ROBERTO AMARAL // http://www.brasil247.com/
A carta do vice-presidente da República – pobre,
patética, beirando a infantilidade – dá a justa medida do estado moral
lastimável em que se encontra a política brasileira, apequenada, amesquinhada,
aviltada e envilecida.
Desnudando-se, o presidente do PMDB revela-se um
político menor, como menores são seus companheiros da ópera bufa em que foi
transformado, pela miséria da política, um dos momentos mais dramáticos de
nossa História recente, tão vazia de estadistas e miseravelmente tão plena de
pulhas.
Pois grave é a crise ignorada pela vendetta e pelo
ódio. No encontro da saturnal dos ódios – ódio amador e ódio profissional, ódio
gratuito e ódio remunerado e, até, ódio puro ódio, o ódio irascível do perdedor
sem consolo, ódio que cega e embrutece – nesse encontro de ódios com a
compulsão dos interesses os mais vários, interesses pessoais, interesses de
grei, interesses de súcias-partidos, só não são considerados os interesses do
País, os interesses coletivos. Ninguém se dá conta dos riscos que corre o
processo político quando a ordem constitucional se transforma em espaço para
traficância.
Na missiva do vice, 'um copo até aqui de mágoa',
apenas lamúrias, queixumes e muxoxos; nenhuma reflexão, nem uma só palavra
sobre a crise de que seu partido, insaciável consumidor de cargos e verbas
públicas, é um dos atores e artífices.
Crise grave – pois a um só tempo crise política,
crise econômica, crise institucional, crise de representatividade – da qual,
rompendo com toda e qualquer noção de ética, Temer pretendeu aproveitar-se, sem
pejo do papel de traidor doméstico, o mais pérfido de todos.
O vice-presidente reclama de cargos e carguinhos
para os mais chegados, reclama de afagos negados, de convites não formulados,
de acenos evitados. O País? O País passa ao largo.
A pequenez de espírito salta nas primeiras linhas,
quando o missivista se diz informado por "tudo o que me chega aos ouvidos
das conversas no Palácio". Ou seja, o rompimento político, a justificativa
da maquinação golpista, se alimenta não em uma crise de Estado, num conflito de
visões político-ideológicas, mas nas tricas e futricas das salas e antessalas
dos palácios da Corte!
Bate-papo de comadres. Este o personagem que se
oferece à oposição ensandecida para suceder a presidente Dilma ao fim do golpe
de Estado comandado, na Câmara dos Deputados, pelo seu correligionário e
assecla e sócio Eduardo Cosentino da Cunha.
Pobre política, pobre país.
Temer se queixa de haver passado "os quatro
primeiros anos de governo como vice decorativo". Ora, só um traste, um
obnóxio, se prestaria a tal papel; só um carreirista voraz ainda desejaria
outros quatro anos de igual ostracismo. Pois, findo o primeiro mandato de Dilma
Rousseff, o desconsiderado Temer – à míngua de votos que lhe ensejassem um voo
solo – ainda lutou para ser o vice da presidente candidata à reeleição.
Agora choraminga porque um ministro de sua
intimidade não foi reconduzido do primeiro para o segundo mandatos, e porque
outro, de igual domesticidade, não teve confirmada a nomeação de um apaniguado
qualquer para um cargo qualquer. Cargos, cargos, verbas, sinecuras! Faz
beicinho de ciúmes, pois a presidente conversou diretamente com o líder (já
defenestrado) do seu partido, e não com ele – e vaidoso, ressente-se de não
haver sido convidado para encontro da presidente com o vice-presidente dos EUA
de passagem por Brasília.
São essas as razões do estadista Michel Temer,
vice-presidente da República e presidente do PMDB. São essas as suas razões
para a carta, pois, consabidamente, ela não se destinava, apenas, a desafogar
um coração magoado.
Destinava-se, sim, a formalizar, documentar,
justificar o abandono, pelo vice, da "lealdade pautada pelo Art. 79 da
Constituição Federal" à titular da Presidência, abandono aliás que logo
transitou para a conspiração plena, já tornada pública pela imprensa, que,
aliás, também dá conta de suas articulações para a montagem de seu hipotético
governo.
Enquanto isso e coerentemente com tudo isso,
coerentemente com tanta baixeza, seu correligionário ainda presidente da Câmara
dos Deputados, e ainda à solta, prossegue, lépido e fagueiro, na faina
despudorada e impune de desmoralizar o Poder Legislativo. Se este se
amesquinhava com sua simples presença, mais se degrada com sua presidência que
associa a ostensiva, despudorada e cínica ausência de ética com um absolutismo
cujo sucesso é outro indicador do nível de miséria a que chegou a maioria da
Casa.
A persistente presidência de Cunha ultrapassou, e
ultrapassa ainda, todos os limites da plausibilidade, ofendendo o decoro
parlamentar, rasgando regimento, rasgando a Constituição, ofendendo normas
parlamentares, tudo em função de suas duas prioridades do momento: fugir da sua
própria cassação, motivada por reiterados atos de improbidade, e promover, a
ferro e fogo, a qualquer preço, a cassação do mandato da presidente Dilma.
Para isso se serve de uma coorte de áulicos na qual
desponta figura exemplarmente deprimente como o sr. Paulinho da Força (cujo
prontuário inclui ação penal no STF por lavagem de dinheiro e crime contra o
sistema financeiro nacional), líder da Comissão de Frente que abre-alas para
Aécio Neves e outros menos cotados, como Mendonça Filho, os Bolsonaros e uma
penca de caronistas que nem vale citar.
Diz-se que a história forja os personagens de que
necessita. Isso é injusto conosco, não merecemos Temer, Cunha e seus quejandos,
ainda menos o vazio humano que possibilitou essa safra. A média brasileira é
muito melhor. Portanto, ainda podemos confiar, com esperança, no papel da
organização social, a sociedade reagindo mediante seus mecanismos de ação,
intervindo no processo, ditando e corrigindo as lamentáveis rotas de hoje.
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