Setores neoconservadores
ressuscitam discurso anticomunista e tomam o golpe de 1964 não como episódio de
vergonha para o país, mas como exemplo a ser seguido
Maria Inês Nassif – Carta Maior
Há pouco mais de uma década,
seria impensável a qualquer representante de parcela do pensamento político
brasileiro usar o golpe de 1964 como propaganda política. A ditadura militar
foi capaz de envergonhar uma parcela enorme da população brasileira, inclusive
a esmagadora maioria que se arrependera de apoiá-la – e muita gente a apoiou
por atos, pensamentos ou omissões. Após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva
nas urnas, em 2002, e a inauguração de um período dominado eleitoralmente pelo
PT, a referência política do golpe retorna intensamente, por meio de forças
neoconservadoras, não como vergonha, mas como exemplo a ser seguido.
A articulação do golpe foi, na
história da República brasileira, o momento em que mais estiveram coesas as
forças conservadoras do Brasil; em que a reação civil ao voto popular precedeu
e incentivou a ação militar; e em que uma incipiente coesão progressista da
América Latina foi transformada, pela força e com a ajuda econômica e
ideológica dos Estados Unidos, num cisto reacionário incrustrado num pedaço do
mundo onde a influência do maior país capitalista tornou-se plenamente
hegemônica.
No decorrer dos governos dos presidentes
Lula e Dilma Rousseff, e depois da frustrada tentativa de forçar a renúncia de
Lula em 2005, após o escândalo do mensalão, e convencê-lo a desistir da
reeleição, ocorrem reiteradas tentativas de repetir as condições objetivas
existentes há 50 anos para a interrupção de um regime democrático.
O exemplo IPES-Ibad talvez seja o
maior. Desses institutos, jorrou dinheiro de pesquisa para intelectuais cujos
trabalhos dariam suporte ideológico à campanha anticomunista contra o governo
de João Goulart, pretexto para que o setor produtivo privado brasileiro – que
teoricamente seria beneficiado no embate entre as correntes nacionalistas e as
nem tanto do governo petebista – pular do barco, e muitos dólares (de
inconfessada origem, mas comprovadamente investimento dos órgãos de segurança
na desestabilização da democracia brasileira) para financiar, nas eleições
parlamentares de 1962, políticos comprometidos ideologicamente com a reação. Na
última década, foram criados institutos com o objetivo explícito de dar unidade
ao pensamento conservador. Se aparentemente estes aparelhos ideológicos não
movimentam tanto dinheiro, conseguiram mapear extensivamente quem está do mesmo
lado e mantê-los sob a sua proteção, quer se tornando avalistas de sua lealdade
ao pensamento conservador para um possível empregador, quer indicando para
simpatizantes de que fonte beber para ser parte dessa máquina de propaganda.
A confiança conquistada por esses
intelectuais orgânicos, por estarem protegidos nos lugares onde produzem ideologia
para consumo de um público (jornais, tevês, universidades, simpósios bem pagos
no mundo da iniciativa privada etc), fez proliferar um tipo de pensamento raso,
mais para consumo das classes médias menos intelectualizadas, e um discurso
propagandístico que a modernidade jurava ter colocado em desuso.
O discurso anticomunista, que as
forças progressistas puseram na lista de anacronismos depois da queda do Muro
de Berlim e o desmonte do bloco socialista mundial, em 1989, foi
surpreendentemente desenterrado na formulação do discurso conservador. É como
se os neoliberais, ao tentarem fazer ressurgir a grande coesão conservadora do
golpe de 1964, não encontrassem outro pretexto para unir o seu espectro
ideológico no ano de 2014. Isso porque o discurso ideológico dessas forças no
período democrático perdeu força, brilho e credibilidade nos anos 90, após os
governos conservadores do PSDB.
Esse discurso anticomunista, ao
tomar como exemplo um fato histórico ocorrido há meio século, acha que é
obrigação de seus intelectuais, nessa guerra ideológica tardia, investir contra
a imagem do presidente deposto em 1964, João Goulart. Parece que investir
contra o presidente deposto ataca também, por similaridade, o governo atual. O
argumento mais usado era de que o estancieiro Jango era um fraco e foi deposto
porque cedeu à pressão do PCB, abriu espaço para os comunistas no seu governo
e, por influência deles, levaria o país ao comunismo.
As esquerdas dominavam o país
antes do golpe porque faziam um trabalho intenso de propaganda junto às classes
menos favorecidas, dizem outros, que não se perguntam que propaganda pode ser
mais efetiva para a parcela dos mais pobres do que uma política de distribuição
de renda, hoje ou há cinco décadas.
O discurso é raso e pobre, mas
foi usado o suficiente para que o termo “perigo comunista” voltasse a sair da
boca do cidadão comum, mais sensível a esse tipo de propaganda, e se tentassem
fracassadas (ainda bem!) marchas da família com Deus, a exemplo do que ocorreu
no pré-golpe.
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