quinta-feira, 13 de julho de 2023

A reforma tributária e a volta da política

Fontes: Revolta / Socialismo e Democracia [Imagem: Manifestações de alegria dos promotores da reforma tributária brasileira aprovada na Câmara dos Deputados em 6 de julho de 2023. Créditos: Lula Marques/Agência Brasil]

Por Fernando de la Cuadra
https://rebelion.org/

Neste artigo, o autor identifica na aprovação da reforma tributária, viabilizada graças à capacidade de fazer política do governo Lula, uma grande derrota do bolsonarismo e o princípio do 'retorno da política'.

A aprovação contundente da reforma tributária na Câmara dos Deputados deixou as forças de Bolsonaro mais enfraquecidas, mesmo divididas entre as diversas facções que surgiram após aquela mesma derrota. Talvez este seja um momento singular para pensar o início da decadência da extrema-direita brasileira. A rigor, a necessidade dessa reforma tributária vinha sendo discutida há muito tempo, praticamente junto com a promulgação da Constituição de 1988, ou seja, há 35 anos.

Sem entrar nos detalhes do complexo articulado dessa reforma, a maioria dos especialistas aponta para o fato de que o sistema tributário ficará menos oneroso para todos os contribuintes após a integração dos múltiplos tributos existentes atualmente, em nível nacional. Municipal. Estima-se que tal permita uma recuperação da economia nacional a médio prazo, segundo as previsões dos economistas. A reforma também inclui -numa segunda etapa- um aumento na valorização de grandes fortunas e heranças, com o que o Estado espera arrecadar mais recursos que poderia destinar a políticas sociais que são essenciais para incluir vastos setores da população e também para melhorar a situação laboral e salarial dos trabalhadores.

Numa tentativa desesperada de rejeitar a reforma, Bolsonaro e seus seguidores tentaram associar sua discussão a uma perspectiva ideológica esquerdista e petista, ignorando o grupo de atores políticos, sociais e empresariais que defendiam sua aprovação. Bolsonaro e a maioria de seus correligionários do Partido Liberal optaram por se opor ao projeto de reforma motivados quase que exclusivamente por sua animosidade ao governo, subtraindo do debate político e técnico da proposta a ser votada. Perderam desastrosamente e agora precisam se recuperar da derrota por meio da negociação política, algo impensável há alguns meses, quando contavam com a mera desqualificação do adversário (ou inimigo) para impor sua agenda econômica ultraliberal.

Ao contrário, Lula e seus ministros da área política e econômica optaram por negociar com o grupo de partidos de oposição moderados ou pragmáticos que compõem o Congresso, mantendo um diálogo permanente tanto na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara quanto em outras instâncias de caráter programático. debate[1]. Esse processo reposicionou a importância da política na condução de questões essenciais para melhorar a vida da população, após anos em que parte significativa dos moradores renegaram a política e a transformaram em uma espécie de ambiente lotado de criminosos. cofres públicos e impostos dos contribuintes. De fato, os partidários do ex-capitão têm se caracterizado pelo desprezo à classe política e às instituições republicanas,

Não demorou muito para que essa concepção de país fosse imposta pela força das armas e pelo despotismo reacionário promovido por Bolsonaro e suas hordas, quando em ação planejada desde a derrota nas urnas, resolveram invadir a sede dos Três Poderes em a 8 de Janeiro na pendência da mobilização das Forças Armadas. Junto com eles, os vários Policiais e Milicianos, advertidos e concertados, dariam um Golpe de Estado contra o recém-instalado governo de Lula da Silva que, segundo o sedicioso, "limparia definitivamente o país daquela praga de corruptos e exploradores comunistas"[2].

Essa visão que se estruturou em bases ideológicas radicais, sem capacidade de dialogar em um ambiente pluralista -muito menos de construir qualquer tipo de consenso-, é a que agora está sendo superada com os esforços do governo para estabelecer uma linha de diálogo permanente com todos os atores políticos e da sociedade civil que estejam dispostos a dialogar sobre os diversos planos, programas e projetos contemplados na carta de navegação do governo ou sobre temas relacionados às ações urgentes de políticas públicas e sociais que o país requer.

Desde que iniciou sua vida como parlamentar na década de 1990, o ex-militar Bolsonaro denegriu a atividade política, conferindo a si mesmo o título de representante do povo fora do establishment político, negando sua própria atuação como legislador no Congresso Nacional por mais de trinta anos. . Com um discurso simplista e "antipolítico", o deputado Jair aumentou sua influência junto ao eleitorado, aproveitando-se da crise generalizada que assolava o país. Apresentou-se como alternativa a políticos desonestos e empresários sem escrúpulos para se colocar como uma espécie de salvador da pátria diante do acúmulo de calamidades e misérias que angustiava a população brasileira.

Tal discurso foi introjetado em eleitores cansados ​​e com pouca capacidade crítica que viam no ex-capitão uma saída para suas frustrações e uma solução para o esvaziamento e esbanjamento dos cofres fiscais e dos recursos nacionais por uma “turma de parasitas” que só buscava seu benefício pessoal. Nesse cenário desastroso, o surgimento de uma pessoa que se apresentava como “fora do sistema” acabou deslumbrando uma parcela expressiva do eleitorado que, negando o espaço da política, o elevou em 2018 ao status de primeiro presidente.

A partir de uma narrativa crivada de mentiras e promessas messiânicas, Bolsonaro forjava um projeto de extrema direita que apontava sua devastadora bateria contra as instituições da República, o Estado Democrático de Direito, a esquerda e demais setores da oposição, as universidades, a imprensa e, enfim, contra a política como peça fundamental para debater e resolver os problemas do país.

Dessa forma, o protagonismo da política volta como valorização da disputa legítima para resolver as discrepâncias e as diferentes visões que se têm sobre a nação. Nesse sentido, o atual Executivo brasileiro tem apostado na geração de acordos políticos que visem aumentar a governabilidade e implementar aquelas políticas públicas que permitam à população alcançar uma melhoria na sua qualidade de vida. E assim consolidar o isolamento da extrema direita que, historicamente, tem se alimentado de crises sistêmicas e do descontentamento acumulado entre os cidadãos.

Notas

[1] A proposta agora deve ser discutida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para depois seguir para votação no Plenário. Se aprovada sem alterações, a Reforma Tributária finalmente entra em vigor. A expectativa é que isso ocorra entre outubro ou novembro deste ano.

[2] Atualmente, muitos dos invasores que participaram desses eventos deploráveis ​​em janeiro estão detidos e sendo julgados por vários crimes, como atentado ao Estado Democrático de Direito, invasão de patrimônio público e destruição do patrimônio nacional. Ainda é preciso saber detalhadamente quem instigou, projetou e financiou a invasão dos prédios localizados na Praça dos Três Poderes em Brasília.

Fernando de la Cuadra é doutor em Ciências Sociais, editor do blog Socialismo y Democracia e autor do livro De Dilma a Bolsonaro: itinerário da tragédia sociopolítica brasileira (editorial RIL, 2021).

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