Mudança de pessoal: de 22 a 25 de maio de 2014 os europeus
vão eleger seus deputados, o que influenciará a escolha do próximo presidente
da Comissão Europeia. Mas a União vai abandonar um roteiro político que, por
enquanto, se caracteriza pela organização do dumping social?
por Gilles Balbastre
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Eles são quatro, um pouco afastados da última rotatória que
leva, por uma pequena estrada, a um posto de vigia. Não tiram os olhos dos
cerca de vinte militantes da Confederação Geral do Trabalho (CGT) que nesta
manhã de janeiro, parados e com os braços carregados de panfletos, esperam a
saída de centenas de trabalhadores do imenso canteiro de obras ao lado.
Uma primeira caminhonete se aproxima. Sindicalistas a param,
interrogam os trabalhadores a respeito de sua origem, entregam panfletos em
português. Apesar da barreira da língua, uma troca de informações sobre seus
direitos começa através da janela entreaberta. Logo, os quatro homens se
aproximam. “Circulem!”, solta o mais velho, ameaçador. “Vocês não têm o que
falar com eles. Entrem no canteiro.” Os sindicalistas expulsam energicamente o
quarteto, que volta a se distanciar.
A cada nova caminhonete parada, os quatro indivíduos anotam
o número da placa e discretamente tiram fotos, sussurram num pequeno gravador.
A cena aconteceu em 2014, na França. Em Loon-Plage, mais precisamente: um no
man’s landvarrido por um vento glacial, na costa do Mar do Norte.
Descobrimos que o homem agressivo é ninguém menos que o
responsável pelo canteiro do terminal de navios metaneiros [que transportam gás
natural liquefeito – GNL] da Electricité de France (EDF); os três outros, seus
capangas. Todos se recusam a responder a nossas perguntas. “Aqui é uma
rotatória pública”, solta Marcel Croquefer, delegado CGT da Polimeri Europa
France. “Vocês imaginam o que acontece dentro da obra?”
Efetivamente, é preciso ter imaginação para saber o que
ocorre no segundo maior canteiro de obras da França – atrás apenas do canteiro
do reator pressurizado (EPR) de Flamanville. O release de imprensa produzido
pela responsável pelas obras, a Dunkerque LNG (filial da EDF), e datado de 19
de fevereiro de 2014 anuncia 1.337 trabalhadores: “95% europeus, dos quais um
terço originário do Nord-Pas-de-Calais”. Mas, se os sindicalistas se deslocaram
com seus panfletos em línguas estrangeiras, é porque eles sabem que ali os
trabalhadores provêm majoritariamente da Itália, de Portugal e da Romênia.
É esse o resultado da diretiva europeia 96/71/CE sobre o
trabalho terceirizado que permite às empresas europeias recrutar estrangeiros
pagando as taxas sociais de seus países de origem? “Temos dificuldade em saber
o número exato de trabalhadores estrangeiros no canteiro. Gira em torno de
60%”, estima Christelle Veignie, secretária da união local da CGT de Dunkerque.
Os sindicalistas vão esperar por muito tempo os trabalhadores
italianos. Bloqueados por sua direção nos acampamentos onde estão acomodados,
eles só serão autorizados a voltar para o trabalho lá pelas 10 horas da manhã,
quando o último militante tiver ido embora...
Foi graças a uma operação similar, realizada em 10 de
dezembro de 2013 por sindicalistas da Confederação Francesa do Gerenciamento –
Confederação Geral dos Gerentes (CFE-CGC) e da CGT da construção, que essa
questão da proporção dos trabalhadores terceirizados estrangeiros no canteiro
do terminal de navios metaneiros ganhou visibilidade na imprensa local. No
entanto, foi preciso esperar a intervenção espetacular de cerca de quinze
militantes do Front National (FN) para que o caso ganhasse espaço. No dia 12 de
dezembro, estes ocuparam o telhado da Câmara do Comércio e da Indústria (CCI)
de Dunkerque e desenrolaram a faixa: “Emprego, os nossos primeiro”. A ação
chamou a atenção da mídia nacional, que enlouqueceu as autoridades políticas e
das prefeituras a alguns meses das eleições municipais. Claramente, a bela
fachada que rodeava o canteiro acabava de desmoronar.
Quando o presidente Nicolas Sarkozy, no dia 3 de maio de
2011, anunciou a construção do terminal em Loon-Plage, este ganhou ares de
panfleto publicitário patronal e político em matéria de luta contra o
desemprego na região de Dunkerque, que sofria particularmente com o problema.
Tudo começou quando, diante de uma multidão de jornalistas, Sarkozy prometeu
centenas de empregos – no ano anterior, o fechamento da refinaria de Flandres
tinha levado à demissão de 370 trabalhadores. A responsável pelas obras, a
Dunkerque LNG, e os agentes locais, econômicos e políticos, promoveram então
uma jornada midiática de envergadura: em 12 de dezembro de 2011, por exemplo, a
filial da EDF organizou uma grande manifestação no Palácio do Congresso de
Dunkerque, em parceria com o Polo Emprego, a CCI e a Entreprendre Ensemble
(Empreender Juntos), uma associação para a inserção e o emprego presidida pelo
prefeito socialista da cidade, o ex-ministro do Trabalho Michel Delebarre. Este
evocou, na ocasião, uma “chicotada psicológica” para a região (Nord Littoral,
19 dez. 2011).
Dispostas a fazer qualquer coisa para encontrar o Graal de
um emprego, 1,5 mil pessoas se deslocaram: “Um verdadeiro rush, à altura das
esperanças suscitadas pelo canteiro do terminal metaneiro”, comentou o jornal
Nord Littoral, em 19 de dezembro de 2011. “O terminal metaneiro tem um efeito
objetivo e indiscutível”, declarou em outubro de 2012 o responsável pela seção
local do Polo Emprego, Cyrille Rommelaere. “Seiscentos e dezoito contratos
foram assinados com os interessados pelo emprego. A metade deles estava
inscrita no Polo Emprego havia mais de doze meses, e 68% deles vinham da Costa
de Opale.”1
“Contra o dumping social”
Algumas semanas depois, já se ouvia falar italiano,
português e romeno na região. A miragem se dissipou; a população entendeu: “Nós
lutamos contra o dumping social, contra as distorções do direito do trabalho,
não contra os estrangeiros”, insiste Christelle. “Mas as pessoas estão cansadas
das belas promessas”, completa Croquefer. “O FN só precisa surfar na decepção
acumulada. O voto em Le Pen nas eleições municipais será culpa deles!”
O escândalo dos trabalhadores estrangeiros de Loon-Plage
caiu mal para o governo de Jean-Marc Ayrault, emaranhado no fim de 2013 pela
promessa do presidente François Hollande de inverter a curva do desemprego. Em
dezembro, uma renegociação em Bruxelas da diretiva relativa aos terceirizados
estrangeiros ofereceu ao ministro do Trabalho Michel Sapin um pretexto para
esclarecer, ao retornar, que a França obteve um “acordo satisfatório e
ambicioso, conforme a posição [que ela] defendeu com constância”.2 As mídias
propagaram rápido.
Mas não se trata apenas de um “compromisso” entre os
ministros do Trabalho europeus no seio do Conselho, que suaviza uma proposta
inicial do Parlamento – e que permanece submissa à validação dos deputados.
Acompanhado do ministro do Interior Manuel Valls (e então de um grande número
de câmeras), Sapin se dirigiu rapidamente ao terminal metaneiro para uma visita
surpresa: “Para ver se o código do trabalho e as diretivas europeias sobre a
terceirização estão sendo bem aplicados”, explica “com firmeza” à AFP a
comitiva do ministro (19 dez. 2013).
No local, alguns agentes do Estado ficam furiosos. A visita
“surpresa” tinha sido anunciada... no dia anterior pela imprensa local. Na data
em questão, os empregadores aconselharam os trabalhadores italianos e
portugueses a ficar em seus trailers. O diretor adjunto da inspeção do trabalho
de Dunkerque, Olivier Moyon, que se recusou a participar dessa “farsa”,
denunciou a expedição em uma carta de 5 de fevereiro, que chegou ao nosso
conhecimento: “A divulgação na imprensa local na véspera dos detalhes da
operação eliminou qualquer chance de efetuar as constatações em flagrante das
infrações do trabalho ilegal, além de descreditar nossos serviços, sobre os
quais alguns trabalhadores encontrados em nossas missões já expressaram
regularmente suas dúvidas. [...] [Eles questionam] a realidade de nossa
determinação em fazer que o direito trabalhista seja respeitado por seus
empregadores”.
Fracasso do controle, vitória da operação de comunicação. As
mídias foram embora de Loon-Plage, as autoridades locais puderam novamente fechar
os olhos, e a Dunkerque LNG pôde continuar a subcontratar seus trabalhadores
com uma forte proporção de operários estrangeiros.
O retorno da lei do silêncio, contudo, não satisfez os
militantes sindicais. No dia 14 de fevereiro, em mais uma manhã glacial, a
união local da CGT de Dunkerque se instalou novamente na entrada do canteiro
com um caminhão de som e panfletos. Mais jornalistas, mas ainda muitos
trabalhadores italianos e portugueses... Ônibus, caminhonetes, alguns carros:
numa contagem baixa, quatrocentos trabalhadores desfilavam diante dos
sindicalistas, decididos a não aceitar tal situação.
No dia seguinte, em torno das 17h30, o mesmo balé retornou,
mas no sentido contrário. O que houve com as 35 horas regulamentares? Um
operário português ousou responder: “Atualmente, trabalhamos quarenta horas por
semana, mas normalmente trabalhamos cinquenta. Para a gente é bom, pois
ganhamos um pouco mais. Precisamos do dinheiro, precisamos trabalhar”.
No canteiro, não há sindicato nem Comitê de Higiene, de
Segurança e de Condições de Trabalho (CHSCT). Difícil, então, obter informações
sobre o respeito ao pagamento das horas extras. “Na construção, as sete
primeiras horas além das 35 têm um acréscimo de um quarto. As seguintes, de
50%. Vocês imaginam quanto as empresas podem ganhar se não respeitarem isso?”,
solta David Sans, delegado CGT do grupo Vinci. “Não pudemos ver as fichas de
salário, porque elas são entregues diretamente aos países. Soubemos que alguns
operários estavam hospedados em cinco em uma pequena casa. Eles recebiam o Smic
[salário mínimo interprofissional de crescimento], mas seu aluguel era
descontado do pagamento.” “Durante os chamamentos da Dunkerque LNG no lote de
eletricidade, a empresa Spie se posicionou com o valor de 16 milhões de euros
em um mercado proposto de 25 milhões. Os italianos da Techint Sener ganharam
por 12 milhões”, confiou Didier Czajka, delegado CGT da Spie. “O diferencial do
nível de encargos sociais entre a França e a Itália não é tão grande assim.”
Uma única explicação: “O desrespeito às convenções coletivas francesas”.
Traduzir a notificação custa mais do que a multa
No dia 5 de março, o triálogo (ler o artigo na pág. 22)
entre negociadores do Parlamento Europeu chegou a um acordo de princípio
visando “reforçar os controles e responsabilizar as empresas que dão ordens”,
segundo Sapin. Para o comissário europeu encarregado das questões sociais,
László Andor, trata-se de um “sinal claro: a Europa não aceita a fraude ou o
abuso das regras aplicáveis em detrimento dos trabalhadores terceirizados”.3
Entre os agentes do Estado, nem todos estão convencidos
disso, principalmente os inspetores do trabalho, dos quais muitos denunciam as
dificuldades crescentes em garantir sua missão. Num primeiro momento, a empresa
estrangeira que contrata um trabalhador estrangeiro para a França deve fornecer
uma declaração à direção local do trabalho. Mas o documento – no qual constam o
nome do trabalhador, sua qualificação, a empresa onde ele deve trabalhar, a
duração de sua missão, seus horários, suas horas de descanso, a taxa de salário
por hora – normalmente fica esquecido. E, quando um inspetor constata a
presença de um estrangeiro sem o envio da famosa declaração, a sanção do
empregador continua sendo uma ameaça muito longínqua. “Se um de nós tentar
contatar a empresa por carta, a tradução se revela frequentemente mais cara do
que a multa paga. Na maior parte das vezes, o tribunal torna o caso sigiloso”,
constata, um pouco amargo, Pierre Joanny, inspetor do trabalho em Lille e ex-secretário
da Sud Travail. Imaginemos que, apesar de tudo, a justiça condenasse uma
empresa? “As multas raramente são pagas”, diz.
Restam as dezenas de milhares de trabalhadores terceirizados
regularizados, que poderiam ser controlados. Mas ainda aí seria preciso poder
fazê-lo... A árvore do canteiro do terminal metaneiro esconde uma floresta
densa. A leitura dos quadros de declarações de terceirização de 2013 e 2014
ilustra a amplitude do fenômeno, em uma região onde se concentram um dos
principais portos da França e quinze fábricas de tipo Seveso 2,
majoritariamente controladas por multinacionais. Vinte e cinco romenos na
Polimeri Europa France, oito lituanos na Total, treze romenos no McDonald’s,
diversas centenas de portugueses na Aluminium Dunkerque... No total, diversos
milhares de trabalhadores europeus foram contratados em 2013 para empresas de
Dunkerque. Eles eram 144.411 na França em 2011, contra 16.545 em 2002, segundo
um relatório parlamentar publicado em abril de 2013.4
Basta passear um domingo pelos campings da região de
Dunkerque – Mer et Vacances, em Leffrinckoucke; Les Palominos, em Les Hemmes de
Marck; ou Vert Village, em Crochte – para ver caminhonetes portuguesas, carros
italianos e homens discretos e furtivos, que falam pouco e entram nos trailers.
Basta ir ao hotel Première Classe de Armbouts Cappel à noite para ouvir
polonês, a Looberghe para aprender romeno, a Bray Dunes para descobrir o
lituano. Nos sites de pousadas francesas do norte, em pleno inverno, todas as
hospedagens na região de Dunkerque estão lotadas.
“As empresas alegam se voltar para o estrangeiro por não
poder encontrar na França as especializações de que necessitam. Na verdade, os
trabalhadores franceses poderiam efetuar a maior parte das funções”, precisa
Joanny. “A verdadeira motivação? Os ganhos obtidos sobre os horários, os
salários, os abonos profissionais, a hospedagem e a alimentação”, completa
Christelle. “Para os trabalhadores franceses, é a introdução organizada da maçã
podre no cesto.”
Essa concentração maciça de estrangeiros terceirizados
aumenta a carga de trabalho que já é pesada para os dez agentes encarregados do
serviço da inspeção do trabalho de Dunkerque. Mas uma reforma governamental em
andamento poderia piorar ainda mais as coisas: no Nord-Pas-de-Calais, há
atualmente 147 agentes. “Não haveria mais que 129 se essa reforma terminasse”,
preocupa-se Joanny. “Se os governantes tivessem realmente a vontade de proteger
os trabalhadores, bastaria, por exemplo, construir o mesmo quadro de cooperação
internacional que existe em matéria policial. Poderíamos então ir para outro
país europeu para trabalhar com nossos colegas.”
Mas essa vontade política existe? Em sua carta a Sapin,
Moyon escreve: “O procurador da República em Dunkerque já foi destinatário de
dois processos verbais de infrações múltiplas constatadas junto a empresas
estrangeiras controladas em 2012, sobre os quais no dia de hoje os
prosseguimentos judiciários são desconhecidos”. Os empregadores dos
trabalhadores terceirizados talvez tenham razões para não se preocupar com o “endurecimento”
da diretiva 96/71/CE...
Gilles Balbastre
Jornalista e codiretor, com Yannick Kergoat, do documentário
Les Nouveaux Chiens de Garde [Os Novos Cães de Guarda], (Jem produções, 2012).
Ilustração: Lollo
1 Libération, Paris, 5 out. 2012.
2 Libération, 9 dez.
2013.
3 AFP, 5 mar. 2013.
4 Éric Bocquet, “Rapport d’information fait au nom de la
commission des affaires européennes sur les normes européennes en matière de
détachement des travailleurs” [Relatório de informação feito em nome da Comissão
de Casos Europeus sobre as Normas Europeias em Matéria de Terceirização de
Trabalhadores Estrangeiros], Senado, Paris, 18 abr. 2013.
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