segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Grafton, a cidade americana tomada pelo "libertarianismo" que sofre sequelas até hoje

A cidade foi escolhida em razão da quantidade de habitantes e da facilidade de influência que o grupo poderia exercer.Créditos: Reprodução

Com o intuito de defender a ideologia política, um grupo de pessoas que se instalou na cidade causou problemas de administração pública em todas as áreas


Grafton, uma cidade do estado de New Hampshire, nos Estados Unidos, foi alvo de adoção de medidas políticas sem precedentes no início do ano 2000.

Um grupo de pessoas se instalou na cidade e perpetuou um pensamento ligado ao "libertarianismo", pregando que a sociedade local seria capaz de autorregular-se e incentivando medidas como a redução de impostos e regras fiscais.

O intuito era de provar que a ação governamental era opressiva, desnecessária e produzia pobreza na cidade, gerando insatisfação por parte dos cidadãos e iniciando uma mudança na estrutura social e econômica da cidade.

Alguns anos após o início do experimento, Grafton sucumbiu com os serviços públicos deteriorados, altos índices de violência e crime e ataques constantes de ursos-negros aos moradores.

O "Projeto Cidade Livre" queria demonstrar que era possível mudar a sociedade a partir de um viés libertário e utópico, de acordo com o jornalista americano Matthew Hongoltz-Helting.

O libertarianismo e o anarquismo são ideologias políticas muito semelhantes, onde o sujeito rejeita quaisquer ações do Estado, percebendo-as como opressões, e acredita que o poder estatal e a burocracia deveriam ser extintos, uma vez que defendem a liberdade do indivíduo em estabelecer suas próprias regras e processos, contanto que não atinja a liberdade do outro.

Nos Estados Unidos, esse tipo de corrente política é muito forte, algo possível de notar no discurso de Thomas Jefferson, por exemplo, que foi o 3º presidente do país e um dos signatários da Declaração da Independência.

“O melhor governo é aquele que menos governa”, afirmou Thomas Jefferson.

A escolha do grupo de libertários pela cidade de Grafton também não foi por acaso, como comenta Matthew, uma vez que ela possuía um candidato a governador adepto ao viés político vivendo no município e sua pequena população de 1000 habitantes poderia ser facilmente influenciada por poucas pessoas que defendem o libertarianismo.

“E, finalmente, Grafton tinha um profundo histórico de rebelião contra autoridades. No final do século 18, ela votou pela separação do recém-constituído Estados Unidos por razões fiscais. Muitos dos seus habitantes exerceram desobediência fiscal [não pagaram impostos]”, comenta Matthew.

A maioria da população que se identificava como libertários e foi morar na cidade após a mudança política eram homens brancos, solteiros e que defendiam o porte de armas. Alguns deles possuíam bastante dinheiro.

As ideias impostas na cidade almejavam, principalmente, a diminuição de impostos e mais dinheiro para os cidadãos, o que nãlio se concretizou, uma vez que o orçamento destinado à segurança pública e educação foi remanejado, mas os moradores continuavam pagando impostos, com diferença de 70 centavos em relação à cidade vizinha de Canaan, que possuía ruas asfaltadas e iluminação, algo que foi quase extinto de Grafton.

A biblioteca municipal só podia ficar aberta durante 3 horas por dia e a polícia tinha orçamento para pagar apenas um agente em tempo integral. Além do aumento da criminalidade, ursos começaram a atacar os moradores.

“Muitos dos libertários que viviam na floresta não seguiam as recomendações sobre a eliminação de resíduos, o que criou uma fonte fácil de alimento para os ursos. Em segundo lugar, alguns dos libertários começaram a alimentar ursos, da mesma forma que outros alimentam pássaros ou esquilos no seu quintal. Isso atraiu os animais para áreas residenciais", relata o jornalista.

A cidade ainda foi relutante em chamar as autoridades regionais a fim de resolver a situação e as pessoas tentavam afastar os ursos de maneiras ineficazes, como com a utilização de fogos de artifício. Aos poucos, os ursos ficaram interessados nos seres humanos como fonte de alimentos e até deixaram de hibernar.

Em 2016, boa parte dos libertários deixaram a cidade. A partir de então, mesmo sem o aumento dos orçamentos a fim de reestabelecer a estrutura pública da cidade, o local ficou mais calmo e sem novos ataques de ursos.

O jornalista Matthew afirma que, embora problemática, a organização dos libertários aconteceu democraticamente, uma vez que o restante dos cidadãos não tiveram uma oposição tão bem organizada para combatê-los. Eles ainda agiram dentro do Estado de Direito, o que não trouxe razão para as autoridades intervirem no processo.

“Para mim, os libertários têm responsabilidade moral, mas não legal, pelo que aconteceu às pessoas que foram atacadas por ursos”, comenta Matthew.

*Com informações da BBC

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