Fontes: Jornal [Imagem: O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, neste domingo em Brasília. Ricardo Stuckert/Presidência do Brasil]
Vozes de especialistas explicam ao elDiario.es que reverter as políticas ambientais de Bolsonaro será fundamental para o Brasil reconquistar o respeito internacional, mas alertam para as dificuldades devido a interesses conflitantes e ao histórico misto do atual presidente
Horas depois de Luiz Inácio Lula da Silva vencer o segundo turno das eleições , Noruega e Alemanha anunciaram a reativação dos investimentos do Fundo Amazônia. As contribuições dessa instituição, dedicada ao cuidado do meio ambiente, haviam sido suspensas por tempo indeterminado após o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. “A Noruega espera revigorar a ampla parceria climática e florestal com o Brasil”, anunciou o ministro norueguês do Meio Ambiente, Espen Barth Eide, na segunda-feira após o segundo turno.
A decisão da Noruega tem uma explicação. No primeiro mandato de Lula, o Brasil inaugurou um plano para controlar o desmatamento na Amazônia Legal, ou seja, a área formada por nove estados brasileiros e que cobre quase 60% do território. O programa criado por decreto presidencial em 2003 uniu 13 ministérios para combater o desmatamento e os crimes ambientais. "A inovação consistiu em criar 'unidades de conservação', para promover o uso sustentável dos recursos naturais e o respeito às comunidades tradicionais que vivem na área", explica Claudia Gaigher, jornalista especializada em meio ambiente e desenvolvimento social sustentável e autora do livro livro ' Diário de um repórter no Pantanal '.
Uma década após a chegada de Lula ao poder, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou a menor taxa de desmatamento da história da Amazônia. A então ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, chegou a dizer com otimismo que o desmatamento havia passado de um pico de 27 mil quilômetros quadrados em 2004 para 6.418 em 2012.
Luiz Inácio Lula da Silva com a Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em imagem de arquivo. Fernando Bizerra/EFE
Após quatro anos de Bolsonaro, a volta de Lula inaugura um novo momento na política ambiental do país. O desafio será recuperar os anos perdidos e ampliar os limites dos três mandatos anteriores do Partido dos Trabalhadores (PT). “O sinal é de esperança e ilusão para os ativistas ambientais. É uma redefinição da política ambiental em um sentido amplo. Também o protagonismo que o país sempre desempenhou nesse campo em nível internacional”, diz Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório Brasileiro do Clima.
O novo presidente do Brasil conhece símbolos. É por isso que ele escolheu sua primeira visita ao exterior como presidente eleito para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em novembro passado. Na COP27 no Egito, Lula selou seu compromisso com os povos indígenas, ativistas ambientais e diversos atores internacionais. Nesse sentido, o novo presidente cumpriu a promessa de criar um Ministério dos Povos Indígenas, que será liderado pela liderança indígena Sonia Guajajara .
O petista sabe que uma política ativa no combate às mudanças climáticas também é uma forma de o Brasil retomar a liderança mundial. “Para Lula, o meio ambiente será a questão-chave para restaurar a reputação do Brasil no cenário internacional”, diz Hayley Stevenson, diretora de programas de pós-graduação em Estudos Internacionais da Universidade Torcuato Di Tella e autora de ' Global Environmental Politics '. Lula sabe que o Brasil é parte essencial para resolver a crise climática planetária.
Restaurar a confiança
"O Brasil está de volta." Essas três palavras saíram da boca de Lula, mais de uma vez, em discurso para dezenas de seguidores na cidade de Sharm el-Sheikh, no Mar Vermelho, em novembro passado. A segurança das Nações Unidas teve que fechar as portas de uma sala cheia de gente esperando para ouvir o próximo presidente do Brasil.
As expectativas são altas após anos de um presidente que negou as mudanças climáticas como Jair Bolsonaro. O ex-líder do Brasil chegou à presidência com a promessa de eliminar diversas regulamentações ambientais que eram consideradas um freio ao desenvolvimento. “Ele enfraqueceu o Ministério do Meio Ambiente, cortou seu orçamento, nomeou um ministro com uma agenda antiambiental e transferiu a autoridade de monitorar o desmatamento para o Ministério da Agricultura. Muitos regulamentos ambientais foram eliminados e o sistema de multas por violação de regulamentos ambientais não foi mais aplicado”, lista Stevenson.
Mas Bolsonaro tentou na campanha reverter os anos ruins de gestão por meio de seu discurso. “Durante o governo Lula, foi feito o dobro do desmatamento do que no meu”, disse Bolsonaro ao candidato do PT em um debate presidencial em outubro passado. Bolsonaro pediu à plateia que fizesse uma pesquisa na internet. “Pesquise: 'desmatamento de 2003 a 2006', nos quatro anos de governo Lula. Então procure por 'desmatamento de 2019 a 2022'”, desafiou o então presidente.
Para quem quiser tentar, a curva é clara: Lula chegou ao governo em 2003 com mais de 25 mil quilômetros quadrados de desmatamento, que conseguiu diminuir progressivamente a cada ano, até chegar a 4.500 quilômetros quadrados em 2012, um recorde histórico. . Essa mesma curva se recuperou fortemente a partir de 2019, quando Bolsonaro chegou ao governo: começou aquele ano com 7.536 e terminou com 11.568 quilômetros quadrados de desmatamento, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Manifestante com fantasia de Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro, em 5 de novembro de 2019. Marcelo Sayão/EFE
“A maior conquista dos governos do PT foi a redução do desmatamento na Amazônia em 83% entre 2004 e 2012. Depois começou a aumentar um pouco, mas sempre longe da tragédia que resultou do governo Bolsonaro”, explica. Araújo. Nos últimos quatro anos, Bolsonaro priorizou o extrativismo em detrimento da política ambiental e negou a ameaça climática. Para o especialista em políticas ambientais, já foi até o próprio Ministério do Meio Ambiente quem defendeu no Congresso uma pauta que implicava um retrocesso na legislação ambiental. Bolsonaro não só nega as mudanças climáticas, segundo Araújo: também não aceita política ambiental ou "manter a floresta em pé".
O aumento do desmatamento na Amazônia Legal ultrapassou 12,2 mil quilômetros quadrados em 2022, enquanto em 2012 não chegou a 5 mil quilômetros quadrados, segundo monitoramento por satélite do desmatamento . A Amazônia contém quase 30% das espécies conhecidas de flora e fauna do planeta em seus 5,5 milhões de quilômetros quadrados. Sua preservação é fundamental não só para o Brasil, mas para o equilíbrio ambiental no mundo.
Felipe Milanez, professor da Universidade Federal da Bahia e coordenador do grupo de trabalho Ecologia Política do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais, vai além. Para Milanez, Bolsonaro tem sido associado ao crime organizado que extrai recursos da Amazônia. “Bolsonaro se associou às milícias que atuam na extração ilegal de ouro, que no Brasil chamamos de garimpeiro. Também com organizações madeireiras ilegais, as mesmas milícias que mataram o ativista indígena brasileiro Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips na Amazônia. Bolsonaro tem intensificado a criminalidade extrativista em associação com o Estado”, diz Milanez.
Floresta queimada em Careiro Castanho, Amazonas, em 6 de setembro de 2022. Raphael Alves/EFE
A distância entre os anos de gestão Bolsonaro e Lula são abismais. Em seu primeiro mandato, Lula indicou Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente, que criou grupos de trabalho entre a sociedade local, instituições públicas e representantes empresariais para pensar projetos relacionados ao meio ambiente. Após 20 anos, Marina Silva é novamente ministra do Meio Ambiente do Brasil. O anúncio da nomeação de Silva, histórico rival eleitoral de Lula, é considerado um sinal da política de ampla concordância do novo presidente.
Mas o caminho não é fácil para o novo governo. “Não será fácil reconstruir as instituições para investigar os canais da economia ilegal, promovida nos últimos seis anos, antes mesmo de Bolsonaro mas intensificada por ele. Este é um grande desafio para o próximo governo e para a sociedade brasileira em geral, que é, de certa forma, retomar o controle do Estado de Direito no país”, diz Milanez.
Além de Lula
Mas além de reverter a gestão de Bolsonaro, o novo governo terá como desafio o crescimento econômico. “Os anos Lula mostraram uma política ambiental com as contradições típicas de um país extrativista da agromineração. Lula administrou em excesso a exploração de matérias-primas”, diz Milanez.
Presidente Lula da Silva com a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no dia 29 de dezembro em Brasília. André Borges/EFE
Para Suely Araújo, o governo Lula teve conquistas importantes nas questões relacionadas ao meio ambiente, mas também gerou polêmica em algumas decisões. "O governo anterior do PT deixou fortes marcas na implantação de uma visão desenvolvimentista que acabou priorizando o desenvolvimento econômico em detrimento da proteção ambiental", diz o especialista, que relembra a construção da barragem de Belo Monte , usina hidrelétrica localizada na no estado do Pará, projeto bastante questionado pelo impacto socioambiental negativo que causou.
Da chegada de Lula em 2003 a 2023, duas décadas se passaram. Por isso, alguns analistas percebem um aprendizado do presidente nas reivindicações ambientais. “Tenho certeza que o presidente vai trabalhar muito para isso, porque parte do governo dele depende disso, ele está apostando politicamente na questão climática”, diz Araújo.
O ambiente como porta para o mundo
Na abertura da última cúpula de líderes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e ativista contra as mudanças climáticas, citou Lula da Silva: “O povo brasileiro optou, há poucos dias, por parar destruindo a Amazônia”.
A volta do PT é vista, não só internamente, mas internacionalmente, como um respiro para o meio ambiente. Também como forma do Brasil voltar ao mundo, após quatro anos de isolamento.
“No governo Bolsonaro, o país passou a ser tratado como uma espécie de pária. Nas reuniões, Bolsonaro usou o meio ambiente quase como uma chantagem: “Se vocês não me derem recursos, eu vou degradar a floresta”. E isso repercutiu muito negativamente na esfera diplomática. O Brasil virou uma espécie de pária”, diz Suely Araújo.
Durante o primeiro ano do mandato de Bolsonaro, a comunidade internacional ficou horrorizada com as imagens da Amazônia em chamas. “Todos os anos há incêndios, mas em 2019 vimos o maior número em 10 anos. No contexto de impunidade que caracterizou a gestão de Bolsonaro, não foi surpreendente, mas muito preocupante, dada a importância da Amazônia para a absorção de dióxido de carbono e regulação dos sistemas climáticos”, diz Stevenson.
Nos anos do PT, o Brasil manteve uma posição ativa nas negociações climáticas internacionais. “No cenário internacional, podemos esperar uma postura muito mais cooperativa e proativa sob Lula, mas isso não significa que será fácil restaurar todas as proteções perdidas sob Bolsonaro. Há fortes interesses em expandir a indústria agrícola em detrimento da conservação ambiental”, diz Stevenson.
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