Fontes: Economia Alternativa [Imagem: Mina de ferro a céu aberto no Brasil. Getty]
Paralelamente ao seu discurso de responsabilidade social corporativa (RSE), o grupo brasileiro Vale está envolvido em pelo menos 30 conflitos ambientais e sociais.
É um fato conhecido que a responsabilidade social corporativa (RSE) tornou-se bastante popular nos setores extrativistas nas últimas duas décadas. Para mudar a má reputação social e ambiental dessa atividade econômica, as empresas passaram a adotar práticas voluntárias de responsabilidade social, ao mesmo tempo em que rejeitavam novas regulamentações governamentais.
Na mineração, um marco importante na RSE foi a criação, em 2001, do Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM), que definiu princípios de boas práticas no setor. Grandes mineradoras se tornaram signatárias do ICMM e passaram a incorporar essas boas práticas.
A redução da má reputação é vista pelas mineradoras como um passo fundamental para alcançar a chamada “licença social para operar”, que garante a legitimidade e aprovação da mineração, principalmente pelas populações que vivem próximas aos locais onde a mineração ocorre.
Apenas uma parte da história
A história recente da multinacional mineradora Vale, de origem brasileira, é um exemplo emblemático de como a RSC pode, ao contrário, contribuir para tornar as grandes empresas extrativistas ainda mais irresponsáveis socialmente , como mostra um artigo recente sobre o assunto (Saes et al. , 2021).
Nos últimos 20 anos, a grande expansão das atividades da Vale foi acompanhada por ações e discursos de RSC, como a empresa relata em seus relatórios de sustentabilidade. Mas essa é apenas uma parte da história: é a versão contada pela Vale e aceita por investidores, governos e também por muitos trabalhadores e outros setores da sociedade. No entanto, outros pontos de vista ficam ocultos, inclusive aqueles cujo modo de vida é afetado pela mineração, que não apenas desaprovam, mas também resistem à sua expansão.
O Atlas de Justiça Ambiental ( www.ejatlas.org ) relata 30 conflitos ambientais nos quais a Vale tem um papel importante, 18 deles no Brasil.
Em Moçambique, a Vale promoveu o deslocamento de centenas de famílias para iniciar o projeto de carvão de Moatize. Neste caso e em muitos outros, não se pode falar em aceitação do projeto por parte dos pequenos agricultores que, em geral, ficam sem as mesmas condições para garantir sua subsistência.
Em outro caso, na Nova Caledônia, para reduzir a forte resistência ao seu projeto de níquel, a Vale criou um “Pacto pelo Desenvolvimento Sustentável”. A empresa prometeu reavaliar seus impactos e iniciar programas ambientais voluntários em troca de uma resistência menos violenta. De fato, conseguiu levar o projeto adiante, embora seja difícil dizer se é legítimo, principalmente depois de 2019, quando abandonou o discurso do desenvolvimento local ao decidir vender as operações no território.
18 dos conflitos ambientais envolvendo a Vale estão no Brasil
O discurso da empresa responsável começou com o 'boom' extrativista
A Vale também pode ter sido socialmente irresponsável ao promover a expansão excessiva dos riscos ambientais, e as práticas de RSC não impediram isso. Ao contrário, o período de adoção da RSE pela multinacional brasileira coincidiu com o chamado boom extrativista. Nesse período, a empresa gerou impactos e conflitos em novas “fronteiras extrativistas”. Também expandiu a extração nas operações existentes, acumulando grande quantidade de resíduos de mineração em barragens cada vez mais altas e volumosas.
Dois deslizamentos de terra trágicos
A extensão desse risco terminou no trágico colapso de dois depósitos de resíduos de ferro em Minas Gerais (Brasil), com centenas de mortes e enormes danos ecológicos.
Em todos esses casos, a Vale se revela uma mineradora bastante irresponsável. E, em vez de RSE, parece mais apropriado falar de irresponsabilidade social corporativa.
Como parte do Atlas Global de Justiça Ambiental, após o impressionante rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, em Miras Gerais, em 2019, um grande grupo de pesquisadores e ativistas de todo o mundo produziu um mapa temático que inclui 30 conflitos ambientais nas áreas que a mineração A Vale teve e ainda tem um papel de destaque. Eles queriam lançar luz sobre as injustiças ambientais causadas por essa grande empresa e, em geral, tornar visíveis os danos causados por outras mineradoras. Esperamos que o mapeamento de seus passivos socioambientais coloque em dúvida suas contas econômicas e suas demonstrações de resultados.
Beatriz Saes. Professora da Universidade Federal de São Paulo e presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (Ecoeco)
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