
“Existem centenas de geoglifos”, relativizou Assuero Veronez, presidente da Federação da Agricultura do Acre e ex-vice da CNA; ele foi condenado à prisão, em 2013, por ser cliente regular de uma quadrilha que explorava meninas a partir de 14 anos
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O presidente da Federação da Agricultura do Acre, Assuero Doca Veronez, está por trás de um crime contra a história da presença humana na Amazônia. Em sua fazenda Crixa II, no município de Capixaba, foram destruídos geoglifos (estruturas milenares cavadas no chão de forma geométrica), protegidas por lei. A área foi embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que noticiou o caso para o Ministério Público Federal. O MPFe irá apurar as responsabilidades civis e criminais da destruição.

Assuero Veronez foi vice-presidente da CNA. (Foto: CNA)
Pecuarista, Assuero Veronez é influente tanto na Federação da Agricultura e Agropecuária do Estado do Acre (Faeac), instituição que preside, como na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), da qual já foi vice-presidente. Ele também já foi marcado por um escândalo sexual: chegou a ser condenado e preso, em 2012, por exploração de adolescentes. O caso mais recente mostra que ele também se dispõe a plantar milho — em cima, inclusive, das artes milenares.
A destruição dos geoglifos é um ataque à memória dos povos pré-colombianos, dos quais fazem parte os indígenas e civilizações já dizimadas pela chegada dos brancos. O ataque foi descoberto por acaso, pelo pesquisador Alceu Ranzi, quando analisava as imagens de satélite. Ele pesquisava os símbolos destruídos — foram exatamente seus primeiros objetos de pesquisa — desde 2001. O Iphan faz vistorias anuais nos bens tombados. No segundo semestre do ano passado, no entanto, não conseguiu fazer a visita ao local, porque a fazenda estava fechada.
Segundo o Iphan, “as pesquisas arqueológicas nessas áreas revelam informações importantes sobre o manejo da paisagem amazônica por grupos indígenas que habitaram a região entre, aproximadamente, 200 AC – AD 1300, e sugerem um novo paradigma sobre o modelo de ocupação da Amazônia por densas sociedades pré-coloniais”. O instituto informa que foram identificados no Acre mais de 300 sítios arqueológicos do tipo geoglifo, que estão compostos por 410 estruturas de terra.
PROPRIETÁRIO PÕE A CULPA NO TRATORISTA
Os geoglifos foram destruídos quando o terreno foi aplainado. O motivo para a passagem dos tratores não pode ser mais significativo: a preparação do solo para a plantação de milho. A propriedade também é utilizada para a criação de gado. O proprietário da terra é um símbolo do avanço da agropecuária em regiões da Amazônia. Ele era vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) na época da prisão por exploração sexual e foi reeleito, em 2018, para presidir a Federação da Agricultura e Agropecuária do Estado do Acre pelo menos até 2021.

A região exata do geoglifo, agora com a cultura do milho se sobrepondo. (Imagem: Reprodução)
Em entrevista ao jornalista Altino Machado, Veronez admitiu a destruição do geoglifo, mas a atribuiu a um “erro” do tratorista. “O sítio arqueológico é semelhante a centenas de outros existentes na região”, afirmou. “Se existem centenas de geoglifos semelhantes, no meu entendimento a gravidade do fato tem uma importância relativa”.
A invasão do geoglifo foi novidade, mas a infração ambiental, não. O fazendeiro teve uma área embargada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), em 2006, por desmatamento ilegal de 969 hectares, em Campos Lindos, no Tocantins. Foi aplicada uma multa de R$ 90 mil, em valor da época. Veronez afirmou que vendera a propriedade em 2002 e que a multa foi administrativa, e não por “crime ambiental”.
“Era uma vegetação de campo, nem floresta era”, afirmou à Folha na época. “Nunca cheguei nem a plantar ali”,prosseguiu. Ele era um dos fazendeiros beneficiados em 1997 por um decreto do então governador Siqueira Campos (PSDB) que desapropriou 105 mil hectares para a criação de um polo de produção de grãos no Estado.
ELE SE RELACIONOU COM CINCO ADOLESCENTES EXPLORADAS
Em 2012, o líder ruralista chegou a ser preso nas investigações da Operação Delivery, que desmantelou um quadrilha que explorava sexualmente adolescentes de 14 a 18 anos, induzindo-as ao que, entre adultos, chama-se de prostituição. Com 62 anos na época, Veronez foi apontado como um dos clientes da quadrilha, que atuava em Rio Branco e atendia empresários e políticos do estado do Acre. O grupo também atuava no tráfico internacional de drogas.

Pecuaristas chegaram a ficar foragidos. (Imagem: Reprodução)
No ano seguinte, 15 pessoas acusadas de participar da quadrilha ou se favorecer de seus serviços foram condenadas pela Justiça em primeira instância. Veronez foi condenado a oito anos de prisão e ao pagamento de R$ 20 mil de indenização a cada uma das cinco adolescentes com quem ele fazia programas regularmente. Na ocasião, o juiz afirmou que não havia possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por outra restrição de direitos nem a suspensão condicional da pena.
Outro pecuarista acre condenado pelo mesmo caso, era conhecido pelas jovens por fazer questão de transar sem camisinha — em função desse objetivo, ficava até com raiva. Um dos diálogos interceptados pela polícia dizia respeito a Assuero Veronez, como relatou na época a Gazeta do Acre:
Aliciador Thiago: Eu vou ficar a semana toda, porque eu vim fazer um dinheirinho pra mim voltar (sic) e alugar um apartamento ali que eu achei. Vou ficar até as eleições.
Assuero: Apartamento aonde?
Aliciador Thiago: Lá em Santa Cruz mesmo, na Bolívia.
Aliciador Thiago: Tô com duas amigas minhas, uma mais linda do que a outra.
Assuero: Ham ham. Boliviana é?
Aliciador Thiago: Não. É uma é argentina e a outra é brasileira, de Santa Catarina. Vinheram passar essa semana aqui comigo.
O processo contra os acusados tramita agora em segunda instância, sob segredo de Justiça. Procurados por e-mail, o Tribunal de Justiça do Acre e o Ministério Público do Estado do Acre não informaram sobre a situação de Veronez neste processo.
| Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Reprodução/MapBiomas/CNA): o geoglifo em 2019, antes da destruição por Assuero Veronez
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