quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Mineração ilegal, outra epidemia dilacera a Amazônia e seus povos indígenas

Fontes: IPS [Foto: Uma fileira de jangadas e outros pequenos barcos que se concentraram no rio Madeira, próximo a sua foz no rio Amazonas, em novembro. A notícia de que havia uma boa quantidade de ouro em seu leito atraiu centenas dessas embarcações, com vários garimpeiros cada. Bruno Kelly / Greenpeace Brasil]


RÍO DE JANEIRO - Comer peixes de vários rios da Amazônia brasileira, um hábito diário na região, tornou-se perigoso. O mercúrio usado no garimpo , termo usado para definir a mineração informal e quase sempre ilegal no país, polui águas, peixes e populações ribeirinhas.

Os indígenas do povo Munduruku, que vivem às margens do rio Tapajós, um dos grandes afluentes do Amazonas, já apresentam alto grau de contaminação, segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz , complexo estadual de centros de ciência e tecnologia. na saúde. É um município que tem cerca de 14 mil integrantes, segundo os últimos dados da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), de 2019.

Testes em sangue e cabelo de moradores de três aldeias dessa etnia, em 2019, revelaram que 60% delas têm mercúrio acima do limite tolerável pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Doenças neurológicas, perda de visão e capacidade cognitiva e outros sintomas ligados a este tipo de envenenamento são frequentes nas aldeias. A falta de exames laboratoriais impede que o mercúrio seja comprovado como causa de algumas mortes, reclamam lideranças indígenas que lutam pela abolição da mineração na bacia do Tapajós.

“Hoje vivemos uma epidemia de garimpo na Amazônia”, diagnosticou Danicley Aguiar, porta-voz da campanha do Greenpeace na Amazônia.

A atividade no rio Madeira, a oeste do Tapajós, tem atraído mais atenção nos últimos dias.

“É fato que a crise econômica tem jogado cada vez mais brasileiros na pobreza, principalmente na Amazônia, e dá mão de obra para essa atividade ilegal. Mas o estímulo político do governo Bolsonaro tem um efeito mais devastador, ao dar aos garimpeiros a sensação de que podem continuar na atividade mesmo que seja ilegal ” (Danicley Aguiar).

Centenas de moradores em barcos rústicos e pequenas jangadas com tetos verdes, reunidos perto da foz do rio, a 110 quilômetros de Manaus, capital do estado do Amazonas, em novembro, atraídos pela informação da descoberta de ouro no leito do rio rio.

Estima-se que cerca de 2 mil garimpeiros tenham ido trabalhar ali na busca ilegal de ouro, aglutinado em algumas centenas de barcos.

Mas uma operação da Polícia Federal e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente requisitou ou destruiu 131 jangadas no dia 27 de novembro, segundo autoridades. A maioria se dispersou, já sabendo da ofensiva anunciada até mesmo pelo vice-presidente aposentado e general Hamilton Mourão.

“ Garimpo é um problema crônico no rio Madeira há mais de 40 anos. Está instalado no Tapajós desde a década de 1950. São dois pólos milenares de onde se espalhou pela Amazônia ”, disse Aguiar à IPS por telefone, de Manaus.

Na Madeira, a mineração é feita mais no leito do rio, enquanto no Tapajós, o ouro é procurado no continente, disse. O primeiro arrasta muito sedimento da parte superior de sua bacia, no Peru e na Bolívia, fato que deve explicar a presença de ouro em seu canal.

Balsas garimpeiras incendiadas por la Policía Federal el 27 de noviembre, para desbaratar la actividad minera ilegal de cerca de 2000 garimpeiros en por lo menos 300 embarcaciones, cerca de la desembocadura del rió Tapajós, uno de los grandes afluentes del río Amazonas, en el norte do Brasil. Foto: Polícia Federal

Outro indígena seriamente afetado são os Yanomami, que contam com cerca de 27 mil integrantes do lado brasileiro, segundo os últimos dados da Sesai.

Seus líderes estimam que haja 20.000 mineiros invadindo suas terras em Roraima, um estado brasileiro na fronteira com a Venezuela, onde esta cidade milenar também se estende. Além do desmatamento e da poluição, eles espalham a malária e outras doenças mais mortais para os povos indígenas.

Duas crianças Yanomami morreram no dia 12 de outubro em um rio local, sugado por uma draga usada para extrair sedimentos do leito do rio onde o ouro é extraído. O aumento das mortes por malária e desnutrição também foi relatado, dada a intensificação das invasões de territórios indígenas, ilegalidade permanente há décadas.

O Projeto de Mapeamento Anual de Uso e Cobertura do Solo no Brasil (MapBiomas), promovido por uma rede de organizações ambientais, universidades e empresas de tecnologia, identificou um crescimento de 495% na área ocupada por garimpos em terras indígenas na última década. Atingiu 1.592 hectares no território Munduruku.

A atividade está concentrada na Amazônia, com 93,7% do total da área explorada, com forte expansão nos últimos anos.

O aumento é especialmente perceptível durante o governo do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, que incentiva a mineração ilegal e propõe autorização legal para sua atividade em terras indígenas.

Um monitoramento do Greenpeace revelou que garimpos ilegais destruíram pelo menos 632 quilômetros de rios dentro de terras indígenas ”do povo Munduruku desde 2016.

Essa destruição, que significa praticamente extinguir a vida nesses rios, mais que dobrou em 2019, primeiro ano do atual governo, em relação ao ano anterior. Em extensão, passou de 88,5 para 178 quilômetros. Em 2020 atingiu 235,3 quilômetros e no ano atual voltou ao ritmo anterior, de 2018.

A contaminação dos Munduruku indígenas há muito foi confirmada por estudos também de universidades estrangeiras. “É um problema instalado”, disse Aguiar. O que é preciso, disse, é o acompanhamento da mesa da Secretaria de Saúde Indígena, com atendimento adequado aos atingidos, e que seja encerrada a atividade poluidora.

A destruição das florestas amazônicas pela mineração ilegal próximo ao rio Tapajós e de terras indígenas do povo Munduruku, na Amazônia brasileira, que estão contaminadas com o mercúrio usado na extração do ouro. Foto: Greenpeace Brasil

A crise econômica, com grandes aumentos do desemprego desde a recessão econômica de 2015 e 2016, contribui para a expansão do garimpo como uma tentativa de sair da pobreza. Esse fenômeno ocorreu na década de 1980, quando a área de mineração de Sierra Pelada atraiu mais de 100.000 pessoas para trás do ouro e deixou uma cratera de 24.000 metros quadrados.

“Sim, é fato que a crise econômica tem jogado cada vez mais brasileiros na pobreza, principalmente na Amazônia, e dá mão de obra para essa atividade ilegal. Mas o estímulo político do governo Bolsonaro tem um efeito mais devastador, ao dar aos garimpeiros a sensação de que podem continuar na atividade mesmo que seja ilegal ”, concluiu o porta-voz do Greenpeace.

Os mineiros usam o mercúrio para amalgamar o ouro e separá-lo da lama, seja ele dragado do fundo dos rios ou da terra revolvida. Em qualquer caso, o metal pesado vai para o rio, polui a água e seus habitantes, atingindo o ser humano através dos peixes consumidos.

No caso do Tapajós, a mineração polui duplamente o rio, pois também fornece o mercúrio que naturalmente contém o solo amazônico e que, escavado e revirado, deságua no rio como sedimento.

O garimpo tem algum respaldo legal, com base em uma lei de 2008, o Estatuto do Garimpeiro, que repete conceitos de uma legislação anterior, de 1960. Mas a atividade evoluiu, deixou de ser artesanal, individual e com picaretas e pás.

Agora é feito com jangadas e dragas, como se vê no rio Madeira, com tratores e outros equipamentos que às vezes custam centenas de milhares de dólares. O impacto ambiental se multiplicou. A extração tornou-se industrial, empresarial, com grandes investimentos e funcionários, como mergulhadores na mineração de rios, como a que predomina no rio Madeira.

O ouro extraído ilegalmente no Brasil representa 28% do total, segundo pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais com dados de 2019 e 2020. Mas apenas 34% das 174 toneladas comercializadas no país tinham origem legal, outros 38% não eles tinham legalidade comprovada.

Também se suspeita que tenha se tornado um mecanismo de lavagem de dinheiro do crime organizado, como o tráfico de drogas.

Para evitar a repressão policial e legitimar a atividade, foram organizadas dezenas de cooperativas que possuem algumas facilidades para obter legalmente áreas de mineração.

A história do Brasil está intimamente ligada à mineração, industrial ou artesanal, como importante atividade econômica. Mas hoje seus desastres se destacam. Além de matar rios e adoecer os residentes ribeirinhos, especialmente os indígenas, ocorreram recentemente tragédias de mineração em grande escala.

Uma barreira de descarte foi rompida em Mariana, município da região central do estado de Minas Gerais, em 2015, deixando 19 mortos e 660 quilômetros de rio quase sem vida. Outra tragédia semelhante, em Brumadinho, também em Minas Gerais, resultou na morte de 270 pessoas.

ED: EG

Nenhum comentário:

Postar um comentário

12