quinta-feira, 20 de março de 2025

A nova guerra na Europa em perspetiva

Daniel Vaz de Carvalho
resistir.info/
War, autor desconhecido.

1 – O que se prepara

Pepe Escobar, antecipou o que está em preparação na Europa ao dizer que Trump querendo acabar com a atual guerra talvez viesse a ter que intervir numa bem pior.

Starmer diz que o Reino Unido está preparado para apoiar a "paz na Ucrânia" com botas no chão e aviões no ar. Para Macron, a Rússia "tornou-se uma ameaça para a França e a Europa" propondo o uso das armas nucleares francesas para proteger a UE." "A paz não pode ser construída a qualquer custo sob imposição russa e não pode ser uma capitulação da Ucrânia. "A paz só voltará ao nosso continente com uma Rússia pacificada". (?) Algo que está ao seu alcance dado que segundo ele: a França tem o exército mais eficaz da Europa...

Uma característica destes políticos é que quanto mais fragilizados estão no seu país, mais prosápia exibem em política externa. O índice de aprovação de Macron caiu para 21% e, apesar da propaganda, 65% dos cidadãos franceses opõem-se a enviar tropas para Ucrânia, segundo uma sondagem para a [emissora] Europa 1.

As declarações da França, RU, Alemanha, a que se juntam outros dirigentes europeus supõem o boicote das negociações e a preparação para a guerra. A posição generalizada dos belicistas é ser necessário armarem-se fortemente para poder retaliar perante a "ameaça russa". Os líderes europeus deverão unir-se e continuar a apoiar resolutamente a Ucrânia, isto é, Zelensky, que após ser corrido da Casa Branca, recebeu todo o apoio:   “seja forte, seja corajoso, seja destemido. Você nunca está sozinho, caro Presidente".

O ponto fraco dos belicistas é mascararem com palavreado, a sua irresponsabilidade ignorando as perdas da Ucrânia, a falta de recursos da UE e o posicionamento dos EUA. Preferem discutir a guerra a esboçar compromissos de paz. Declarações como as de Macron ao Le Parisien:   "Se a Ucrânia pedir que forças aliadas estejam no seu território, não cabe à Rússia aceitar ou não", representam uma preconcebida provocação para inviabilizar diligências de paz, tal como a Polónia a querer que os EUA implantem armas nucleares no país.

A tática dos dirigentes desta Europa quando falam com responsáveis dos EUA, é dizer que sim e depois negar tudo, considerando que "o futuro da Europa não pode ser determinado em Moscovo ou Washington". Em Jeddah, Rubio disse que os territórios sob administração russa não iam ser recuperados e a adesão da Ucrânia à NATO estava posta de parte. Zelensky, depois de escrever a desculpar-se pela cena na Casa Branca e aceitar perante Rubio as decisões de Trump, escudado nos seus apoios europeus, diz que com a ajuda da UE irá recuperar os territórios e a adesão à NATO continua a ser um objetivo.

Transformar a proposta de cessar fogo numa versão dos acordos de Minsk, parece ser um objetivo dos belicistas. Para o assessor de Zelensky, Podolyak: O cessar-fogo não impedirá a mobilização, não acabará com a lei marcial, não desencadeará eleições. Zelensky, contrariando Rúbio, diz que mesmo que um cessar-fogo se transforme em algo mais, a Ucrânia não reconhecerá a perda de território para a Rússia. ( Geopolítica ao vivo, Telegram, 14/03)

Como é que os EUA veem esta Europa, abertamente hostil e dúplice? Trump vê-os como apêndices do Partido Democrata, sem credibilidade e sem real poder militar ou econômico, vivendo à sombra dos EUA, que, finalmente, "caíram na real" dos imparáveis 36,6 milhões de milhões de dívida federal.

A propaganda procura agora diabolizar não só Putin, mas também Trump. As destrambelhadas posições dos belicistas parecem basear-se na convicção que Trump pode ser tirado da presidência ou podem fazer falhar as intenções de Trump para a Europa. A circunstância de poderem desencadear uma Terceira Guerra Mundial, não parece fazer parte destas conjeturas.

No entanto, não vai ser fácil os neocons voltarem à Casa Branca. O Partido Democrata tem apenas 29% de aprovação entre o público americano. Mesmo entre os democratas e apoiantes, apenas 63% têm uma visão favorável do partido. Em contraste, 79% dos republicanos e apoiantes têm uma visão positiva do Partido Republicano. Segundo a NBC, Trump obtém um índice de aprovação de 44%, o maior índice desde 2004, embora 54% desaprovem a sua gestão da economia. (Geopolítica ao vivo, Telegram, 16 e 17/03)

2 – As vítimas da narrativa

Quando se ouve dizer: "Trump está a levar-nos a todos para a desgraça", não por um comentador, mas por uma pessoa "normal" intervindo num programa radiofônico, pode dizer-se que estamos perante mais uma vítima da narrativa oficial da UE/NATO. Que levará pessoas "normais" a considerarem a paz na Ucrânia uma desgraça?

As políticas de confronto com a Rússia ou a China para serem aceites necessitam que a população esteja suficientemente desinformada, distraída, amedrontada contra inimigos que se procura desumanizar, instalando o consentimento para generalizar a guerra.

O que vem agora de Washington repete John F. Kennedy em 1963, perante a União Soviética: "As potências nucleares devem evitar os confrontos que levam o adversário a escolher entre uma retirada humilhante ou uma guerra nuclear." Mas políticos e burocratas da UE/NATO não atingem sequer o bom senso.

O problema dos manipuladores é que acabam por acreditar na própria manipulação. Os vassalos da UE/NATO habituados a obedecerem à voz dos neocons perderam a flexibilidade mental para se inserirem na realidade. Porém, "não se pode enganar toda a gente o tempo todo" e a realidade sobrepõe-se ao discurso sem que a UE/NATO ou Zelensky tenham algo a decidir sobre as negociações.

Depois de desprezarem propostas de paz e segurança coletiva, tripudiarem sobre os acordos de Minsk, como Angela Merkel confirmou:   os EUA, UE e Kiev nunca pretenderam implementar os acordos de paz de Minsk, apenas esperavam ganhar tempo para armar a Ucrânia. Tratava-se de "pacificar a Rússia", como se lidassem com um protetorado e como se não houvesse mais mundo a observar o valor da sua palavra e as consequências. Para a Ucrânia foram territórios perdidos, centenas de milhares mortos e feridos, milhões fugidos, cerca de 80% da infraestrutura energética destruída, instalações portuárias danificadas ou destruídas, enorme endividamento.

Compreenda-se que o teatro de reuniões tão palavrosas como irresponsáveis, é um mero esforço para os líderes desta Europa mostrar que existem, exibindo o caminho do confronto e da preparação para a guerra. É neste quadro que Zelensky é recebido com abraços e dizem estar "inequivocamente ao lado da Ucrânia" com "apoio incondicional” para vencer a guerra, apesar do milhão de baixas e um país semidestruído. Como Zelensky cancelou as eleições, a opinião da população ucraniana é desconhecida.

O mais insólito é proclamarem o reforço de sanções à Rússia, cujo resultado é destruir ainda mais a economia da UE/NATO, dizendo que servem para limitar a capacidade da Rússia continuar uma guerra ilegal e atos de agressão brutais. Esta indignação esfuma-se relativamente à guerra genocida de Israel, em que se limitaram timidamente a desejar "uma solução estrutural e sustentável"...

Embalado neste desvario o líder do regime de Kiev continua exigindo mais milhares de milhões para manter a destruição do país e do seu povo. A Ucrânia tornou-se um deplorável buraco negro, politicamente insustentável, que os belicistas insistem em manter pela força. Foi preciso Trump "vir desgraçar-nos a todos" para finalmente darem o dito por não dito e começarem embora com sofismas e eufemismos a aceitarem negociações, com a propaganda defendendo as condições de Zelensky, "colocando Putin em cheque".

Em contraste com a narrativa, as perdas de pessoal na Ucrânia foram cerca de 50 mil por mês na segunda metade de 2024, o número de recrutas nos centros de treino ucranianos mal chegou a 30 mil por mês, segundo o Ministério da Defesa da Rússia. Dados oficiais da Ucrânia apontam para a deserção de cerca de 100 mil soldados. (Geopolítica ao vivo, Telegram, 30/01)

3 – A ameaça russa

As bravatas de apoio inabalável a Kiev para "derrotar a Rússia" saldaram-se num desastre à beira do abismo de uma guerra mundial. Durante meses a Rússia foi mostrada como um país miserável, com um exército desmoralizado, econômica e financeiramente em ruínas, depois mudaram de estilo e a Rússia passou a ameaçar invadir a "Europa".

Rússia é a grande ameaça à segurança internacional, nomeadamente na Ucrânia e, por extensão, a todos os países da Aliança Atlântica é o que defendem, tanto o anterior como o atual SG da NATO, Mark Rutte, que declarou no PE:   a Rússia acelera a sua campanha de desestabilização contra nossos países com ataques cibernéticos, tentativas de assassinato, atos de sabotagem e muito mais. A paz não durará se a guerra terminar com um acordo com Putin. Um acordo na Ucrânia que atenda aos seus interesses abre caminho para a instabilidade global: Xi Jinping, Kim Jong Un e o regime de Teerão, ficarão com muito poder.

Isto foi em 13 de janeiro, em 13 de março Rutte ouviu calado, cabisbaixo, sorrindo enfiado, Trump dizer que a Rússia não vai atacar a Europa e reiterar que por "razões de segurança" quer tomar posse da Gronelândia, que se na Europa não investirem em defesa não os defenderia em caso de ataque (violando o artigo 5º da organização) e que graças a ele "a NATO tornou-se forte"! Rutte acabou elogiando Trump...

Apesar do financiamento, armas e outros apoios ao regime de Kiev, a guerra é um beco sem saída para as potências ocidentais. A NATO enfrenta uma derrota sem precedentes. Só em Kursk, uma operação cuidadosamente planeada pela NATO, as perdas ucranianas ultrapassaram 67 mil efetivos das unidades de elite de Kiev, informou o Chefe do Estado-Maior russo Gerasimov, centenas de milhões dólares de equipamentos da NATO foram destruídos.

Para manter a narrativa, recorrem ao alarmismo e chantagem, de que se não se der dinheiro à Ucrânia para "se defender da agressão russa", o resto da Europa será invadido por Moscovo. Procura-se assim iludir os cidadãos de que se trata de "defender a democracia e a liberdade", na realidade a corrupção, a morte nos campos de batalha, o afundamento das economias da UE/NATO e os lucros das empresas de armamento.

A Rússia justificou a intervenção na Ucrânia para, de acordo com a Carta da ONU, defender os territórios do Donbass da agressão levada a cabo pelos golpistas e neonazis de Kiev. As mortes de civis já iam em 14 000. A História foi suprimida ou deturpada para impedir a compreensão dos factos, o seu relacionamento e interpretação, permitindo a fabricação de um inimigo. Não importa que a Rússia repetidamente afirme que não tem interesse “nem geopolítico, nem económico, nem militar” num conflito com a NATO.

Putin, disse a Tucker Carlson que Moscovo não vai atacar os países da NATO porque não faz sentido. Os políticos ocidentais insistem numa ameaça russa imaginária para desviar a atenção dos problemas internos, mas "pessoas inteligentes entendem perfeitamente que isso nada mais é do que uma farsa".

Quanto ao cessar fogo, terá interesse se nenhuma das partes estiver interessada em prolongar o conflito. Os belicistas tentarão aproveitá-lo para colocar as suas tropas no terreno. Sob o lema de uma paz duradoura, o objetivo conforme avança o Financial Times, é colocar 30 mil soldados na Ucrânia, embora reconheçam que necessitam do apoio aéreo dos EUA. O que esclarece quanto às suas intenções.

Mesmo os que agora dizem que não, há os que esperam uma oportunidade para o fazer, colocando os povos sob a inevitabilidade de se defenderam da "agressão russa". E essa oportunidade poderá estar a ser estudada. Com tropas no terreno, não é difícil construir uma provocação que venha a ser dramatizada como um "ataque à Europa". Há tentativas canhestras no passado: o massacre de Bucha, a destruição do Nord Stream 2, o ataque a uma central nuclear russa feito pela Rússia, etc. Como a Rússia já mostrou que não aceita soluções que conduzam a esta situação, poderá então ser acusada de não querer a paz.

Quanto à Ucrânia, Viktor Medvedchuk um líder político da oposição ucraniana, preso por Zelensky – libertado numa operação de troca de prisioneiros – diz que uma união econômica da Ucrânia com a UE é uma abstração sem sentido. A economia da Ucrânia só pode ser restaurada em cooperação com a Rússia. (Geopolítica ao vivo, Telegram, 21/01)

4 – Vítimas deles próprios

A apregoada unidade da UE e da NATO em relação a Moscovo apresentada como uma derrota de Putin, afinal não existe. É irrelevante ouvir falar Macron, Stammer, Scholz, Merz, a Leyen ou o Costa. A burocracia de Bruxelas quer convencer-nos que o mundo não mudou desde que acreditaram que relativamente à Rússia "bastava dar um pontapé na porta e aquilo ia tudo abaixo" a frase é de Goebbels em 1941, mas serve para quem apoia "até quando for preciso" os que veneram os SS ucranianos como Stepan Bandera. "herói da independência".

É espantoso ver a incapacidade de perceberem que acabariam por se encontrar entregues à sua sorte por ignorarem a realidade, seguindo com fidelidade canina os neocons. Nuland, "a rainha da política externa neocon", já tinha mostrado o desprezo pela Europa quando, sobre o golpe de 2014 em Kiev disse para o embaixador Geoffrey Pyatt, acerca das consequências para a UE: "F**k the EU". Há o caso do cancelamento da encomenda dos submarinos franceses, para a Austrália, que o "destemido" Macron engoliu sem tugir ou o fim do Nord Stream destruindo a economia alemã. E por aí fora.

A liderança da UE subserviente aos neocons, aceitou o seu oportunismo e amoralidade com entusiasmo: gostavam do mundo desta forma.... A Rússia liquidada militar e economicamente, a Ucrânia – NATO – vitoriosa, avançando em Kursk, etc. Ainda recentemente o sr. general Isidro, dizia que ao contrário do que Putin assegurava, as forças ucranianas em Kursk não estavam cercadas. Tinha toda a razão: estavam fugindo...

Com a inconsciência que os caracteriza, os belicistas repetem convictos que as declarações de Putin são bluff: já foram ultrapassadas todas (?!) as linhas vermelhas e ele não fez nada" (!!). A UE está apenas a prejudicar-se a si própria, ao decidir centrar-se no belicismo. Reduziu a sua margem de manobra, incapaz de desempenhar qualquer papel relevante na resolução deste ou outros conflitos. A UE perdeu influência internacional e pode vir a desintegrar-se dado desligar-se da realidade militar e geopolítica atual.

A mascarada toma tons ridículos quando dizem que nada deverá ser decidido sobre a Ucrânia sem os ucranianos. Contudo, para isso teriam que votar, o que não lhes é dado. Aliás, é uma falácia falar da Ucrânia como entidade soberana capaz de qualquer iniciativa seja pacifica seja bélica. A Ucrânia não tem meios, não tem autonomia, depende do que a UE/NATO e os EUA lhe derem para o que lhe mandarem fazer.

A UE delira: depois de um anedótico Borrell, nomeia para Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros a estoniana Kaja Kallas uma das figuras políticas mais irrefletidas da Europa. Ela disse que a Rússia deveria ser “fragmentada” para facilitar a administração regional e evitar novas guerras. Defendeu a fragmentação da Rússia, propondo que cada povo da Rússia vivesse no seu próprio Estado, quebrando a unidade da Federação. Lembremos que estas intenções e a ideia de Estados étnicos vêm dos nazis alemães, adotada pelos neonazis ucranianos. Pediu também àqueles que apoiam a Ucrânia que não se deixem intimidar pela capacidade nuclear da Rússia. (!?) Como primeira-ministra distinguiu-se na demolição de monumentos soviéticos à libertação do país da ocupação nazi, exposta como "invasão russa". Sente-se chocada com as negociações entre a Rússia e os EUA: "Não vamos cair nas armadilhas russas”.

Diz Lavrov que a Rússia dá preferência a meios pacíficos, políticos e diplomáticos, mas qualquer solução para o conflito na Ucrânia não será duradoura sem eliminar as causas, como "a criação de ameaças de longo prazo à segurança da Rússia por meio da expansão da NATO". "Nenhuma guerra de informação, mentiras e falsificações ajudarão o regime neonazi de Kiev (...). ( Geopolítica ao vivo, Telegram, 29/11/24). Para Putin a Rússia não busca o confronto, mas o curso hostil adotado por vários estados ocidentais para intensificar e prolongar o conflito ucraniano é profundamente equivocado. A Rússia atuará proporcionalmente às ameaças à sua segurança. Perante estas palavras o entendimento na UE/NATO é: mais dinheiro para armamento e criar um exército europeu.

Tulsi Gabbard, Diretora de Inteligência Nacional, considera que Zelensky tenta arrastar os Estados Unidos para uma guerra nuclear com a Rússia. Marco Rubio vê a guerra na Ucrânia como uma guerra por procuração entre os Estados Unidos, ajudando a Ucrânia, e a Rússia, potências nucleares: "tem que acabar". "Até agora o plano dos ucranianos e seus aliados é continuar dando-lhes quanto eles precisem e pelo tempo que for necessário, sem terem uma ideia ou um plano de como acabar. Isto não é uma estratégia", disse na Fox News. (Intel Slava, Telegrama, 06/03) Vance diz que "a Europa corre o risco de se envolver num suicídio civilizacional" (Geopolítica ao vivo, Telegram, 15/03). Enfim, são meras evidências...

18/Março/2025

Este artigo encontra-se em resistir.info




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