quarta-feira, 9 de agosto de 2023

A abolição da Renda de Cidadania na Itália é um chute na cara da vida e da dignidade dos pobres

Fontes: Sem permissão

Por Michele Franco
https://rebelion.org/

“As 169.000 mensagens de texto que o INPS enviou para os smartphones dos beneficiários do Renda de Cidadania [subsídio condicional para os pobres, apesar de o nome poder confundir. NdR] fazem mais barulho na sombra do Vesúvio do que em outros lugares.

O temido efeito da “bomba social” infelizmente chegou, e os protestos dos cidadãos em Nápoles e sua província estão fluindo. De fato, 37.000 dessas mensagens referem-se à Campânia. Mais da metade, 21.500, foram direcionados a cidadãos de Nápoles e arredores.

O corte de renda, na região com maior número de beneficiários, tem lançado os ofícios, assaltados por milhares de cidadãos que buscam esclarecimentos sobre as novas modalidades de acesso ao benefício.

Há momentos de tensão, inclusive com agressões verbais contra funcionários do INPS e assistentes sociais, tanto que ontem o Conselho Municipal de Assistência Social solicitou e obteve do Conselho de Segurança Antonio De Iesu a presença da Polícia de Trânsito.

Cerco de Fuorigrotta em Scampia, até a sede do InPS na via De Gasperi: ontem, para acalmar as coisas, a polícia teve que intervir.

Somando-se ao clima já escaldante está o impasse burocrático: muitos benefícios para cortar antes do prazo de 1º de agosto. Resultado: "Só em Nápoles, cerca de 20.000 pessoas com direitos correm o risco iminente de perder o subsídio de 350 euros por mês", explica Luca Trapanese, Conselheiro para o Bem-estar do Palazzo San Giacomo.

Esta é a nota do jornal " il Mattino " de sábado, 29 de julho, que descreve o efeito que a covarde decisão do Governo de Meloni de colocar em risco a vida, a dignidade, a esperança e a sobrevivência de dezenas de milhares de famílias que na Campânia, no sul, mas também nas áreas periféricas de outras cidades da Itália sobrevivem em parte graças à Renda de Cidadania.

As instituições locais -os municípios em primeiro lugar- dizem-se "preocupadas" e declaram não ter ferramentas, fundos e estruturas para iniciar percursos de formação/trabalho e tentam descarregar as responsabilidades desta situação no INPS.

Nenhum dos prefeitos, os diferentes conselheiros trabalhistas ou os próprios presidentes da Região (com Vincenzo De Luca e Michele Emiliano na vanguarda da negação dessas formas de agitação social) -nestes anos de aplicação do RdC- havia agido para constroem as condições para a criação de empregos limpos, socialmente úteis e, por fim, ligados às modernas morfologias sociais dos seus territórios, a começar pelas ambientais.

Todos, nestes anos, têm concorrido para estigmatizar e criminalizar os destinatários, para vivissectar - desde as confortáveis ​​poltronas ou nos diversos talk shows mediáticos - esta ou aquela pessoa que a considere mais ou menos compatível/meritória com tal medida ou (quando quis interpretar uma espécie de "função pró-ativa") limitam-se a invocar o costumeiro golpe de "cortar a alíquota" para as empresas ou reivindicar alguma Zona Econômica Especial onde -com direitos negados e cortes salariais- se iludem conscientemente alegando que estão determinando emprego e crescimento social.


A realidade é que o Governo, os grandes formadores de opinião da comunicação tendenciosa do capital, mas também a desastrosa “subcultura de esquerda” (baseada em categorias como “o mérito e a possibilidade democrática de todos se integrarem aos aparatos do mercado”) , prepararam e acompanharam uma feroz e classista “guerra contra os pobres”. Que agora adquire formas visíveis...

Milhões de pessoas (estes são os números fornecidos por pesquisas estatísticas oficiais) não apenas são negadas uma "instituição civilizatória" elementar (presente em muitos países da própria União Européia), mas são submetidas ao assédio da mídia com o objetivo declarado de culpabilizar e humilhando-os por seu status social.

Uma demonstração flagrante desse clima político alucinante foi ontem a provocação dos Fratelli d'Italia (Irmãos da Itália, partido de extrema-direita do primeiro-ministro Meloni) que querem, inclusive, criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito contra o ex-presidente do INPS, Pasquale Tridico, apontando-o como o líder de algumas medidas sem especificar que teriam favorecido o desperdício, o bem-estar e tudo mais.

Não se trata, portanto, de afirmar que estamos diante de uma verdadeira operação feroz do darwinismo social que tenta - explicitamente - impedir o crescimento de uma demanda coletiva de resgate e renascimento social, favorecendo, ao contrário, uma maior fragmentação e divisão fratricida entre trabalhadores, desempregados e precários de diversas naturezas.

Defesa social e luta

Nos últimos meses temos registado pouca atenção e disposição de mobilização por parte dos beneficiários do Renda de Cidadania, apesar dos reiterados anúncios por parte do Governo e da consequente contra-informação que os sindicatos militantes e forças políticas independentes tinham iniciado, no entanto, para informar e convocar esses setores sociais à luta para alertá-los sobre a poderosa ofensiva antissocial que se anuncia.

Este fato, que muitas vezes tem causado espanto entre os próprios militantes políticos e sociais, não se deve apenas às dificuldades políticas e materiais que trabalhadores e setores populares apresentam nesta fase por meio de uma forma de letargia social sobre a qual, no entanto, uma análise mais detalhada por organizações alternativas é urgente.


Na realidade, esse cenário é infelizmente derivado do curso político geral e desastroso do Movimento 5 Estrelas, que tem sido percebido pelos setores populares como o sujeito que mais tem contribuído para a institucionalização da RdC.

As tentativas culturais e políticas, os apelos à mobilização invocados e depois reduzidos a nada ou -como ocorre na ação institucional do M5E- esvaziados da incoerência política e programática de Grillo, Conte e seus epígonos, rasgaram as asas do crescimento de um movimento de luta autoconfiante.

Por fim, mas não menos importante, os beneficiários desta medida têm experimentado o instrumento Renda de Cidadania não como uma conquista social/sindical a defender em caso de questionamento, mas como uma espécie de “doação única” que também pode ser interrompida repentinamente.

Este fato social afetou -na opinião dos analistas-, pelo menos nos últimos meses, a possibilidade de construir uma barreira organizacional no tempo e lutar contra qualquer tentativa de abolir a RdC e manipular o que resta do Estado de bem-estar.

Muitos dos beneficiários da RdC têm-se comportado com a desastrosa autoconvicção “ vamos que eu consiga ”. ou – querendo citar o mouro de Tréveris – moveram-se com “ a lógica do esforço mínimo ”.

Obviamente – para já – não podemos prever se o envio de SMS por parte do INPS e a relativa suspensão do RdC a partir de finais de julho de 2023 funcionará como um estímulo objetivo para uma recuperação do protagonismo social na direção de uma sociedade mais condições de vida eficientes e organizadas.

O que é interessante destacar, na situação que se está criando, é a possível função das massas que devemos exercer nos territórios, entre os setores sociais subordinados e no complexo de contradições sociais que nas próximas semanas poderão se acentuar ou tomar as formas endêmicas de uma rebelião “sensacionalista”.

Segunda-feira, 31 de julho – em Nápoles – o Potere al Popolo convocou um Presidio na sede do Inps na Via De Gasperi para representar o mal-estar geral dos afetados por este corte governamental e para relançar a batalha em defesa da Renda de Cidadania, para afirmar novos e formulários extensos do Estado Previdenciário e solicitar um Salário Mínimo de pelo menos 10 euros por hora

Nos próximos dias, protestos e mobilizações territoriais são anunciados por aqueles que estão recebendo o famigerado SMS do Governo Meloni.

Obviamente estaremos presentes em todas as expressões deste variado descontentamento social, defendendo uma linha de conduta política que deve visar a articulação deste protesto, a sua mais ampla generalização territorial e a construção de inéditas e necessárias formas de unidade e luta para um novo Movimento Operário.

Michele Franco é redatora da revista eletrônica comunista italiana Contropiano.org.


Tradução: Henrique Garcia

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