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A manifestante Ieshia Evans, detida em julho em Baton Rouge (Luisiana) JONATHAN BACHMAN REUTERS / CORDON PRESS
Meio século após o fim da segregação racial, as disparidades econômicas continuam separando as raças
AMANDA MARS//Newark (Nova Jersey)
Já não há nenhuma lei separando os afro-americanos dos brancos, e agora a diferença econômica separa os negros dos latino-americanos. Os que têm condições financeiras deixam as cidades segregadas, e a queda de receita fiscal deteriora as comunidades. Em lugares como Nova Jersey, fala-se em “apartheid” escolar. Em Newark, no ano passado soube-se que a água dos colégios públicos continha chumbo. A raça dominante é a verde, a cor dos dólares.
Na avenida Sussex, em Newark (Nova Jersey), veem-se poucos sinais de vida. Seja numa sexta-feira, num domingo ou numa segunda. Nem lojas abertas, nem gente nas ruas ou nessas casas humildes. O silêncio é ensurdecedor, só interrompido pela chegada das crianças de dois colégios da região e pelas atividades da igreja batista de Nova Esperança, onde um dia Whitney Houston começou a cantar. A avenida fica num bairro pouco recomendável para alguns, em transição para outros, mas certamente uma das zonas de maior concentração de população negra da cidade, uma das mais segregadas dos Estados Unidos.
John Abeigon, de origem espanhola e presidente do sindicato dos professores, mostra ser um dos menos otimistas durante um passeio pelo bairro. “Aqui muita gente vai embora. Famílias que chegaram há muitos anos saem quando têm condições. Vêm a Newark para trabalhar e vão para suas casas nos subúrbios”, explica. Abeigon cresceu num bairro de espanhóis e portugueses. Nos anos noventa, mudou-se para Mapplewood, uma zona residencial próxima de Newark. E há cinco anos regressou à cidade, a uma casa modesta no bairro histórico de Forest Hills.
Meio século após as leis terem posto fim à segregação racial, brancos e negros continuam sem viver realmente juntos. Em junho de 2017, os EUA comemoram meio século da sentença que permitiu que os americanos se casassem com alguém de outra raça. Mas, de todos os casamentos de 2013, só 12% foram inter-raciais (a cifra, do Instituto Pew, não separa os latinos dos brancos). E foi um recorde histórico. Os dados do censo, analisados pela Brookings Institution, também refletem avanços mínimos entre 2010 e 2014. Nova York, Newark, Jersey City, Chicago e Milwaukee figuram nas primeiras posições. Se antes era a lei que separava as raças, agora é o dinheiro. “A raça dominante é a verde”, o verde dos dólares, lamenta Abeigon.
Em Newark, só 11,6% da população é branca (dados de 2010); 86% são negros e latinos. Em Maplewood, por exemplo, os brancos são 53% e os afro-americanos e latinos, 42%. Em Newark, a renda familiar média era um pouco superior a 34.000 dólares em 2014 (cerca de 108.000 reais), enquanto em Maplewood superava os 116.000 dólares, três vezes mais. Em Newark, 28% não tem cobertura de saúde, contra menos de 10% em Maplewood. São brechas comparáveis às de outros subúrbios, como Bloomfield e Montclair.
“Os que permanecem nas cidades são os afro-americanos e os latinos, que têm salários mais baixos. E quando se perdem contribuintes brancos, que pagam mais impostos, o resultado é a piora dos serviços, que dependem em grande medida dos recursos locais”, diz Christian Estevez, membro de uma entidade chamada Latino Action Network.
"Os que permanecem nas cidades são os afro-americanos e os latinos, que têm salários mais baixos. E, quando se perdem contribuintes brancos, que pagam mais impostos, o resultado é a piora dos serviços", diz um ativista de Nova Jersey
Ano passado, pouco depois do escândalo das águas poluídas de Flint (Michigan), soube-se que a água das escolas públicas de Newark continha chumbo devido ao mau estado dos canos e aos escassos recursos para conservá-los.
Quanto mais humilde o bairro, piores são os serviços e a saúde. E pior a criminalidade. Em lugares como Nova Jersey, isso significa falar de raça, já que a pobreza castiga muito mais os negros e latinos que os brancos. Com a Grande Recessão, a brecha aumentou em todo o país: o patrimônio líquido médio de uma família branca em 2013 era de 141.900 dólares (cerca de 454.000 reais), enquanto o de uma negra era de 11.000 dólares (35.200 reais) e o de uma latina, 13.700 (43.800 reais), segundo dados do Pew Research. Nos EUA, as coisas ainda são brancas e negras.
‘Apartheid’ escolar
Em 2013, um relatório da Universidade Rutgers, de Newark, causou comoção em Nova Jersey ao abordar a segregação das escolas desse estado, chamando-a diretamente de “apartheid”. O estudo identificou 17 colégios charter (operados de forma privada, mas com recursos públicos) com menos de 1% de alunos brancos, e a maioria estava em Newark. Nove não tinham um único branco e quatro tinham entre 0,3% e 2,5%. Ao mesmo tempo, em 14 deles os negros eram entre 84% e 100% dos estudantes.
“Quando falamos de segregação, falamos de separação e desigualdade, ambas baseadas na raça e na pobreza. E esses dois aspectos se retroalimentam”, diz Deborah Smith Gregory, professora aposentada e responsável para Newark da NAACP, uma associação que defende os direitos dos negros. “Por trás dessa desigualdade, sempre houve um motivo econômico. Trouxeram-nos a este país como força de trabalho, e os EUA se tornaram a primeira potência econômica com base na mão-de-obra escrava dos negros.”
Com o fim da segregação pela via legal, alguns bairros foram perdendo vida. “A integração fez com que muita gente bem-sucedida economicamente fosse embora, muitos profissionais e muitas lojas. Eu quis ficar, mas muita gente se foi. Na época da segregação, as comunidades negras eram mais vibrantes; claro que não estou defendendo a segregação, mas é um fenômeno que ocorreu”, diz Smith.
Em lugares como Ferguson (Missouri), houve um êxodo de brancos nos últimos anos
Em algumas cidades, o êxodo dos brancos foi intenso. Ferguson, no Missouri, símbolo de protestos do movimento Black Lives Matter (As Vidas dos Negros Importam) após a morte de um jovem desarmado pela polícia em 2014, a população branca caiu de 16.454 para 6.206 entre 1990 e 2010, segundo dados de censos reunidos por The Atlantic. A segregação racial é também uma das maiores causas da disparidade na saúde dos norte-americanos.
Uma forma de bloquear a entrada dos pobres em determinados bairros, diz Estevez, está nas mãos dos Governos locais. Isso porque, segundo ele, com os planejamentos urbanos é possível priorizar um tipo de construção para famílias de alto poder aquisitivo e vetar os apartamentos, reduzindo assim ao mínimo a moradia acessível.
Os EUA estão a ponto de se despedir do primeiro presidente negro de sua história, Barack Obama, um grande símbolo do avanço. No entanto, quando percorremos as ruas, que as estatísticas refletem, vemos que a América continua fraturada.
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