(Foto: MTST/Divulgação)
"É bom que saibam. Os pobres desse país precisam comer. E não se come ações da Bolsa de Valores", escreve denise Assis
Por Denise Assis
Poucas palavras nesses dois dias foram desperdiçadas (no campo progressista, é claro). Porém, uma frase teve endereço e impacto: a que foi dita pela presidente do partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, em entrevista ao Globo, nesta terça-feira, (03/01): “Isto, a gente tem que sempre ter em mente: o mercado não morre de fome”. Certeira.
O mercado, (se poderia completar) tem teto, tem endereço nobre, fica em grande parte na Faria Lima, endereço chique da capital paulista. Ali homens brancos, com ternos de grife bem cortados, gravatas italianas de seda e sapatos de cromo alemão, se enfurecem na seguinte dicotomia: por um lado, alguns chegaram a concordar que aquele que saiu do país era fim de linha e que um mandato para ele foi o limite do suportável. Sem opção na “terceira via”, renderam-se à evidência de que ou barravam o fascismo ou caíam de cabeça no obscurantismo e numa aventura que, talvez, resultasse num regime fechado, autoritário. Por outro, não aceitam que vivem em um país de miseráveis, à espera de um governo que olhe pra baixo.
Não. Certamente não foram as barracas de plástico na Praça da Sé ou os corpos estendidos na calçada dos seus escritórios que os mobilizaram para – em alguns casos – admitirem votar no Lula e apostar que democracia era melhor para “o mercado” a uma aventura golpista que poderia levar a sanções econômicas e ao isolamento do país. Tampouco foi ter consciência de há 33 milhões de pessoas no país passando fome, enquanto 110 milhões vivem sob insegurança alimentar.
Em apenas dois dias úteis de governo já se esgoelam contra o Estado indutor. O que a presidente do PT disse a eles e diretamente para eles, é que o Estado indutor é para manter vidas. Ou entendem isto de uma vez por todas, ou vão continuar a ser coautores da fome.
Se fazem de sonsos, fingem não saber o quanto ele, “o mercado”, lucrou com os dois primeiros governos Lula. Ignoram como sempre ignoraram os malfeitos daquele recém-chegado a Orlando. Relutam a admitir que o rompimento do teto de gastos foi prática corrente em seu governo, atingindo um montante de R$ 800 bilhões. Tampouco digerem que foram coniventes com o que a mídia tradicional apelidou de PEC Kamikaze – expressão propositalmente pouco assimilável em seu significado para o grande público –, quando na verdade foi a maior transgressão à lei eleitoral que tivemos até hoje.
Ninguém na Faria Lima gritou contra o absurdo nesse nível de decibéis que se viu hoje. Tampouco se viu um despencar de bolsas enquanto lá esteve o seu Guedes, o morador refestelado da Granja do Torto, conivente com todos os arranjos eleitorais. O que vimos foi um dar de ombros para o “orçamento secreto”, para a subida exponencial do teto de gastos e para o sumiço dos recursos da saúde e da educação, cuja conta foi paga pelo governo que nem sequer havia tomado posse.
Onde estava a indignação desses senhores quando as estradas estavam bloqueadas, impedindo tanto o escoamento da produção, quanto um menino que podia ficar cego, caso não chegasse o hospital onde deveria ser operado para continuar a enxergar?
Ao que tudo indica, cego ficaram esses senhores, que de tanto transitar pelo luxo, não conseguem dimensionar o que é a vida dos que, ladeando Lula, subiram a rampa do Planalto para dizer que existem, para mostrar seus rostos, e para representar a realidade do país. Cada brasileiro que depositou na urna um voto para Lula subiu aquela rampa naquele momento. Ou na representatividade daquele grupo, ou na empatia que se estabeleceu entre o que vimos e o Brasil que temos.
Para os que acham que houve “bilhões muito além dos necessários” para custear o Bolsa Família, saibam que existem muitos anos de miséria a serem sanados e não dá mais para ignorá-los. Como bem enumerou em seu discurso de posse, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida: “pessoas em situação de rua: vocês existem e são valiosos para nós”, desfiando corajosamente todos os “transparentes” para a sociedade endinheirada do “mercado” e da elite nacional. É hora, sim, de trazê-los definitivamente à cena. E, sim, lembrar que não dá mais para ignorá-los e não os cuidar. A propósito, senhores do “mercado”. É bom que saibam. Os pobres desse país precisam comer. E não se come ações da Bolsa de Valores. Elas só existem porque há um povo que produz e delas não desfrutam. O mínimo de paciência até colocarem as mãos nos seus dividendos.
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