Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
"Trancaram um animal político. Entregue ao silêncio, se alimentou de conhecimento. E Lula virou um monstro político", diz Denise Assis
Por Denise Assis
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Tanto no discurso feito no Congresso quanto o dirigido à multidão na Esplanada dos Ministérios, no dia de sua posse, em primeiro de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já demonstrava a dimensão do seu amadurecimento político. Na reunião com os ministros, no entanto, conseguiu traduzir isto em palavras e atitudes, quando fez um desenho preciso do funcionamento da máquina do poder.
A compreensão que demonstrou ao dirigir-se ao grupo heterogêneo que seguirá com ele nesse início de governo, – pois sabemos que sempre há desembarques pelo meio do caminho – foi diametralmente oposta à do seu antecessor, que mal sabia se mover entre os três poderes com os quais se atritava por total ignorância do funcionamento do sistema governamental. A tal ponto que ao final de quatro anos, ao dialogar com uma servidora do Palácio, pediu explicação sobre a diferença entre férias e recesso. E não podia mesmo saber, pois nunca trabalhou.
Quanto a Lula, passou por um aprendizado intensivo. Quando subiu a rampa do Planalto no primeiro dia de 2003, na condição de presidente eleito investia-se da emoção do menino retirante que foi comer pão aos sete anos, trazia consigo um diploma de torneiro mecânico e muitas rodadas de negociações com o empresariado, na condição de sindicalista. Esse conjunto de apetrechos o levou a agir com intuição e assertividade, resultando na reeleição e a saída com um índice de aprovação na casa dos 87%.
Tudo isto, porém, não foi suficiente para tornar-se aceito onde jamais será: nos salões atapetados da elite, onde Lula será sempre visto como o semianalfabeto nordestino de Garanhuns. Ao vê-lo entrando onde quer que seja, com ternos bem cortados e desenvoltura, não o enxergam como alguém que ascendeu, mas como um invasor dos seus espaços chiques. Um intrujão.
Com toda a sua trajetória, o título de ex-presidente, que em qualquer letrado provocaria genuflexões e salamaleques à sua volta, para Lula significou processos e, por fim, a prisão.
Trancaram um animal político. Deram a ele a chance de ser alimentado por aquilo que nunca teve: sossego. Por seu feitio e atividade, viveu entre viagens e reuniões. Assim, entregue ao seu silêncio, o animal se alimentou daquilo de que mais o acusaram não ter: conhecimento. E Lula virou um monstro político.
Ao se dirigir aos ministros, desafiou os que nos primeiros dias de seu governo exigiam dele o que em quatro anos de fascismo, ignorância, desleixo e vandalismo não foi pedido ao seu antecessor. Provas de que fará o que precisa ser feito, dentro dos rigores do que estão acostumados os grupos neoliberais, os ricaços, os do grupo do 1% mais rico do planeta. Ali, a “jararaca” balançou o rabo. Desfiou em sua fala a convicção de que aos 77 anos não tem que provar o que já provou. Ser um animal político com capacidade, agora, de fazer o jogo que precisa ser jogado.
Quando Arthur Lira, o esperto, tentou colocá-lo contra a parede, Lula o chamou para brincar (com a prestimosa ajuda, preciso dizer, da ministra Rosa Weber, que jogou luz sobre o odiento “orçamento secreto”). Olhou para o presidente da Câmara como a um igual e, de maneira subliminar, deixou subtendido que em nome do país que tem para governar, não o teme, pelo contrário, irá dialogar com ele em todas as suas desproporcionais exigências.
Chamou para o seu campo o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e o comprometeu com a sua pauta social, deixando pouca margem de manobra para que ele escape e -embora não traia aos seus -, também não vai se expor aos olhos do público como alguém que se coloca contra as necessidades dos que agora ganharam visibilidade, subindo a rampa.
No sossego e no silêncio de sua cela, Lula adquiriu aquilo que sempre cobraram dele, mas nunca foi o verdadeiro motivo da rejeição ao seu governo: conhecimento. Motivo ou não, as ferramentas que agora o servem não lhe podem tirar. Lula leu:
Governos do PT: um legado para o futuro (Aloizio Mercadante e Marcelo Zero/Editora Fundação Perseu Abramo). Um livro que se insere no esforço para revelar e analisar o legado dos governos do PT. Não apenas para mostrar o que foi feito no passado, mas fundamentalmente para revelar o que pode ser feito no futuro. (Sim, Lula teve tempo para reavaliar o próprio partido.
busca do desenvolvimento perdido: um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (Bresser-Pereira/Editora FGV), que tem por objetivo discutir a economia brasileira desde 1990, quando o regime de política econômica desenvolvimentista foi abandonado e o país começou a instalar um regime de política econômica liberal.
Sobre a China (Henry Kissinger/Editora Objetiva)
Em que o temido ex-secretário de Estado americano escreve a respeito de um país que conhece intimamente e cujas relações modernas com o Ocidente ajudou a moldar. Lançando mão de relatos históricos e de suas conversas com diversos líderes chineses durante um período de quarenta anos, o autor examina como a China abordou a diplomacia, a estratégia e a negociação através de sua História, e busca refletir sobre as consequências do seu crescimento acelerado para a balança do poder no século XXI. (Para beber na fonte do todo poderoso? Não. Para saber para onde vai a China, a potência mundial e nosso principal parceiro comercial, a quem o antecessor chutou e espezinhou).
Cartas da prisão de Nelson Mandela (Nelson Mandela/Editora Todavia): Cartas da prisão de Nelson Mandela, uma obra histórica: a primeira – e única – coleção autorizada de correspondências que abarca os vinte e sete anos em que o líder sul-africano esteve encarcerado. (Certamente Lula estava em busca de temperança).A Ralé Brasileira: Quem é e Como Vive (Jessé Souza/Editora Contracorrente), um clássico do pensamento social brasileiro que confere visibilidade à “ralé brasileira”, uma “classe social” jamais percebida enquanto “classe” entre nós, ou seja, nunca percebida como possuindo uma gênese social e um destino comum, e vista apenas como “conjuntos de indivíduos” carentes ou perigosos. (O resultado dessa leitura foi vê-los entregar-lhe a faixa presidencial).
Zelota: a Vida e a Época de Jesus de Nazaré (Reza Aslan/Editora Zahar). Há dois mil anos um pregador judeu atravessou a Galileia realizando milagres e reunindo seguidores para estabelecer o que chamou de ´Reino de Deus´. Assim, lançou um movimento revolucionário tão ameaçador à ordem estabelecida que foi capturado, torturado e executado como um criminoso de Estado. Seu nome era Jesus de Nazaré. Poucas décadas após sua morte, seus seguidores o chamariam de ´o filho de Deus´. (Para entender-se com a sua fé).
Leu, ainda, sobre: O Petróleo – Uma história mundial de conquistas, poder e dinheiro (Daniel Yergin/Editora Paz Terra), vencedor do prêmio Pulitzer, este livro traça a abrangente história do combustível mais importante do mundo. Colocando-o no centro das decisões mais importantes do século XX, o especialista Daniel Yergin, referência internacional no assunto, mostra de que maneira o petróleo influenciou guerras, suscitou transformações tecnológicas e gerou as maiores riquezas do planeta. (Certamente levou em consideração as motivações do golpe de 2016).
Leu muito sobre racismo estrutural, para entender o legado nefasto da escravidão no Brasil e a biografia de Getúlio Vargas, talvez na busca por entender como o “sistema” pode destruir um homem, mas nunca o seu legado.
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