. O HSBC também fechou negócios com as ações da Petrofac em nome da Unaoil. Somente no Cazaquistão, o HSBC geriu milhões de dólares em pagamentos da KBR a Unaoil.
A Unaoil deliberadamente estruturou as contas bancárias para esconder suas transações de outras empresas e das autoridades legais. Em setembro de 2008, por exemplo, a empresa negociava um contrato com a Weatherford, uma empresa de derivados químicos norte-americana que estava pagando a Unaoil para encetar negócios com o governo iraquiano. O gerente de finanças da Unaoil, Sandy Young, enviou e-mails para a liderança da empresa explicando porque queria ocultar o maior número possível de contas bancárias da Weatherford, que naquele momento era obrigada a realizar diligência prévia da Unaoil sob a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior. A Unaoil finalmente assinou um contrato lucrativo com o governo do Iraque em nome da Weatherford, que envolveu o pagamento de propinas para autoridades iraquianas.
"Restringir os direitos de auditoria da conta bancária para qual as verbas [da Weatherford] foram transferidas é certamente preferível, com aviso prévio e inspeção durante o horário normal de trabalho", Young escreveu. "Atualmente usamos essas várias sub-contas apenas para recolher o dinheiro de diretores (nós fazemos pagamentos a partir dessas sub-contas apenas a fim de transferir os fundos para a nossa conta principal, de onde todos os pagamentos são feitos). Assim, com tais restrições, tudo que a Weatherford seria capaz de ver são seus pagamentos que entram e a subsequente transferência de fundos para nossa conta principal".
Em outras palavras, o dinheiro de grandes corporações ocidentais entravam em uma conta, por sua vez transferida para outras contas, usadas para pagar vários funcionários. Isso dificultava o rastreamento dos fundos da Unaoil. Não está claro a partir dos e-mails se os banqueiros da empresa tinham ciência sobre a natureza legal das atividades da Unaoil. Mas é muito claro que a Unaoil confiava tanto no HSBC quanto no Citibank para orquestrar os detalhes de suas contas.
Valerie Kanat e Robert Troxler estavam encarregados dos negócios da Unaoil no Citibank. Quando Troxler deixou o Citibank no início de 2007, para iniciar sua própria empresa, a Unaoil decidiu mantê-lo como um consultor de investimentos, continuando a trabalhar com Kanat no banco. Ata Ahsani explicou a decisão, em 14 de março de 2007, em um e-mail para Kanat que sugere que Troxler tinha profundo conhecimento das complexidades financeiras da empresa.
"Nós valorizamos o seu conselho e ainda mais sua capacidade de coordenar todas as nossas atividades de investimento referente aos bancos, aos fundos etc.", escreveu Ahsani.
Troxler e Kanat não responderam aos pedidos de comentário. O Citibank disse que Kanat deixou a empresa em 2009.
O HSBC e o Citibank têm histórico de corrupção. Em 2012, o HSBC foi multado em US$ 1,9 bilhões por lavagem de dinheiro do narcotráfico e por violar as sanções dos EUA contra o Irã. Em 2015, pagou autoridades suíças em US$43 milhões para abafar acusações de que auxiliava a elite global a sonegar impostos. O Citibank foi multado em US$ 140 milhões no ano passado por violar leis de lavagem de dinheiro relacionadas ao seu trabalho com uma empresa de energia envolvida em escândalo de suborno com o governo mexicano. O banco é atualmente investigado por seu papel no escândalo de corrupção na FIFA, a organização internacional de futebol.
Além de gerenciar contas da Unaoil, o HSBC também atestou a empresa, ajudou a fechar negócios e emprestou dinheiro para membros da família Ahsani. Em outubro de 2004, a Unaoil pediu ao HSBC para enviar uma carta ao governo iraquiano, atestando a empresa como um negócio legítimo e financeiramente capaz de concorrer a licitação. Em setembro de 2007, o HSBC ajudou a Unaoil a providenciar uma garantia de proposta do Banco de Comércio do Iraque. E Cyrus Ahsani, um alto funcionário da Unaoil e filho de seu fundador, pegou um empréstimo do HSBC, em 2007, para comprar a Villa Beaulieu em Mônaco, uma propriedade pródiga com varandas em mármore e sofisticados móveis importados da Itália e de Paris.
A Unaoil estava tão íntima do HSBC naquele momento que, em novembro de 2007, Saman Ahsani - outro membro da família - enviou email para funcionários do banco (Keith Campbell e James Dodson) perguntando se o HSBC estaria interessado em financiar o projeto de um conglomerado de petrolíferas no Cazaquistão.
"Eu sinto que lhes devo o direito de preferência, por conta da relação de longa data que temos com o HSBC Private Bank. Em todo caso, não vai fazer nenhum mal injetar um pouco de competição na discussão de taxas", escreveu Ahsani. "Mas, como já discutimos, esta é uma das operações mais encaminhadas em que estamos envolvidos e, sinto eu, é um bom ponto de partida para o nosso relacionamento com o banco corporativo - a partir do qual esperamos seguir conversando sobre atividades mais exóticas, como o nosso trabalho com a Rolls Royce no Iraque, onde estamos prestes a iniciar negociações, instalação e comissionamento (negociação técnica) das turbinas para a South Oil Company".
O termo "exóticas" descreve muito bem as atividades da Unaoil com Rolls Royce no Iraque. De acordo com os e-mails, a Unaoil pagou milhares de dólares diários para ficar nas boas graças de um funcionário do petróleo iraquiano, a fim de garantir um contrato caro para os geradores da Rolls Royce. A Rolls Royce atualmente coopera com uma investigação do British Serious Fraud Office.
A Unaoil também capitalizou suas relações com o Citibank e com o HSBC para ganhar negócios com novos clientes. Como os critérios para lavagem de dinheiro ficaram mais rígidos depois da aprovação do Patriot Act, muitas empresas passaram a solicitar maiores detalhes sobre as operações de Unaoil. Quando o fabricante alemão Man Turbo pressionou a empresa pelo fornecimento de credenciais no outono de 2007, a resposta da Unaoil incluíu "recomendações bancárias" de ambos HSBC e Citibank.
O Citibank também tinha uma estreita relação com a família Ahsani. Em março de 2007, Kanat garantiu entrada VIP para os irmãos Ahsani (Saman e Cyrus) no show de carros de elite Top Marques, em Mônaco. Naquele verão, Kanat inclusive reuniu os irmãos com membros do governo chinês.
"Teremos proximidade com altos funcionários do governo, bem como figurões da comunidade de negócios chinesa, o que pode fornecer profundos insights de investimento para a China", escreveu Kanat em um email.
Kanat reservou lugares para o clã Ahsani na conferência de 2007 em Dubai e se ofereceu para ajudá-los na obtenção de descontos em hotéis de luxo. Ela também incluiu a família em jantares exclusivos no sul da França, no Grand Hotel du Cap Ferrat, realizados em agosto de 2008. Quando Cyrus não pôde comparecer, seu irmão Sassan zombou dele por e-mail, "Você é uma bicha".
Os Ahsanis agradeceram Kanat por seus esforços, enviando um presente em Janeiro de 2009.
"Caros Samy e Cyrus", escreveu ela. "Recebi esta manhã em casa um bonito presente! Foi uma surpresa muito boa! Agradeço muito pela lembrança".
Tradução por Allan Brum de Oliveira
Créditos da foto: reprodução
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