
por Isaías
Dalle, no site da CUT
O senador haitiano
Jean Charles Moise voltou a denunciar, na noite da última quinta-feira, que as
tropas brasileiras em ação no Haiti têm sido usadas para reprimir manifestações
sindicais e protestos de todo o tipo promovidos pelos cidadãos daquele país. Mais
grave ainda: relatou casos de estupros e enforcamentos que os soldados da força
de ocupação da ONU – chefiada pelo Brasil – têm cometido no Haiti desde que lá
chegaram, em 2004, após golpe que derrubou o presidente eleito Bertrand
Aristide.
Moise participou de
audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp),
convocada para reafirmar a necessidade de retirada imediata das tropas
brasileiras e dos demais países que participam da missão da ONU.
A audiência é parte
da campanha “Defender o Haiti é Defender a Nós Mesmos”. Ela foi convocada e
apoiada pela CUT, pelo MST, Movimento Negro Unificado, SOS Racismo e por
parlamentares do PT e do PSB. A audiência foi presidida pelo deputado estadual
Adriano Diogo (PT).
A atividade de ontem
insere-se na preparação da Conferência Continental Pela Retirada de Tropas do
Haiti que vai ocorrer na capital, Porto Príncipe, em 1º de junho, quando a
ocupação completará nove anos – a ONU alegava inicialmente que a ocupação
duraria apenas seis meses. A Conferência deve reunir movimentos sociais e
lideranças político-partidárias de diversos países.
O diretor-executivo
da CUT, Júlio Turra, ao falar durante o ato na Alesp, destacou a contradição na
política externa brasileira, usando como parâmetro as posições adotadas pelo
Governo Dilma em relação às eleições venezuelanas e a ocupação no Haiti.
“A presidenta Dilma
acertou ao reconhecer a vitória de Nicolás Maduro e ao comparecer à posse do
novo presidente da Venezuela, contrariando a posição dos Estados Unidos”,
disse. “Mas no Haiti o Brasil está jogando o papel de terceirizado dos
Estados Unidos”.
Turra também lembrou
que há efetivos de países como Bolívia, Equador e Peru, atuando na missão da
ONU. “O que os governos progressistas da América Latina estão fazendo lá?
Devemos lembrar que quando Bolívar [Simón Bolívar, herói das lutas
independentistas do continente] enfrentou revezes militares em 1815, foi
procurar e recebeu ajuda de quem? Do Haiti…”.
O senador Moise
relatou que com a repressão aos movimentos sociais e a proteção a instalações
de empresas privadas, as tropas da ONU têm garantido margem de ação ao atual
presidente Michel Martelly em seus ataques sistemáticos às garantias
democráticas e suas operações suspeitas com os Estados Unidos.
As eleições para o
Senado e para as prefeituras, que deveriam ter acontecido há dois anos, ainda
não foram organizadas pelo atual governo; por causa disso, os mandatos atuais
estão esvaziados ou mesmo vencidos por decurso de prazo.
Recentemente,
parlamentares da oposição, segundo Moise, tiveram acesso a documentos restritos
que comprovam a existência de minas de ouro em solo haitiano que valeriam
bilhões de dólares. “E o nosso presidente, de extrema-direita, fez o quê? Em
lugar de dar espaço a empresas locais capazes de fazer a mineração, abriu sua
própria companhia, em sociedade com empresários estadunidenses”, contou.
Bárbara Corrales, do
comitê “Defender o Haiti é Defender a Nós Mesmos”, reivindicou que a presidenta
Dilma “dê o exemplo” e decida pela retirada imediata das tropas brasileiras:
“Imaginem um exército
de 12 mil soldados num país que não está em guerra. Só agem na repressão. Se as
tropas estivessem ajudando como dizem estar, por que os haitianos estariam
fugindo do país, a exemplo desses 5 mil que entraram no Brasil através do
Acre?”
O governo brasileiro,
por sua vez, anunciou em setembro do ano passado que pretendia iniciar retirada
“gradual” das tropas. O mês previsto para o início do processo era março.
O conceito de que
defender o Haiti é defender “a nós mesmos” pode ser compreendido por meio de
alguns exemplos citados pelos presentes à plenária. Joelson Souza, do movimento
Juventude Revolução, informou que ouviu de um comandante brasileiro que a ação no
Haiti é um “laboratório” para futuras ações em morros e periferias. Julio Turra
acrescentou que ceder à pressão dos EUA na questão haitiana pode enfraquecer as
posições dos governos progressistas em disputas em nosso continente.
Por três vezes o
senador Moise acenou com o risco de conflitos no Haiti. “O presidente Martelly
assinou acordo com o FMI que proíbe nosso país de produzir arroz, produto
importante de nossa economia. Está desalojando camponeses de suas terras com a
ajuda das tropas da ONU. Está reprimindo os movimentos sociais. Vocês acham que
nós vamos ficar quietos para sempre? Eu acho que não. Nós já fomos guerreiros,
hoje somos apenas soldados. Mas não deixaremos jamais que tirem nossa
dignidade”, afirmou. O Haiti foi o primeiro país negro a conquistar a
independência, em 1804, em revolução popular que expulsou o exército
napoleônico.
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