Nazanín Armanian (*) – Carta Maior
É um demônio de oito tentáculos: o capitalismo mundial ataca
com um deles os direitos dos trabalhadores no Ocidente e os atira no tenebroso
buraco da pobreza. Com o outro, despedaça a vida de dezenas de milhões de
pessoas com suas bombas e mísseis. Com o terceiro, ergue muros de facas para
enganchar os corpos cansados e esmagados daqueles que tinham a ilusão de serem
explorados por um mercado “livre e civilizado”, e com o quarto os afoga nos
oceanos e mares transformados em cemitérios... lhe faltará braços para sufocar
a desenfreada dissidência dos trabalhadores do mundo que – apesar de estarem
desorganizados e desunidos – está tirando seu sono.
O assassinato de 15 imigrantes africanos nas águas
espanholas, ou a morte de pelo menos 1.200 trabalhadores imigrantes no Catar –
em sua maioria nepaleses e indianos – nas obras da Copa do Mundo de 2022, e a
estimativa de que, neste ritmo, outros quatro mil percam sua vida antes de a
primeira bola entrar em algum gol (ver Catar não é país para emigrar) são
apenas algumas histórias. A situação de milhões de imigrantes afegãos
espalhados pelos países da região depois dos intermináveis conflitos é
igualmente trágica.
O nível das desigualdades sociais no mundo já alcança o do
final do século XIX. Um Barack Obama que se apresenta como defensor dos fracos
e implora que o Congresso que aumente o salário-mínimo dos trabalhadores para
10,10 dólares a hora, paga com o bolso dos contribuintes o meio milhão de
dólares que custaram seus cinco dias de férias com sua esposa e filha na
Espanha.
A injustiça banalizada, bem como a ascensão “legal” da
extrema-direita na Europa, precisam estar no centro de nossas preocupações.
Parece inacreditável, mas esta força está há três décadas no poder em vários
países do Oriente Próximo e arrebatou não apenas os mais básicos direitos
conquistados pelos trabalhadores.
Combinou também a dura perseguição aos ativistas de direitos
dos cidadãos com a imposição de receitas de austeridade do Fundo Monetário,
privatizações massivas, falta de investimento na agricultura e na indústria
nacional em benefício de companhias estrangeiras, levando milhões de pessoas ao
desemprego e ao empobrecimento das classes médias e trabalhadoras.
Resultado: o aumento brusco do número dos lúmpen, indivíduos
sem classe social (chamados frequentemente de “deserdados”), que em troca de um
mísero salário se transforma, em capangas, paramilitares, guardiães, polícia de
ordem, etc, fazendo o trabalho sujo da elite governante. Nos Estados Unidos e
na Europa, entrar para as forças repressivas faz parte das escassas ofertas de
trabalho no Estado.
Emprego e desemprego sexista
Nos países islâmicos, um dos principais motivos do
subdesenvolvimento é, sem dúvidas, a exclusão de metade da população, as
mulheres, do processo de progresso social. Este mal dos sistemas capitalistas,
apoiado em um machismo exacerbado, se agravou com a recente crise econômica:
milhões de mulheres foram expulsas de seus postos de trabalho, perdendo o
fundamento de sua independência econômica, de sua emancipação e libertação.
O teto da desigualdade se transformou em cimento onde o
fundamentalismo religioso quis ocultar a diferença entre as classes sociais
pelas diferenças religiosas e de gênero: elas são apenas 15% do total da força
de trabalho, em comparação com 55% de suas irmãs em Bangladesh ou na Indonésia.
Incapazes de gerir economias avançadas com receitas medievais nas mãos, os
religiosos culpam as mulheres e seu novo rol social (rompendo a sagrada
família!) pelo desemprego masculino, ignorando que foi o capitalismo que
arrastou mulheres e crianças ao mercado de trabalho com a finalidade de
rebaixar os salários dos homens. O que dirão e o que farão agora que os robôs
tornam a força de trabalho de pessoas dos dois gêneros desnecessária?
As economias baseadas na renda do petróleo, que têm seus
outros setores produtivos paralisados, contam com ainda menor presença feminina
no trabalho. Fenômeno que obrigou muitas delas a trabalharem por conta própria:
em Bangladesh são 87%, no Paquistão 78%, na Indonésia 69%, no Irã 52% e na
Turquia são a metade das trabalhadoras. O curioso é que estas “empreendedoras”
não costumam contratar ninguém para desenvolver seu negócio.
Existem também milhões de mulheres vítimas das guerras –
iraquianas, afegãs, sírias ou iemenitas – que tiveram que emigrar e, apesar de
sua qualificação, aceitar condições de trabalho indignantes; outras milhares
foram enganadas, sequestradas e violentadas pelas redes internacionais de
tráfico de mulheres e obrigadas a se prostituir em bordeis do Kuwait, Catar ou
Dubai.
Todas elas são acompanhadas de milhões de meninos e meninas
que, em vez de estarem no colégio ou brincando, são explorados em fábricas de
tecidos, de tapetes, de construção ou em casas de ricos, feitos de pequenos
criados, expostos a todo tipo de aberrações que se possa imaginar.
Diante de tanto fracasso e retrocesso, houve pequenas
vitórias, como a das iranianas que conseguiram ser admitidas no setor
minerador: já há um milhar delas, entre engenheiras ou mineiras de base, que
exploram solos e subsolos em busca de pedras preciosas.
O Primeiro de Maio existe
Apesar de muitos países do Oriente Próximo terem legalizado
o Dia Internacional dos Trabalhadores, eles não reconhecem seus direitos e, com
a finalidade de impedir concentrações independentes, organizam atos
governamentais, confundindo os explorados em relação a seus inimigos de classe.
Na Turquia, o governo de Erdogan estuda a possibilidade de
proibir o 1º de maio, como fez no ano passado em Estambul. Para tanto,
suspendeu o transporte público na cidade e ordenou atacar manifestantes
pacíficos. O erro dos sindicatos foi estender durante dias as manifestações nas
regiões comerciais, provocando protestos dos vendedores, que no princípio
compartilhavam as reivindicações da Praça de Taksim. Lições para aprender.
No Irã, o país da região com mais tradição da luta da classe
operário, e o primeiro a contar com um poderoso “proletariado” ligado à
indústria petrolífera, e onde o 1° de maio foi celebrado pela primeira vez em
1922, este dia não é festivo. O “oito horas para o trabalho, oito horas para o
sono e oito horas para a casa” foi incluído em 1946 na Lei de Trabalho, depois
da manifestação do Primeiro de Maio dirigida pelo partido comunista em que
participaram 80 mil pessoas.
No Iraque colonizado pelos Estados Unidos e seus sócios, o
governo títere de Maliki proíbe os trabalhadores do setor público de se
sindicalizarem, e nega aos proprietários da terceira reserva de petróleo
mundial, incluindo os trabalhadores afetados pelo urânio empobrecido (ver
Filhos do urânio) acesso à saúde universal e gratuita. O desemprego é de 65% da
força de trabalho do país, ou seja, 10 milhões de homens (as mulheres não
entram na estatística), enquanto as companhias estrangeiras que estão ampliando
a exploração dos campos de petróleo e planejam tirar até 5 milhões de barris
por dia, contratam trabalhadores estrangeiros, mais baratos e mais submissos.
Na Indonésia, Líbano, Paquistão, Iraque, Israel, o Primeiro
de Maio não se trabalha, enquanto em outro extremo estão os Emirados Árabes
Unidos e a Arábia Saudita, em cujos almanaques nem aparece a data história da
greve dos trabalhadores de Chicago.
Sub-ocidentais, sul-orientais, uni-vos!
Não há solução individual – nem sendo um grande empreendedor
– nem nacional para o perigo que espreita os trabalhadores em nível mundial,
enquanto continua funcionando a tática da elite capitalista de causar
enfrentamento entre empregados do setor privado e do público, o profissional
com menos qualificado, o nativo com o imigrante, etc, ou semear a divisão na
fileira das forças progressivas (ainda mais do que já estão divididas!),
reativar o culto à personalidade em vez de se agrupar em torno de programas
concretos.
O capitalismo sofre um das mais profundas crises estruturais
que já enfrentou, e existe uma altíssima probabilidade de que uma vez mais
consiga se salvar por causa da falta de capacidade das forças de esquerda de
enxergarem para além de seus narizes.
(*) Nazanín Armanian é
iraniana, residente em Barcelona desde 1983, data em que se exilou de seu país.
É licenciada em Ciência Política. Leciona em cursos on-line da Universidade de
Barcelona e é colunista do site Publico.es.
Créditos da foto: Arquivo
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