Luís Costa
Em 7 de outubro de 2023, membros do grupo palestino Hamas, que governa a faixa de Gaza, realizaram um ataque terrorista sem precedentes a cidades israelenses próximas à região de fronteira. O atentado coordenado resultou em mais de mil mortos e cerca de 250 civis sequestrados.
O contra-ataque de Tel Aviv foi imediato: uma série de bombardeios e incursões militares em território palestino – com a alegação de mirar bases do Hamas – deu início a um morticínio cujos números são quase diariamente atualizados. Estima-se que ao menos 40 mil civis foram mortos na faixa de Gaza desde então, a maioria mulheres e crianças.
Em um ano, a guerra fez do enclave que se estende por apenas 41 quilômetros de extensão o símbolo de uma das mais pungentes crises humanitárias do mundo contemporâneo. Apesar de uma quase uníssona condenação da comunidade internacional e das propostas de um cessar-fogo levadas ao Conselho de Segurança da ONU, os ataques se sustentaram no histórico apoio (hoje quase envergonhado) e no poder de veto dos Estados Unidos.
Alvo indiscriminado, sem distinção entre zonas militares e civis, o já combalido território histórico de Gaza se converteu em sinônimo de tragédia. De tão repetidas, as imagens de corpos sob escombros, retirados nos braços dos sobreviventes em agonia, envoltos em lençóis manchados de sangue, estampam os jornais e correm na TV como cenas de um cotidiano qualquer. Naturaliza-se o horror. A morte bruta e o dilaceramento da vida se fazem signo próprio de um povo.
Este especial da Cult traz dois artigos que propõem esquadrinhar, de um lado, a história do conflito, marcado pela presença militar de Israel no território palestino; e, de outro, retratos da sociedade fragmentada de um dos atores da guerra.
Murilo Meihy propõe um ensaio que compreende Gaza a partir da ficção – um lugar em que heróis e vilões estão em constante conflito. O autor faz um apanhado historiográfico da formação do território encerrado entre as fronteiras de Israel, do Egito e do mar Mediterrâneo. A faixa de Gaza abriga, com a Cisjordânia, uma nação sem Estado. Sua população de quase 2,5 milhões de pessoas é formada majoritariamente por refugiados e descendentes do êxodo forçado que se seguiu à Guerra Árabe-Israelense de 1948. Meihy levanta dados recentes sobre o conflito e critica certa perspectiva religiosa, vigente no Brasil, que constrói uma Israel imaginária, em franca sintonia com o cristianismo.
Michel Gherman e Salomão Nicilovitz escrevem direto de uma Israel fraturada, ainda sob o trauma dos ataques de 7 de outubro. Eles sublinham a necessidade de a sociedade e os discursos israelenses considerarem o palestino como sujeito, não como mera abstração. Para a direita israelense, dizem, os palestinos substituem o algoz nazista; para a esquerda, são um elemento periférico, não fazem parte da narrativa nem da disputa política. Em meio à desesperança, os autores apontam iniciativas, ainda tímidas, que podem ser o ponto de partida para reparações materiais e simbólicas, e o desabrochar de um futuro de colaboração social, econômica e política entre os povos.
Com o impasse para a solução do conflito – e com a já esperada escalada de violência no Oriente Médio, que também atinge o Líbano –, este especial discute o ontem e o hoje de uma das guerras mais brutais do nosso tempo.
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