terça-feira, 1 de abril de 2025

Como o orçamento público ainda favorece os brancos

Secundaristas tomam as ruas de Porto Alegre em defesa do direito de estudar e dos educadores(as). Crédito: Caco Argemi / CPERS – Sindicato

Mesmo com um leve aumento percentual, a diferença orçamentária entre os grupos continua expressiva

Gênesis de Oliveira Pereira

Este texto utiliza dados primários e secundários[1] para revelar como a política de reserva de vagas no serviço público federal, implementada pela Lei 12.990/2014, ainda está longe de promover uma redistribuição justa do orçamento público entre os diferentes grupos raciais. Embora tenha havido um aumento tímido na participação dos negros no orçamento de pessoal — de 30,69% em 2014 para 31,93% em 2020 —, os dados mostram que a desigualdade estrutural permanece praticamente inalterada.

Em termos absolutos, os negros passaram a receber R$ 4,17 bilhões em 2020, contra R$ 4,04 bilhões em 2014. Por outro lado, os brancos, que receberam R$ 8,58 bilhões em 2014, passaram a receber R$ 8,46 bilhões em 2020. Esses números refletem uma realidade dura: mesmo com o leve aumento percentual, a diferença orçamentária entre os grupos continua expressiva. A maior parte do orçamento público federal ainda é apropriada por trabalhadores brancos.

A desigualdade salarial é outro dado alarmante. Em 2014, a média salarial dos negros era de R$ 7.455,49, enquanto a dos brancos era de R$ 10.218,54 — uma diferença de 27,04%. Seis anos depois, em 2020, a média salarial dos negros caiu para R$ 7.018,71, enquanto a dos brancos foi reduzida para R$ 9.594,87, mantendo uma diferença proporcional de 26,85%. Mesmo com essa ligeira redução da diferença percentual, o ritmo da mudança é extremamente lento. A projeção deste estudo indica que, mantido o atual cenário, a equiparação salarial só será alcançada daqui a aproximadamente 88,76 anos.

Ainda mais chocante é a constatação de que servidores negros deixaram de receber cerca de R$ 1,5 bilhão em 2014 e R$ 1,54 bilhão em 2020, considerando apenas um único mês de cada ano analisado. Esse déficit evidencia o impacto brutal que a desigualdade racial impõe sobre a apropriação do orçamento público.

Se o ritmo atual de crescimento orçamentário para negros (0,53% ao ano) e de redução para brancos (-0,23% ao ano) se mantiver, seriam necessários aproximadamente 94 anos para que o orçamento destinado aos servidores negros se iguale ao dos brancos. Isso significa que, sem mudanças estruturais profundas, a equidade orçamentária só será alcançada por volta do ano de 2114.

O estudo conclui que a política de reserva de vagas, embora relevante, é insuficiente para promover justiça social de maneira efetiva. Sem uma distribuição orçamentária que avance em direção à igualdade, as ações afirmativas permanecem limitadas ao acesso e à

representatividade, sem garantir que os grupos historicamente discriminados tenham condições igualitárias de remuneração e benefícios. A verdadeira democratização do orçamento público exige um modelo que vá além da reserva de vagas, implementando uma revisão estrutural das políticas que combatam esses privilégios.

As propostas deste estudo incluem a implementação de uma reserva orçamentária específica para negros e indígenas, que assegure condições equitativas de remuneração e benefícios proporcionais à presença desses grupos no serviço público. Para isso, propõe-se o monitoramento ativo dos concursos públicos, especialmente aqueles destinados a cargos de maior remuneração, evitando que o inciso 3 do artigo 3º da Lei 12.990/2014 seja usado para reverter vagas destinadas à ampla concorrência, e garantindo o cumprimento efetivo da política de reserva. Além disso, sugere-se o acompanhamento da escolaridade dos servidores, juntamente com a implementação de políticas de qualificação específicas para negros e indígenas, visando ampliar o acesso a cargos estratégicos, bem remunerados e garantir remunerações iguais dentro de uma mesma carreira. O monitoramento rigoroso do Decreto 11.443/2023 é essencial para garantir a presença desses grupos em cargos comissionados e funções estratégicas. As propostas também ressaltam a importância de considerar as desigualdades internas do grupo racial negro, reconhecendo que a verdadeira justiça racial no orçamento público só será alcançada com políticas que levem em conta essas desigualdades complexas e interseccionais.

Os dados apresentados indicam que o tempo não está a favor da igualdade racial. É urgente que novas medidas sejam implementadas para corrigir um sistema que, historicamente, favorece um grupo em detrimento de todos os outros. Sem justiça orçamentária, não há verdadeira reparação histórica.


Gênesis de Oliveira Pereira é pardo e professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

[1] Os dados primários foram obtidos principalmente do Siga Brasil, plataforma de transparência orçamentária desenvolvida pelo Senado Federal, e do PEP (Painel Estatístico de Pessoal), que reúne informações detalhadas sobre servidores públicos. Os secundários foram extraídos de relatórios e estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e de informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).



 

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