quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Se a esperança se erguer, Temer cai

CARLOS ODAS // http://www.brasil247.com/
© Ueslei Marcelino / Reuters

Está em curso no Brasil uma guerra, não tão silenciosa quanto se poderia esperar, por meio da qual a experiência do “governo” Michel Temer vai se justificando; é uma guerra contra a esperança e, nela, o objetivo principal de um dos lados é tornar em fatalidade todos os males que poderiam ser evitados ou contornados, não sem dificuldades, mudando-se as premissas da ação governamental e estatal. A desesperança serve ao projeto no poder porque, sendo Michel Temer um político tão obscuro quanto os interesses a que se afilia, sua liderança só pode justificar-se num ambiente sem luz, em um tempo em que a virtude paga pesados tributos à injustiça, e em uma sociedade onde a esperança é tratada com escárnio, ao passo em que a miséria e a desigualdade são vistas como fatalidades inevitáveis que ceifarão vidas em nome de uma incerta promessa de prosperidade em futuro ainda mais incerto.
Nesse contexto, toda resistência é merecedora de atenção da parte dos que recusam tomar o veneno servido como se fosse a única alternativa; quando essa resistência envolve jovens que ocupam suas escolas com o mais claro e legítimo objetivo de apropriarem-se delas, é um imperativo moral apoiá-los e defendê-los. Porque esse é um “governo” que quer congelar investimentos públicos em educação e saúde, para priorizar o pagamento de juros; que quer extinguir direitos trabalhistas para “modernizar” as relações de trabalho; que quer aumentar a jornada de trabalho e fazer a força econômica do patrão valer mais que a letra da lei; que fez as políticas sociais retrocederem ao status de primeiro-damismo; que entregou o petróleo do pré-sal às petroleiras estrangeiras; que quer que os brasileiros se aposentem aos 70 anos; que quer que aposentados continuem pagando a previdência até morrerem; que quer fazer reforma no ensino sem consultar ninguém. Este é um governo em guerra contra a esperança.

Nessa guerra, promovida aqui por interesses de corporações estrangeiras representadas internamente pela coalizão de forças que deram o golpe e que sustentam o governo ilegítimo, vem sendo empregado como tática o que a jornalista canadense Naomi Klein batizou de “a doutrina do choque”. O conceito é o seguinte: momentos de crise profunda são ideais para a implantação de reformas radicais reivindicadas pelo mercado – como a retirada súbita de investimentos estatais em áreas essenciais que, geridas pela iniciativa privada, gerem lucros fabulosos, como saúde, educação e energia, por exemplo – e que, em tempos de normalidade, seriam rechaçadas pela maioria da população. Na “doutrina do choque” a perplexidade de uma população diante de um trauma (seja um desastre natural ou um golpe de estado, dentre outras possibilidades) é vista como a oportunidade de se implantar mudanças que seriam fortemente contestadas em tempos de maior estabilidade política e social. Desse modo, as teses de Klein evidenciam, também, o divórcio entre o capitalismo rentista, nos moldes atuais, e a democracia. Ou alguém, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, seria eleito se prometesse fazer aprovar uma medida que revertesse o pagamento de juros da dívida pública em prioridade número um do Estado, em detrimento de investimentos em saúde e educação, e pela duração de longuíssimas duas décadas?

Os “remédios amargos, mas necessários”, eufemismo barato de economistas sem criatividade para o uso de políticos sem caráter, são um receituário de austeridade falsificada que não tem para mostrar uma sequer experiência de sucesso – ou um único caso em que tenha entregado o que promete; de tão nefando, esse receituário vem sendo empregado mundo afora à custa da desestabilização de governos democraticamente eleitos e da predação de investimentos públicos destinados às áreas sociais dos países por ele afetados. De tão indefensável, são raríssimos os casos em que se apresenta como proposta de agenda ao escrutínio popular e, quando o faz, não é mostrando-se com a verdadeira cara que tem.

O “governo” de Michel Temer é, nesse contexto, uma experiência degradante, em termos sociais e políticos, e uma experiência propriamente dita em termos de geopolítica; é irmão siamês de governos que, bionicamente, substituíram aos que haviam sido democraticamente eleitos em Honduras (2009) e no Paraguai (2012). Jamais emergiria das urnas com as feições que tem e, por isso mesmo, não preserva nenhum compromisso mais que formal com a democracia; não existiria em um contexto de plena saúde social e democrática do país. E não existiria se o espírito do tempo fosse a esperança (de mais direitos, mais justiça, mais igualdade); viabiliza-se num cenário de crise de representatividade, de descrença quase que absoluta na democracia formal e pela mais completa interdição do debate sobre o país e os rumos de seu desenvolvimento.

Por isso choca-se frontalmente com jovens que se dispõem a protagonizar a luta por mais direitos, por qualidade e gratuidade na educação pública, por melhores e mais abrangentes serviços públicos, por mais igualdade social, como é óbvio, também, que golpistas e seus patrocinadores não esperavam por isso. Por isso esses jovens são combatidos, na mídia que serve à plutocracia e pelo governo ilegítimo, como inimigos de guerra. A legitimidade das ocupações se dá, sobretudo, porque o “governo” de Michel Temer não é mais que um acidente no percurso delas, que já vinham acontecendo desde o ano passado em vários estados do país. As ocupações não se resumem ao “Fora, Temer”, porque esse é um primado da lógica: para que a decência seja restituída, Temer deve sair; mas para que as escolas sejam espaços plenos de direito e formação cidadã é preciso mais que isso. As pautas dos estudantes mobilizados incluem, dada tragédia que é a existência deste “governo”, a não aprovação da PEC 241 (agora PEC 55) e a retirada da MP sobre a reforma do ensino; mas os objetivos são muito maiores e incompreensíveis para uma casta de aquinhoados e para o “governo” que os representa.

É fantástico que esses jovens estejam lutando. Eles são a esperança.

E se a esperança se erguer, Temer cai.

Carlos Odas é militante do Partido dos Trabalhadores.

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