terça-feira, 23 de maio de 2023

BRICS: reflexões de Dmitry Rozental e Olga Volosyuk sobre o futuro da cooperação

Especialistas russos Olga Volosyuk e Dmitry Rozental compartilham suas visões sobre os desafios e oportunidades do BRICS em palestra na UFRJ, 22 de maio de 2023 (Foto: Fundo de Diplomacia Pública Alexander Gorchakov)

Acadêmicos russos estão no Brasil em evento inédito organizado pela Fundação Alexander Gorchakov de Diplomacia Pública

Por Leonardo Sobreira

Rio de Janeiro, 22 de maio (247) - O professor Dmitry Rozental, diretor do Instituto de América Latina da Academia de Ciências da Rússia, e a professora Olga Volosyuk, chefe da Escola de Estudos Regionais Internacionais, compartilharam suas perspectivas sobre os desafios e oportunidades que cercam o formato BRICS em um evento inédito na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A iniciativa de trazer os especialistas russos para o Brasil é da Fundação Alexander Gorchakov de Diplomacia Pública, uma instituição renomada na Rússia, dedicada à promoção de estudos e pesquisas em relações internacionais e diplomacia. Seu principal objetivo é fornecer uma plataforma para o diálogo e a troca de conhecimentos entre especialistas, acadêmicos e profissionais na área de política externa. Através de conferências, seminários e eventos, a Fundação busca fomentar discussões e debates construtivos sobre as principais questões internacionais, desempenhando um papel relevante na promoção do entendimento mútuo e do desenvolvimento de soluções para os desafios globais.

Em suas falas, ambos os especialistas destacaram a importância de buscar resultados concretos e superar as contradições existentes dentro do formato BRICS.

Rozental começou apontando que o BRICS está passando por um momento difícil, com a falta de acordos concretos e a instabilidade política em países como Rússia, Brasil e África do Sul. Ele ressaltou a importância de alcançar metas claras e tangíveis, que infelizmente não foram plenamente obtidas até o momento.

No Brasil, tanto a ex-presidente Dilma Rousseff quanto o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, consideram o BRICS como uma ponte entre o Ocidente e os países em desenvolvimento, enfatizando que não se trata de uma aliança confrontacional. No entanto, Rozental observou que a polarização na sociedade brasileira fez com que o Brasil mudasse sua atitude em relação ao BRICS.

As contradições em crises como a da Venezuela, a pandemia de Covid-19 e a crise na Ucrânia também foram mencionadas por Rozental. Ele destacou o apoio da Rússia ao presidente Nicolás Maduro na Venezuela durante a crise de 2019 naquele país, enquanto o Brasil adotou uma posição contrária a Caracas. Além disso, ele mencionou os problemas acerca da inclusão da Argentina e do Irã no BRICS. No caso do país sul-americano, a crise econômica está se acentuando, enquanto no caso do país persa, há o risco de o bloco passar a adotar uma postura radicalmente anti-americana.

Sobre a proposta de moeda comum, defendida pelo próprio presidente Lula, Rozental afirmou que ainda está longe de ser implementada e que a prioridade atual é manter o status quo e normalizar as relações entre os países membros. Ele destacou a importância de ações conjuntas, como lidar com crises alimentares e econômicas, promover a cooperação tecnológica para reduzir a dependência em relação às potências ocidentais e estabelecer um sistema de pagamento próprio.

Em relação à política externa brasileira, Rozental apontou um dualismo sob o governo Bolsonaro. O então presidente se manteve em silêncio sobre a crise ucraniana, enquanto o Ministério das Relações Exteriores condenou certas questões. Já Lula, de acordo com Rozental, busca equilibrar as relações com Estados Unidos, China e Rússia. Além disso, Lula afirmou que os países ocidentais também compartilham responsabilidade pela crise na Ucrânia. Rozental também avaliou ser improvável que Rússia e Ucrânia aceitem uma solução pacífica no curto prazo, como tem defendido Lula.

No que diz respeito à cooperação, Rozental mencionou o comércio de 10 bilhões de dólares entre o Brasil e a Rússia e destacou a importância de expandir a colaboração nas áreas de energia, espaço e transformação digital.

Por sua vez, Olga Volosyuk trouxe uma perspectiva ampla sobre a cooperação no BRICS, com ênfase no papel da China nesse contexto. Ela destacou que a China vê o formato como um instrumento de diplomacia multilateral e cooperação, buscando a transformação abrangente do sistema internacional em direção a um equilíbrio sustentável. Além disso, ela ressaltou que a economia chinesa é significativamente maior do que a dos outros países do BRICS, e isso está diretamente ligado à implementação da Iniciativa do Cinturão e Rota, sendo vista por Pequim como a única maneira de avançar o mecanismo do BRICS.

No entanto, Volosyuk também mencionou que a Índia tem dificultado a expansão do BRICS, buscando uma maior aproximação com os Estados Unidos. Segundo ela, a China precisa "fechar os olhos" para seu conflito terrritorial com a Índia, a fim de impulsionar o desenvolvimento do BRICS. Ela ressaltou a importância de encontrar um equilíbrio entre igualdade e eficiência no BRICS, com a China enfatizando a busca pela "média dourada" nesse sentido.

No caso da Índia, Volosyuk destacou a importância que Nova Delhi concede à estabilidade das cadeias de fornecimento globais e a ênfase em evitar confrontos com o Ocidente. Ela enfatizou que a Índia acredita que a ordem mundial do BRICS será dominada pela China e que o Novo Banco de Desenvolvimento é uma iniciativa importante de contrapeso nesse contexto.

Além disso, a professora mencionou joint ventures de exploração de petróleo e geração de energia entre a Índia e a Rússia em países como Moçambique e Nigéria. Ela destacou a importância de evitar rivalidades com a China dentro do formato do BRICS, ao mesmo tempo que enfatizou que o Brasil possui uma importância estratégica crescente nesse contexto. Por fim, ressaltou o papel da África do Sul como uma ponte para o resto do continente africano.

Quanto à Rússia, Volosyuk enfatizou o objetivo de desenvolver uma nova ordem mundial, desde que sejam estabelecidos critérios para a expansão do BRICS. Ela destacou a importância da cooperação com outras organizações regionais, como a União Africana e a Liga Árabe. Além disso, mencionou a relação entre a União Econômica Eurasiática e o BRICS. Ela previu uma expansão e maior cooperação com outras organizações regionais, enfatizando que esse é um momento crucial para o futuro do BRICS.

Em sua jornada pelo Brasil, os acadêmicos passarão ainda por Porto Alegre, onde ministrarão palestras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Feito isso, seguirão para o destino final de Foz do Iguaçu, onde falarão na Universidade Federal da Integração Latino-americana.

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