segunda-feira, 15 de julho de 2024

Instituições disfuncionais garantiram ascenso e manutenção da quadrilha militar-bolsonarista no poder

Bolsonaro com militares, fachada do TSE e urna eletrônica (Foto: Fernando Frazão/ABr | Roque de Sá/Agência Senado | Edilson Rodrigues/Agência Senado)

'Mentores do assalto ao poder, integrantes das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas precisam ser levados aos tribunais', escreve o colunista Jeferson Miola

Jeferson Miola

Dia após dia a sociedade brasileira é horrorizada com os crimes e ilícitos praticados em série pela quadrilha que esteve no poder durante quatro anos, desde o primeiro dia de 2019 até o último dia de 2022.

É provável que vários dos inúmeros crimes sequer sejam descobertos, e talvez o país jamais venha a conhecer a verdade sobre todas ilicitudes do governo fascista-militar presidido por Bolsonaro, da mesma maneira que até hoje ainda perduram sombras sobre as atrocidades da ditadura.

O ascenso dessa quadrilha ao poder não foi um mero acidente de percurso. E, menos ainda, uma fatalidade inevitável.

A chapa militar Bolsonaro-Mourão foi eleita à presidência do Brasil e se manteve quatro anos no poder cometendo crimes em série por não encontrar resistências nas instituições disfuncionais da República, algumas claramente corrompidas.

Por instituições entenda-se as polícias e os ministérios públicos das esferas federal e estadual, em especial do estado do Rio de Janeiro; o Congresso Nacional; o judiciário em todas as instâncias; organizações patronais e a mídia neoliberal.

A captura das instituições para propósitos políticos, ideológicos e pessoais/materiais, cujo ápice foi o Estado de Exceção da Lava Jato, mostrou-se tão ilegal quanto trágica para o país.

As instituições falharam em não prevenir, em não reprimir e em não punir as condutas criminosas, mesmo tendo conhecimento delas.

A tolerância e a complacência com práticas aberrantes, que jamais poderiam ser naturalizadas e aceitas numa sociedade republicana e democrática, deixaram livre o caminho para o avanço fascista.

Com alguns passos atrás no tempo é possível se reconstituir um conjunto de eventos que comprovam que, sem a instrumentalização e o direcionamento das instituições contra Lula e o PT, o Brasil não teria caído no precipício em que suas oligarquias o jogaram, permitindo o ascenso do extremismo fascista ao poder:

1. no dia 29 de novembro de 2014 Jair Bolsonaro lançou sua candidatura à presidente para a eleição de 2018. O ato político aconteceu no pátio da AMAN, Academia Militar das Agulhas Negras, durante cerimônia de formatura de aspirantes a oficial.

Na ocasião, a AMAN era comandada pelo atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, que permitiu a realização de comício político-partidário na instalação militar, fato que configura grave ofensa à legalidade e ao poder civil;

1. nos anos de 2015 e 2026 os generais Sérgio Etchegoyen e Eduardo Villas Bôas, nomeados pela presidente Dilma respectivamente como Chefe do Estado Maior e Comandante do Exército, traíram-na e se reuniam secretamente com Temer para conspirarem contra ela.

A cúpula partidarizada do Exército Brasileiro, instituição de Estado capturada e que em 2014 já tinha colocado a candidatura de Bolsonaro na pista eleitoral, se assumiu como ator central do processo político e tutor do sistema;num abuso monocrático –e, também, ilegal e inconstitucional– no dia 18 de março de 2016 o ministro do STF Gilmar Mendes cassou a nomeação de Lula para a Chefia da Casa Civil do governo da presidente Dilma para não comprometer a trajetória lavajatista rumo ao golpe.

O conjunto do STF, instância constitucional máxima, se omitiu e nada fez para impedir a concretização daquela tremenda violência jurídica;

1. na famigerada sessão da Câmara de Deputados de 17 de abril de 2016, que o jornalista português Miguel Sousa Tavares chamou de “assembleia de bandidos comandada por um bandido chamado Eduardo Cunha”, o então deputado Jair Bolsonaro dedicou seu voto pelo impeachment fraudulento ao torturador e sanguinário coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra – “o pavor de Dilma Rousseff”, nas palavras dele.

Apesar de tamanho atentado à democracia, Bolsonaro não foi cassado pela Câmara, não foi processado pelo MP e judiciário e manteve intocados seus direitos políticos para concorrer na eleição de 2018, fraudada com a ausência do Lula, o candidato favorito e virtual vencedor;

1. no dia 3 de abril de 2018, o Alto Comando do Exército publicou twitter por meio do perfil do general conspirador Villas Bôas para obrigar o STF manter a prisão ilegal de Lula, com o objetivo de retirar da disputa o único obstáculo à eleição da chapa militar.

O STF, enfim, obedeceu e cumpriu a ordem militar – em parte, por acovardamento e medo; e, em parte, por conivência com o golpe;

1. depois de condenado no processo farsesco da Lava Jato, que foi endossado pelo Poder Judiciário, em 7 de abril de 2018 Lula foi levado à masmorra de Curitiba, para ficar impossibilitado de disputar a eleição presidencial.

O judiciário, corrompido pela lógica golpista e organicamente comprometido com o empreendimento golpista, referendou aquele brutal ataque à democracia;

1. dois meses antes da posse de Bolsonaro/Mourão, o MP/RJ e a justiça do RJ engavetaram os escândalos de corrupção da família miliciana com verbas dos gabinetes parlamentares operadas através do comparsa Fabrício Queiroz.

Ao mesmo tempo, o comandante da intervenção no Rio, general Braga Neto, concluía o trabalho de blindagem do esgoto miliciano do Bolsonaro e acobertava os mentores e executores do assassinato da Marielle;

1. no dia 8 de outubro de 2018, primeiro dia após a votação do 1º turno, o jornal Estadão, um dos expoentes do jornalismo de guerra, vocalizou a posição hipócrita da mídia neoliberal no editorial intitulado “Uma escolha muito difícil”, no qual equiparou o professor e democrata Fernando Haddad ao miliciano facínora e fascista Jair Bolsonaro.

Era o vale-tudo contra o PT. As oligarquias não resistiram à atração fatal pelo fascismo na cruzada para aniquilar Lula e o PT. Dali em diante, padecemos do terror fascista até 31 de dezembro de 2022.

Nos quatro anos de governo, Bolsonaro não enfrentou maiores resistências das instituições. Algumas delas ficaram ainda mais desencorajadas, para não dizer acovardadas; enquanto outras simplesmente foram coniventes, cúmplices.

O PGR Augusto Aras não faltou a Bolsonaro e a seu governo genocida, ecocida e etnocida. Ele atuou de costas para a Lei e a Constituição, mantendo uma fidelidade canina ao chefe civil da quadrilha criminosa.

Na presidência da Câmara, Arthur Lira arquivou mais de uma centena de pedidos muito bem fundamentados de impeachment do Bolsonaro. Em recompensa, recebeu dos militares bilhões de reais do orçamento secreto, o combustível para a corrupção sistêmica com verbas federais.

Instituições disfuncionais e corrompidas garantiram o ascenso e a manutenção da quadrilha militar-bolsonarista no poder.

Lula deteve o avanço fascista. E, com isso, criou condições para a restauração da democracia brasileira.

Agora, com a revelação dos detalhes escabrosos dos crimes cometidos pela bandidagem que usou o Planalto como fachada para o crime, é essencial que as instituições verdadeiramente comprometidas com a democracia e a legalidade atuem com rigor e justiça para responsabilizar os perpetradores de crimes contra o Estado de Direito.

Além de Bolsonaro e seus comparsas civis, também precisam ser levados aos tribunais os mentores do assalto ao poder “pela via eleitoral”, que são as cúpulas partidarizadas das Forças Armadas e todos delinquentes fardados que labutaram pelo golpe.



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