quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Garrincha e a atual crise brasileira

Lula dribla também sempre pelo mesmo lado, o da honestidade, do espírito público, da simpatia, da humildade, da coragem e da justiça social.

                José Carlos Peliano* // www.cartamaior.com.br
Consta que Manuel Francisco dos Santos, mais conhecido por Mané Garrincha, a alegria do povo, era um bom contador de estórias. Não só de autoria alheia, mas dele mesmo também, de seu jeito, descontraído, ingênuo, quiçá, menino, de ser.

O anjo das pernas tortas, o maior ponta direita do futebol brasileiro de todos os tempos, que nenhum marcador conseguiu deter, deixou boas lições para o futebol, nem tanto para sua vida. Deixou-a mais cedo, não conseguiu driblar a bebida que lhe levou daqui aos 50 anos de idade.
Na Copa do Mundo de 1958, minutos antes do jogo contra a Rússia, quando o Brasil ganhou de 2 x 0, o técnico Vicente Feola chamou Garrincha e disse mais ou menos assim: “você pega a bola, dribla o primeiro beque, logo o segundo também, até chegar à linha de fundo e cruza forte para o Vavá chegar e marcar o gol”.

Garrincha ficou ouvindo calado, pensativo. Quando Feola terminou, Garrincha manteve-se ainda quieto, mas de repente perguntou: “tudo certo, mas o senhor já combinou isso com os russos?”.

Já que Deus escreve certo por linhas tortas, ditado bem conhecido dos teóricos, não dos antigos astronautas, mas dos antigos filósofos de bares e botequins, as pernas tortas de Garrincha escreveram certo poemas insuperáveis de alegria, leveza e comemoração.

Só que ele era do bem, hão de confirmar os torcedores do Botafogo dos anos cinquenta e sessenta, seus companheiros de clube, como Nilton Santos, a enciclopédia do futebol, e Didi, o maestro, e Elza Soares, sua companheira de muitos anos de sonhos e esperanças.

Do mal estamos cheios, nós brasileiros, fustigados impunemente há pelo menos três anos ininterruptos. Se o ditado realmente funciona, nesse período de tempo sua eficácia está perdida ou desarrumada. As linhas permanecem tortas e só.

A não ser que de tantos golpes, embustes, ilegalidades, convicções, suspeitas e mandos e desmandos, o certo poderá, quem sabe, aparecer ao fim dessa novela absurda, trama desumana, de uma ditadura velada político-midiática-judiciária.

Nessa situação, nem Garrincha conseguiria driblar tanta hipocrisia, falsidade, perseguição e impunidade. Tampouco de nada redundaria combinar com os adversários porque todos eles envolvidos na mesma trama antidemocrática, vil, suja, inominável.

Dessa bagaça aventureira nenhum técnico, nenhuma tática, nenhuma estratégia melhoraria o estado de coisas ou reverteria os ânimos, corações e mentes a uma paz duradoura no país. Os cacos de uma incipiente democracia se esparramam e fustigam e ferem a caminhada do povo atrás de conquistas e permanência de melhoria de trabalho e vida.

Nem Francisco do púlpito e da janela do Vaticano, nem Ban Ki-moon, do alto da secretaria geral da ONU, tampouco líderes estrangeiros conseguiram com suas perplexidades iradas retroceder a desconstrução que vem sendo feita nesses poucos meses de governo de trama, não de urna, apoiado pelas instituições de qualificativos pouco recomendáveis. 

A única jogada do time do futegolpe jogado pelo bando é a de trombadas a torto e a direito, mesmo sem direito, apenas por indício, convicção ou fé, não a dos puros de coração, mas a dos abduzidos pelo poder a qualquer custo, mesmo derrubando 54 milhões de votos válidos, incontestáveis.

Ah! Garrincha, faz falta seus dribles desconcertantes, imparáveis, indescritíveis. Faz falta um como você nas hostes políticas dominantes. O único que por sinal conseguiu trazer alegria semelhante a milhões de brasileiros, de norte a sul, de leste a oeste, está sendo perseguido a toque de caixa, de conluio e de crença fundamentalista paroquial. O Brasil está triste, pobre de esperança, depressivo.

Lula é um Garrincha do povo. Antes de entrar na política já driblava patrões nas mesas de negociações, costurava sindicatos e arregimentava milhares e milhares de sindicalizados em reuniões e campanhas decisivas. Seu poder emana do povo e em seu nome exerceu-o por dois mandatos. Continua como homem público a apontar caminhos, motivar multidões, exercer seu carisma como nenhum outro e, por isso mesmo, incomodar e ameaçar a grande raia miúda dos golpistas.

Ele é o único brasileiro ameaçado de todo jeito e por todos os lados pela seita dos pastores de Curitiba apenas por convicção e fé, sem delitos, sem provas, sem ficha suja. Talvez sua destreza de dribles não consiga superar a sanha inquisidora, mas com certeza saberá impor, aí sim, sua convicção e fé nos seus inabaláveis princípios democráticos de lisura, correção, probidade e honradez.

No fundo, o que quer a trama diabólica, político-midiática-judiciária, é retira-lo do páreo para não voltar a trazer a alegria ao povo. Corintianos ou não. Sabem seus adversários que ele tem tudo, e mais alguma coisa, para colocar o país nos eixos, melhorar a qualidade de vida, reduzir a desigualdade, dar dignidade àqueles encostados e pisados na base da pirâmide social.

Garrincha driblava sempre pelo mesmo lado e todos seus marcadores sabiam disso. Só que ninguém conseguia pará-lo. Ia e voltava e driblava outra vez do mesmo jeito e conseguia superar todos os que se postavam a sua frente. Suas pernas tortas entortavam qualquer um, até mesmo Nilton Santos, escalado para testa-lo logo quando chegou ao Botafogo.

Lula dribla também sempre pelo mesmo lado, o da honestidade, do espírito público, da simpatia, da humildade, da coragem e da justiça social. Com ele trabalhei alguns anos e presenciei tudo isso em várias situações e plateias diferentes. Respeitava divergências, aceitava opiniões, aplaudia boas ideias e, ao final, conseguia concertar as questões mais importantes e substantivas. Todos saiam satisfeitos.

Pois é esse nordestino, líder metalúrgico, líder brasileiro, líder mundial, que querem tirar da circulação política. Qual seu crime? Não ter crime algum, ser diferente dos golpistas. Não ser dono de fortunas lícitas ou roubadas, somente de seu conhecimento, destreza e sabedoria adquiridos na prática diária e justa do combate sério, honesto e limpo.

Se o Brasil depender desse governo farsesco toda a honra e toda a glória do povo está no buraco. É preciso ressurgir desse buraco quem drible tão bem como Garrincha, aí sim, a alegria, a humanidade, a cidadania, a civilidade e a honestidade voltará a entrar em campo. E ganhar.

*colaborador da Carta Maior



Créditos da foto: Ricardo Stuckert

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