quinta-feira, 6 de julho de 2017

Pesquisa Oxford-Reuters: 70% reconhecem influência política e comercial na mídia brasileira

O Brasil perde apenas para a Finlândia em termos de confiança do público nos meios de comunicação. Mas, muita calma nesta hora

    Tatiana Carlotti

Com direito à bandeirinha esvoaçante em 3D - da Inglaterra não do Brasil, of course - o Jornal Nacional (JN) bombou os dados do Digital News Report 2017 (Relatório de Jornalismo Digital 2017), do Instituto Reuters para a Universidade de Oxford, na última quinta-feira (29.06). Não à toa: o levantamento, realizado com 70 mil pessoas em 36 países, mostra que 60% dos brasileiros confiam nas notícias veiculadas pela mídia.

Sim, é isso mesmo. O Brasil perde apenas para a Finlândia em termos de confiança do público nos meios de comunicação. Mas, muita calma nesta hora. Os dados do estudo silenciados pelo JN são muito mais interessantes. Inclusive, o não-dito sobre a pesquisa diz muito sobre a manipulação da emissora.
Com mapa mundi e locução de Willian Bonner, o JN festejou a proximidade do índice brasileiro com o finlandês, primeiro no ranking com 62% de confiança nas notícias em geral e 69% nas notícias que eles usam. Porém, esqueceu de explicar que a imprensa finlandesa é muito diferente da nossa, embora isso fique claro no estudo.

Ao acessar a integra da pesquisa disponível aqui e clicar em “2017 Report”, selecionando “Analysis by Country”, é possível descobrir que o ambiente de mídia por lá é caracterizado por uma forte imprensa regional e transmissora pública (YLE), um importante jornal nacional (Helsingin Sanomat) e dois tabloides populares que alcançam metade da população online.

O estudo destaca que o país manteve sua posição de público forte e confiável offline e on-line, afirmando que o idioma finlandês e o pequeno mercado vêm protegendo as marcas de notícias nacionais contra a concorrência internacional.

Uma realidade oposta à do Brasil onde:

“As emissoras de televisão comerciais fortes dominam o ambiente de mídia no Brasil. A propriedade da mídia está concentrada nas mãos de alguns grupos domésticos, mas as mídias sociais estão desempenhando um papel cada vez mais importante no consumo de notícias”, aponta o estudo.

Uma informação que contribuiria muito para o debate sobre a comunicação no país, estivesse a Globo interessada em fazer jornalismo e não autopropaganda, utilizando-se da concessão pública que detém para incensar uma pseudo credibilidade que, sejamos sinceros, apenas atesta o sucesso da sua manipulação.

Fake news
Ignorando o alerta do estudo sobre a importância das mídias sociais no Brasil, o JN deu ênfase aos dados globais, afirmando que o foco da pesquisa é a “confiança do público numa época de notícias falsas, as fake news, que são distribuídas sem controle pelas redes sociais”.

A pesquisa realmente incide sobre as fake news (notícias falsas), uma preocupação notória principalmente nos Estados Unidos, onde boa parte da imprensa vem criticando duramente Donald Trump e denunciando várias notícias falsas, muitas disseminadas por apoiadores do multimilionário.

Não citados pela reportagem do JN (daria trabalho explicar as nuances), apenas 38% dos norte-americanos demonstraram confiança nas notícias veiculadas em seus meios de comunicação. O estudo da Oxford-Reuters destaca, inclusive, que na sequência das eleições presidenciais naquele país, a preocupação com a disseminação de informações falsas on-line vem aumentando o valor do jornalismo profissional.

Vale acompanhar esse debate sobre as fake news na imprensa norte-americana. Nesta semana, o comediante britânico John Oliver, apresentador do talk show Last Week Tonight with John Oliver, trouxe uma reportagem sobre o Sinclair Broadcast Group, mostrando como a empresa vem disseminando notícias falsas na mídia local dos Estados Unidos.

O programa cobre, de forma satírica, temas da política e da sociedade norte-americana. É muito interessante como Oliver escracha e informa, ensinando seu público a perceber a manipulação da imprensa. Tratam-se de verdadeiros absurdos. Absurdos similares aos que vemos diariamente na imprensa brasileira.

Outra boa contribuição neste sentido é o talk show do comentador político Bill Maher, Real Time with Bill Maher, que recentemente entrevistou Alex Marlow, editor-chefe do veículo de direita Breitbart News. “Vocês são honestos e dizem ser uma organização direita algo que a Fox News não faz”, provocou Bill em uma conversa franca, com boas farpas e impensável na programação brasileira.

Em polos políticos opostos, ambos concordaram sobre a influência perniciosa das empresas em relação à liberdade de expressão: “defensores da livre expressão na esquerda e na direita devem se unir e dizer: ´corporações não vão definir a Primeira Emenda e a liberdade de expressão neste país’”, afirmou Marlow.

Aliás não podemos deixar de mencionar o trabalho de Gregório Duvivier também na HBO (sextas, às 22h). Concorde-se ou não com Duvivier, ele vem abordando de forma honesta, com muito humor e didática em seu Greg News temas de extrema importância como os privilégios do Judiciário brasileiro, a violência, o projeto “escola sem partido entre outros.

Esses programas estão todos disponíveis no youtube e no site da HBO (com legendas) para assinantes.

Globo sendo a Globo 
Voltemos ao estudo Reuters-Oxford e ao fato de que é neste contexto internacional que a discussão sobre as notícias falsas vem sendo travada. Aqui no Brasil, porém, o contexto é outro.

Pulando a parte da pesquisa que revela que “as mídias sociais estão desempenhando um papel cada vez mais importante no consumo de notícias” no Brasil, o JN preferiu incensar o dado global de que apenas 24% dos entrevistados consideram que as redes sociais fazem um bom trabalho ao separar fatos de ficção.

“Na mídia tradicional este índice é bem maior, 40%”, comemorou o âncora do JN, ao comentar que o G1 e O Globo foram citados pela investigação que fazem em relação à veracidade de notícias publicadas na internet.

O que o estudo não menciona – não é este o seu objetivo, apesar de apontar a alta concentração da mídia no país - é o que ao longo de seus 92 anos, o Grupo Globo se tornou expert em transformar ficção em fato, sobretudo em período eleitoral, vide as propriedades mortíferas da bolinha de papel lançada contra o então candidato tucano José Serra.

Aliás, a bolinha de papel é apenas a ponta do iceberg. É sabida a atuação do Grupo Globo enquanto aparato de propaganda e legitimação do regime militar. Assim como sua interferência em campanhas eleitorais, como o debate Lula X Collor em 1989, a manipulação das eleições do Rio de Janeiro contra Leonel Brizola.

Acabamos de assistir ao deslavado apoio que deram ao golpe, inclusive com chamada em sua vasta rede às manifestações pró-impeachment. E basta acompanhar seu noticiário, Globonews à frente, para ver a defesa explícita da agenda da austeridade, das reformas trabalhistas, sem qualquer opinião contraditória às medidas econômicas impostas hoje no país. Nós sabemos muito bem o que é a Globo.

Avanço da Internet
Importante lembrar que, no Brasil, a pesquisa Oxford-Reuters focou consumidores de mídia que moram em regiões urbanas e que, portanto, têm acesso à internet. Tratam-se de dados relativos ao Brasil urbano onde as plataformas online já são a principal fonte de informação do público.

O estudo mostra que embora a penetração da internet continue a crescer rapidamente no país, a TV ainda é muito mais popular: mais de 97% das famílias têm um aparelho de TV, enquanto apenas uma a cada duas casas estava conectada à internet em 2015, diz o estudo.

Outro dado importante: o conteúdo jornalístico na web é mais acessado por meio de smartphones do que por computadores: 91% dos internautas acessam a internet via celular. Porém, “em meio ao crescente desemprego e mudanças no mercado, mais de 36 milhões de linhas móveis foram desconectadas pelos operadores de telecomunicações nos últimos dois anos”, diz o estudo.

Frente ao modelo econômico implementado pelos golpistas, não é difícil prever o que irá acontecer neste sentido. O levantamento, inclusive, menciona que a recessão duradoura no país vem prejudicando a mídia. Em dezembro de 2016, a circulação total dos cinco maiores jornais do país caiu quase 8% em relação ao número médio de cópias vendidas em 2015, levando ao fechamento de vários veículos.

“Tanto a televisão como a mídia impressa perderam sua importância como fontes de notícia no ano passado, de acordo com os entrevistados em nossa pesquisa”. Outra informação, que passou longe da autopropaganda do JN, é o fato de as plataformas on-line serem a principal fonte de notícias no Brasil urbano.

O estudo também mostra que embora as mídias sociais sejam “extremamente importantes no Brasil”, seu uso como fonte de notícias perdeu impulso no ano passado. Quase oito em cada dez brasileiros usam o Facebook para qualquer propósito, mas houve redução no compartilhamento de notícias por esta plataforma social.

O Facebook é utilizado por 57% dos entrevistados como fonte de notícias e vem perdendo espaço para o WhatsApp que é meio de acesso à notícias para 46% dos entrevistados, seguido do Youtube (36%), Instagram (12%) e Twitter (12%).

Confiança nas notícias da imprensa

Agora vejamos a confiança dos brasileiros na imprensa.

Segundo o estudo, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e suas consequências focaram a atenção nas notícias da mídia durante 2016. Como resultado da extremada polarização política, a porcentagem das pessoas que acredita que a mídia é livre de influência política indevida caiu de 36% para 30%, ano a ano, mas a confiança geral nas notícias continuou alta.

Sim, o JN pulou esse dado. Com foco nos 60% dos entrevistados que acreditam nas notícias em geral e nos 60% que confiam nas notícias que eles usam, o JN ocultou que apenas 30% dos entrevistados consideram que a mídia está livre de influência política indevida ou livre de influência comercial indevida.

Em suma: 70% dos entrevistados sabem que há influência política e comercial indevida na mídia brasileira. Mesmo assim “a confiança geral nas notícias continuou alta”.

Em sua análise sobre a pesquisa, Melissa Bell, co-fundadora da Vox Media, aponta que menos da metade da população (43%) confia na mídia em todos os 36 países pesquisados %u20B%u20Be quase um terço (29%) evita ativamente a notícia. “Em vez de enriquecer suas vidas, nosso trabalho as deprime”, destaca, ao atribuir a falência da indústria da mídia à quebra da confiança em sua audiência. (Leia a íntegra da análise aqui)

O estudo, inclusive, aponta que embora a internet e as mídias sociais possam ter agravado a pouca confiança e a circulação de notícias falsas, em vários países, os mecanismos subjacentes da desconfiança são fruto da polarização política e do viés da mídia dominante percebido.

E mais: “as câmaras de eco e as bolhas de filtro são, sem dúvida, reais para alguns, mas também achamos que, em média, os usuários de redes sociais, agregadores e mecanismos de pesquisa experimentam mais diversidade do que os não usuários”.

Em meio à asfixia financeira e às ameaças das chamadas bolhas-filtro (leia também Quem controla o que você na Internet?), fica o alento de sabermos que cresce a percepção da influência política e comercial indevida na mídia brasileira e, obviamente, a consciência de que material não nos falta para tornarmos ainda mais evidentes essa influência.

Afinal, vivemos em um ambiente de forte concentração dos meios de comunicação, onde fake news, manipulação política, omissão dirigida e supressão do contraditório fazem parte do cardápio diário servido ao povo brasileiro.

Há muito trabalho e farto material à disposição, basta ligar a tevê.

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