A
vitória da família de Luiz Gushiken numa ação contra a Veja é real mas precisa
ser vista em sua devida medida.
Ao
lado de outros ministros do governo Lula, em 2006 Gushiken foi acusado de
possuir uma conta bancaria num paraíso fiscal. Entrou com uma ação na Justiça
e, num primeiro momento, foi humilhado com uma multa de R$ 10.000. Em outra
ação, que acaba de chegar ao fim, multa foi elevada para R$ 100.000.
Mesmo
reconhecendo que era um conflito inteiramente desigual, o que valoriza a
importância do resultado, cabe registrar que são números bastante relativos.
Na
última versão disponível na internet, o preço de anúncio de uma página na Veja
está tabelado em R$ 311.000 – três vezes mais do que a multa. Se for anúncio de
2/3 de página, o preço é R$ 286.000, ou 2,8 vezes. Se for de meia página, R$
221.000. Se for 1/3, anuncio que nas redações é chamado de “tripinha,” R$
152.000.
Ou
seja: a multa não daria para pagar uma “tripinha.”
Não
estamos falando de um episódio qualquer nem de uma “tripinha” do jornalismo.
Em
maio de 2006, com uma reportagem de capa, a revista participou de uma operação
que pode ser definida como um plano Cohen da década passada.
Publicou,
como se pudessem ser verdadeiros, documentos falsos sobre contas de ministros
do governo Lula em paraísos fiscais.
O
Plano Cohen, nós sabemos, foi um documento forjado para justificar o golpe do
Estado Novo, em 1937. Pretendia denunciar uma falsa conspiração comunista no
país.
Os
papéis sobre contas no exterior, que Veja admitiu ter recebido do banqueiro
Daniel Dantas, alimentavam uma nuvem conspiratória, cuja finalidade era
derrubar um governo eleito, produzindo o impeachment do governo Lula.
Mas
as contas eram grosseiramente falsos, grotescas, sem um grama de credibilidade.
A própria revista admitia, na reportagem que não tinha condições de provar o
que estava publicando.
O
que era para ser um escândalo do governo transformou-se num escândalo do
jornalismo, gerando uma onda de repúdio e indignação.
Gushiken
entrou com um pedido de indenização contra a revista.
Durante
vários anos, seus filhos enfrentaram aquela situação vergonhosa e inaceitável
de ouvir acusações graves e falsas – como a própria Justiça reconheceu – contra
o pai. Apareceu até professor para fazer críticas em sala de aula,
levianamente, sem saber do que estava falando – e a revista contribuiu para
isso.
É
curioso observar que, através daquele vexame, o Plano Cohen 2006 poderia ter
ajudado o país a debater o trabalho da imprensa.
Mas
o efeito foi inverso.
Em
abril de 2009, o Supremo Tribunal Federal aceitou uma ação carregada no colo
pelos meios de comunicação e aboliu a Lei de Imprensa. A partir de então, os
descontentes caíram numa espécie de Estado Mínimo, devendo apresentar queixas e
reclamações nos despachos do Direito Comum.
O
argumento teórico era que o país precisava livrar-se de um “entulho”
autoritário – e a Lei de Imprensa era um deles, já que fora criada em 1967,
durante o regime militar.
A
realidade era muito mais complicada. A lei deveria ser abolida. Mesmo sem
autorizar a censura previa, o que levou a ditadura a baixar o AI-5 quando quis
controlar a imprensa de uma vez, criava instrumentos de tutela sobre o trabalho
do jornalismo.
O
problema é que também foram abolidos todos artigos que se referiam ao direito
de resposta, eliminando-se a única garantia oferecida ao cidadão que se
julgasse vítima de um erro – e também da má fé – do jornalismo.
Imagine
quem ganhou e quem perdeu com isso.
Para
dar um exemplo.
Em
1994, Leonel Brizola conquistou na Justiça um direito de resposta de 3 minutos,
onde pode devolver, com pena afiadíssima, na voz de Cid Moreira, varias
acusações que o Jornal Nacional lhe fizera.
Inesquecível,
como você pode comprovar no Youtube.
Gushiken
pediu o direito de resposta, em 2006. O caso levou três anos para ser julgado
em primeira instância. A lei continuava em vigor – seria abolida meses depois –
mas a solicitação foi rejeitada.
Se
é difícil demonstrar, por qualquer critério objetivo, que o jornalismo brasileiro
tenha ficado mais “livre” e menos “oprimida” com o fim da Lei de Imprensa, é
fácil sustentar que se tornou menos responsável e mais leviano – para empregar
palavras suaves, certo?
Mais
do que multas, o direito de resposta sempre representou uma punição mais grave.
Permitia
colocar a credibilidade do negócio em risco, funcionando como um estimulo
poderoso para uma postura de maior responsabilidade.
Para
fugir de punições legais, vários veículos publicavam voluntariamente correções
sobre determinadas matérias. Ampliavam o espaço das cartas. Levavam as redações
a serem mais cuidadosas em ouvir “o outro lado.”
Sem
o direito de resposta, pagando multas irrisórias – o valor original era R$
10.000, convém não esquecer – a maioria dos meios de comunicação passou a
exercer a liberdade de expressão – que é um direito de toda sociedade – de modo
arrogante e mesmo perverso.
É
difícil sustentar que a imprensa brasileira tenha se tornado mais livre depois
da decisão de 2009. Com certeza tornou-se pior.
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