Publicado por Jose Cassio

Quem conhece sabe que a busca incansável pelo bilhete premiado do STF começou ainda no governo do golpista Michel Temer (Imagem: reprodução)
Meu amigo Décio foi criado com José Maria Marin no bairro de Santo Amaro, em São Paulo.
Jogaram bola em campinho de terra batida, pescaram em riachos de águas então diáfanas, trocaram confidências sobre as primeiras namoradas.
Marin ganhou o mundo, fez sucesso como advogado e político, tornou-se vice-governador de SP. E depois governador, quando o titular, Paulo Maluf, se afastou para disputar uma eleição.
Foi quando voltaram a se encontrar. Era o dia da posse de Marin no palácio dos Bandeirantes.
Ao reencontrar o amigo, estendeu os braços e abriu um sorriso.
– Décio, ganhei na loteria!
Tem muito mais para contar, mas vamos ficar por aqui pois o foco deste texto não são as peripécias de Marin.
E sim de Sérgio Moro, que numa entrevista recente repetiu o deslumbramento do ex-cartola para explicar a sensação de um dia chegar ao Supremo Tribunal Federal.
– Seria como ganhar na loteria, disse o ex-juiz da pequena Maringá.
Agora leio que Moro estaria insatisfeito no cargo e teria confidenciado a amigos o desejo de cair fora.
Ele anda injuriado por causa de dilemas que envolvem desde desvio de dinheiro público pela família do chefe, o envolvimento dela com milicianos e indícios confirmados pela Polícia Federal de corrupção do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, no caso dos laranjas do PSL de Minas.
Para piorar, teve de ouvir de Dias Toffoli, presidente do STF, um recado dirigido aos seus parceiros de Curitiba que tentaram criar um fundo de R$ 2,5 bilhões da Lava Jato com dinheiro da Petrobras sabe-se lá para qual finalidade.
“Não se pode criar recursos para si próprio nem se apropriar de algo que é da União. Isto tem até nome no Código Penal, mas não vou dizer o tipo”, disse Toffoli, medindo as palavras para evitar maiores constrangimentos.
Moro tem lá seus seguidores, é verdade, mas, convenhamos, a maioria deles gente como o empresário Luciano Hang, dono da Havan, que se intitula “cidadão de bem” e por debaixo dos panos não se diferencia do pior lixo que a nossa sociedade consegue produzir.
O chefe do ex-justiceiro de Curitiba é outro exemplo emblemático. Bolsonaro e filhos têm uma vida de erros no baixo clero da vida pública, alçaram o poder atiçando o ódio e os sentimentos primitivos dos eleitores e, no exercício do poder, continuam agindo da mesma forma, retaliando adversários, agredindo e colocando o Estado à disposição de grupos de interesses.
Moro na pele de juiz agiu como político. Condenou um ex-presidente sem provas, interrompeu suas férias para tramar contra a decisão de um desembargador, não teve compaixão nem diante das mortes que envolveram Lula.
E, no fim, o que se revelou é que estava mancomunado com uma candidatura à presidência, de olho na ocupação de espaços de poder para si próprio, no caso uma vaga no STF, e para apaniguados, como Deltan Dallagnol, obcecado pela vaga de Raquel Dodge na procuradoria-geral da República.
O constrangimento de Sérgio Moro é evidente. Antes de ser avacalhado por Toffoli nesta semana, foi acusado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de ter se apropriado de um texto de Alexandre de Moraes para montar o seu projeto “anticrime”.
Sobre os casos das milícias, dos funcionários fantasmas de Flávio, Jair e Carlos Bolsonaro, nenhum pio. Da mesma forma os laranjas do PSL e as arbitrariedades praticadas todos os dias pelas polícias e pelo Exército país afora.
Há quem já o chame de bobo da corte, numa associação com o caipira que apostou todas as suas moedas na compra do viaduto do Anhangabaú.
A notícia sobre a renúncia, obviamente, abalou os bastidores da família Bolsonaro, que joga com duas variantes: desmentir os boatos e minimizar a importância do ex-juiz no governo.
Preso em Allenwood, no interior do Estado da Pensilvânia (EUA) pelos crimes de organização criminosa, fraude bancária e lavagem de dinheiro cometidos no período em que presidiu a CBF, Marin é o típico personagem conhecido no Brasil por utilizar a vida pública para acumular recursos a perder de vista.
O prejuízo de Moro está sendo de outra natureza, não menos pernicioso. Alguém que até onde se sabe não roubou como o velho cartola mas causou danos talvez irrecuperáveis na imagem institucional da Justiça ao transformá-la em balcão de interesses do mundo político.
Marin conta nos dedos os dias que faltam até junho de 2021 quando, finalmente, aos 89 anos, estará em liberdade para desfrutar da riqueza que acumulou com seu prêmio de loteria no elegante apartamento de 600 metros quadrados na região dos jardins.
A trajetória de Moro até o sonhado bilhete premiado é mais curta (a próxima vaga no STF vai surgir no ano que vem) mas, pelo andar da carruagem, mais improvável de se realizar: o céu não é de brigadeiro para o ex-juiz de Maringá.
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