É quase um dèjá vu a grave crise
que sacode a base aliada do governo da presidenta Dilma Rousseff. A forma como
o sistema político brasileiro tende tradicionalmente a fragmentar a
representação parlamentar, e também a incentivar uma luta fratricida entre
candidatos do mesmo partido ou da mesma coligação nas eleições para a Câmara
dos Deputados, fatalmente leva a atritos semelhantes no início das articulações
para a composição de chapas e coligações. São as movimentações feitas a partir
de agora que definirão as posições de cada um no cenário eleitoral que será
oficializado em junho, nas convenções partidárias, e definido em outubro, nas
eleições do dia 4 de outubro.
Os candidatos a presidente têm
direito a um segundo turno. Os que disputam as eleições parlamentares, não. O
destino deles é selado na primeira eleição (que ocorrerá este ano em 5 de
outubro). A vantagem que eles têm sobre os candidatos a cargos executivos são
os 21 dias entre a sua eleição e a do presidente da República, se a decisão
sobre o mandato presidencial for para um segundo turno. É tempo suficiente para
um deputado eleito se redimir com o candidato a presidente com mais chances de
vitória e se aliar a ele, não sem antes garantir posições que permitam a ele
manter uma máquina de captar apoios à eleição seguinte.
É lógico que a regra se aplica
aos eleitos pela política tradicional, que dependem de uma cadeia de favores
para manter o fluxo de dinheiro para campanhas caras e alianças igualmente
onerosas no âmbito municipal. O apoio a grupos políticos no interior do Estado
é fundamental para esses parlamentares. É também importante o acesso a bunkers
urbanos – periferias dominadas por grupos criminosos, ou comunidades religiosas
com acesso a grande número de pessoas. Para tudo isso, é preciso ter poder
econômico.
É preciso saber como isso
acontece para entender, por exemplo, o poder de que dispõe o líder do PMDB na
Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), e os interesses que o movem no papel de
deflagrador permanente de crises – pelo menos nos últimos meses.
Existe uma discussão sobre a
legitimidade das emendas parlamentares – aquelas definidas por deputados e
senadores, aprovadas no Orçamento e que devem ser liberadas pelo presidente da
República para chegar ao seu destino. Teoricamente, nada há de errado no fato
de o deputado ou senador levar uma melhoria para o município que o apoia – uma
ponte, uma estrada, um açude ou qualquer obra que resulte num benefício para a
população local. Existem indícios contundentes, todavia, de que as emendas são
o principal combustível, e a principal fonte de corrupção, de um bom número de
parlamentares que rezam pela cartilha da política tradicional.
Entenda-se como político
tradicional aquele cujos interesses eleitorais e particulares se sobrepõem aos
interesses públicos, e com isso substituem um vínculo orgânico, político e
ideológico, com partidos e eleitores, por negociações privadas de coisa
públicas (como emendas parlamentares) para conseguir dinheiro para comprar
apoios e votos.
Falamos aqui em tese, não de
deputados específicos. A investigação de como agem, e dos limites legais da
ação política desses parlamentares, compete ao Ministério Público, à Polícia
Federal – e, depois de uma denúncia formal, à Justiça.
Vamos, por suposição, pegar o
caso do deputado X. Ele é eleito por um partido forte nacionalmente, mas fraco
regionalmente, com dinheiro trazido de esquemas mais diretos de corrupção – por
exemplo, o obtido em cargos executivos. O fato de ter dinheiro – de preferência
para se eleger e fazer esse favor a mais alguns de sua chapa – o credenciam a
ser escolhido na convenção. Uma vez eleito, organiza-se para garantir a eleição
para o mandato seguinte.
O esquema do deputado X é o
trivial. Como este parlamentar não tem grande acesso ao partido nacional, nem
muitos parlamentares que beneficiem de seu jogo, negocia emendas. Os projetos
das obras vêm prontos, de empresas interessadas em fazê-los. Essas empresas
destinam parte do dinheiro auferido pela obra (ou serviço) para a campanha
seguinte do deputado X, que ao final de seu mandato terá dinheiro suficiente
para enfrentar novas eleições. Garantiu o seu.
O deputado Y, no entanto, é mais
ambicioso. Com um esquema quase profissional de negociação de emendas e
favores, tem um caixa que permite a ele financiar a sua eleição, a eleição de
prefeitos na sua base e de muitos parlamentares, tanto de seu Estado como de
outros, de seu partido e dos demais. A sua máquina de captação permite, além de
simplesmente arrecadar e distribuir dinheiro para eleição de terceiros,
agenciar relações entre políticos e empresas.
Depois de algum tempo operando
dessa forma, o deputado Y conhece as necessidades mais primitivas dos políticos
a que serve e ter a liderança sobre eles, não apenas porque seus interesses
coincidem, como pelo fato de saber dos mais escusos segredos de um número
considerável deles.
Esse deputado Y tem o poder de
mobilizar grande número de parlamentares e provocar crises. E este é o seu
segredo para conseguir levar tanta gente num jogo de chantagem que atende
principalmente a seus interesses privados.
É uma descrição grosseira de como
homens públicos se rendem tão facilmente a interesses privados, mas não está
nem um pouco longe da realidade da política tradicional brasileira. A descrição
desse mecanismo de financiamento político do Legislativo, contudo, explica por
que pessoas com tão pouco senso público conseguem credenciais para nomear
ministros ou diretores de estatais. O poder de chantagem é uma teia que se
estende de baixo, da base de apoio parlamentar de um governo, para cima, até a
Presidência da República. Não é apenas da presidenta Dilma Rousseff, mas de
todos os eleitores do país que têm o poder de seu voto relativizado pelo poder
econômico desses parlamentares.
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