sábado, 8 de fevereiro de 2025

Lula: entre a conciliação e a revolução

Fontes: Rebelião [Imagem: Presidente Lula da Silva. Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil]


Neste artigo, o autor reflete sobre os limites da ação política conciliadora, que não questiona o arcabouço liberal da ação política reformista, e da ação política revolucionária, que visa a superação do sistema capitalista como única condição para a construção de uma outra sociedade.

Tem havido muita discussão e controvérsia ultimamente sobre a maneira como o presidente Lula está lidando com as dificuldades que seu governo enfrenta diariamente.

Há uma crença generalizada de que Lula é alguém profundamente identificado com os anseios populares e que, por isso, está constantemente preocupado em encontrar meios de atender satisfatoriamente às demandas do povo. Esse é o pensamento da maioria das pessoas, do qual eu compartilho. Poucos são os que discordam neste ponto. E às vezes fazem isso com más intenções.

Contudo, vale ressaltar que agir de acordo com o senso comum nem sempre significa agir de acordo com o real objetivo estratégico dos grupos que queremos beneficiar. Sem pretender equiparar as situações, e apenas para deixar mais evidente o que gostaria de expressar, recorrerei a uma ilustração relacionada ao desejo amplo e insaciável pelo consumo de doces por parte da nossa população infantil.

Se partirmos do princípio de que o certo é tentar satisfazer os desejos daqueles com quem temos afinidade, devemos aceitar como louvável o comportamento dos pais que se dispõem a satisfazer os desejos dos filhos oferecendo-lhes a quantidade máxima dos doces que eles sempre desejam consumir. No entanto, todos sabemos muito bem o quão prejudicial isso seria para a saúde das próprias crianças. Portanto, em vez de atender às suas expectativas imediatas, seria apropriado que os responsáveis ​​tentassem educá-los para que entendessem que, no futuro, isso lhes causaria muito mais mal do que bem.

É claro que para que eles concordem e aceitem o ponto de vista dos pais neste caso, a confiança e os laços afetivos entre pais e filhos serão decisivos para que qualquer tarefa educacional seja bem-sucedida.

Ainda que não devamos ver o povo como uma massa infantilizada, é inegável que há uma série de lugares-comuns, preconceitos e deturpações que foram incutidos neles ao longo do tempo através dos diversos aparatos sociais por meio dos quais a ideologia das classes dominantes é imposta ao conjunto da sociedade. Se assim não fosse, ninguém precisaria se preocupar com trabalho político e organização adequada para estar ciente e fazer valer seus verdadeiros interesses. Bastaria assimilar o que é difundido como válido e desejável pelos diversos meios disponíveis para aqueles que exercem o poder real em uma sociedade.

Uma vez esclarecido esse primeiro ponto, vamos passar para o próximo. E aqui devemos responder a uma pergunta inevitável: o que é realmente melhor para as massas trabalhadoras do nosso país?

Apesar de sua aparente simplicidade, estamos diante de uma das questões mais complexas imagináveis. A resposta correta depende de como respondemos a outra pergunta anterior: que tipo de sociedade aspiramos construir para nosso povo? E, nesse sentido, não basta descrever qualitativamente o objetivo desejado. Não basta dizer que queremos viver em um “mundo bom, justo e solidário”, por exemplo. O adjetivo necessário também deve refletir a base estrutural desta sociedade. Será, portanto, essencial recorrer a termos como “capitalista, neoliberal, socialista, comunista” ou outros com função semelhante.

Há quem acredite que as estruturas sociais básicas não precisam passar por grandes transformações para que possamos alcançar a sociedade mais favorável, na qual todos viveremos da melhor maneira possível. Para aqueles que acreditam nisso, a persistência do sistema capitalista não estaria em questão, nem mesmo para os líderes que se sentem conectados às aspirações dos trabalhadores. Segundo esse entendimento, a luta e os esforços dos líderes e partidos que buscam defender as massas trabalhadoras devem ser direcionados para garantir que a parcela da riqueza gerada que corresponde aos trabalhadores seja sempre a maior possível. Entretanto, as regras de funcionamento do capitalismo liberal não precisariam necessariamente ser questionadas.

No entanto, há outros que acreditam ser impossível criar uma sociedade em que os interesses da maioria trabalhadora sejam priorizados e garantidos de forma permanente, a menos que haja transformações profundas nos pilares que sustentam o atual sistema regido pelos preceitos do capitalismo. Portanto, para aqueles que cultivam esse entendimento, enquanto não houver uma mudança radical nas estruturas atuais, não haverá possibilidade real de chegar a um estágio em que as condições das classes trabalhadoras não estejam mais à mercê dos caprichos dos donos do capital.

Muita gente costuma dizer que Lula se identifica bastante com a primeira das duas alternativas indicadas. E eu concordo com isso. Raramente, ou nunca, Lula mencionou uma sociedade estruturada em premissas diferentes das do capitalismo liberal. De minha parte, devo confessar que sou abertamente a favor da segunda. Mas a dúvida que considero importante esclarecer diz respeito à possibilidade ou impossibilidade de os adeptos dessas duas visões políticas trabalharem de forma unida e coordenada para que, no final, prevaleça a solução mais favorável à maioria trabalhadora. Abaixo tentarei descrever algumas palavras sobre isso.

Não tenho dúvidas de que, sob o capitalismo, a classe trabalhadora nunca conseguirá alcançar a hegemonia na sociedade para afirmar seus interesses estratégicos. Contudo, não hesito em reconhecer que, mesmo sob o capitalismo, toda e qualquer melhoria favorável aos setores populares deve ser sempre bem-vinda e incentivada. Mas não podemos nos deixar levar pela ideia de que isso será suficiente para nos levar ao destino que esperamos alcançar por meio de nossa luta política. Os avanços alcançados no sistema em que ainda vivemos, por menores que sejam, podem e devem servir para nos estimular em nossos esforços para dar passos cada vez maiores.

Quanto à posição de Lula em todo esse processo, o panorama é bastante complexo e ambíguo. Ao mesmo tempo em que se mostra dotado de uma astúcia inusitada para ouvir os sentimentos das massas populares, Lula não parece disposto, nem interessado, em transformá-las em agentes ativos e conscientes de um processo de transformação revolucionária. Seguindo o que vem acontecendo desde que assumiu o poder, Lula continua acreditando que cabe aos governantes identificar as necessidades da população e propor medidas para resolvê-las. Ao mesmo tempo, cabe ao povo manifestar sua satisfação com o que foi feito em seu favor e referendar por meio de voto sua anuência à continuidade da ação governamental.

Portanto, a habilidade de Lula e seus colaboradores diretos na negociação política será determinante para que o governo tenha sucesso em seu objetivo de atender às demandas populares. Não me lembro de um único momento durante todos os anos de sua administração em que o povo foi instado a se mobilizar para fazer valer qualquer uma de suas demandas que estavam sendo bloqueadas por forças antipopulares. A luta de massas para resolver conflitos interclasses não é um dos recursos aos quais Lula costuma recorrer.

No entanto, por mais que Lula seja, neste momento, uma figura essencial para o nosso objetivo de derrotar eleitoralmente o nazifascismo neopentecostal-bolsonarista, acho importante ter em mente que superar os limites do capitalismo liberal não está em sua perspectiva, a menos que seja levado a isso por pressões do campo popular.

Assim, nós que, como eu, entendemos que não faz sentido dependermos exclusivamente da vontade e determinação de Lula para dar qualquer passo que nos permita avançar em direção a um novo tipo de sociedade, o papel prioritário que nos corresponde é o de envidar esforços para que o nível de consciência e organização das massas trabalhadoras cresça o suficiente para que a situação induza Lula a cruzar os limites do espaço em que tem atuado.

Mas isso seria uma possibilidade viável? Não sei, não creio que possamos responder antecipadamente sem que tenham sido feitos os esforços necessários para isso. O que me parece menos incerto é que a outra alternativa, ou seja, a da acomodação e da conciliação de classes, representa a abdicação definitiva da criação de um outro mundo, no qual os trabalhadores sejam verdadeiramente donos do seu próprio destino.

Traduzido do português para Rebelião pelo próprio autor.





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