Bancos são instituições que o assediam quando você prospera, juram amor eterno quando prosperou e, se você embarca no desvario do romance, tomam-lhe a casa, o carro e as calças antes de lhe cortar o crédito.
“É uma questão de spread”, explicará o gerente. “O risco. Nada pessoal”.
Logo ele, que era tão amigo!
Argentinos, por exemplo, são reincidentes. Têm carne macia, Malbec, um mar de petróleo e versos de um tango que vêm a propósito: “Los amigos ya no vienen /Ni siquiera visitarme / Nadie quiere consolarme en mi aflicción”.
É. La cumparsita.
Não dá para rir deles. A Argentina de hoje, como se sabe, é o Brasil de amanhã.
O que dói ver é países tão ricos aprisionados justo pelo fato de serem ricos: quem se daria ao trabalho de prendê-los em rede tão bem tecida, se fossem miseráveis?
Há certa lógica reversa nas civilizações: a cozinha mais criativa é a do país que passou mais fome, a China, e o nosso prato mais requintado, a feijoada, surgiu de escravos, a gente que menos tinha: ricos, sabemos bem, fazem churrasco de boi farto e comem com salada.
Quando a Europa partiu à conquista do mundo, não só era periferia degenerada do extinto império romano em uma Eurásia bizantina, árabe e chinesa, como sofria espasmos de carência pela interrupção da rota da seda, de onde vinham seus luxos: partiu em caravelas, levando canhões, à conquista do mundo com a ferocidade de adictos forçados à abstinência Não fosse isso, seria ainda por muito tempo um conglomerado de feudos que tentavam formar estados, numa região onde a água era escassa e a Igreja guardava em conventos memória e sabedoria. No máximo, trocaria o mel pelo açúcar de Creta e recitaria sonetos petrarquianos.
Os Incas, Maias, Astecas, Cheroquis, Apaches, pelo contrário, eram prósperos, satisfeitos: bastavam-se com flechas, lanças e tacapes.; foi nisso que se perderam.
Ouro e escravos à venda em grandes estoques formavam a riqueza dos impérios africanos: o metal está entesourado em Londres, Nova York e Pequim, os humanos em favelas e a África espera os chineses que talvez não pensem como os banqueiros europeus; tomara que Confúcio ajude.
Houve tempo em que os impérios tinham reis, cortes, exércitos que se confrontavam: dava para explorar as contradições e ir tentando com jeito sentar-se à mesa do banquete dos poderosos.
Agora, parece, não mais. Rei Dinheiro e seu 01%, após aprofundados estudos e com base em sólida dourina, tomaram o poder diretamente: nomeiam parlamentares e presidentes, falam por toda a mídia e subordinam os comandos dos exércitos do Ocidente. Europa e América obedecem a um conglomerado financeiro só, composto por entes, na maioria, anônimos; desenvolvem, quase sempre, no essencial, estratégia coordenada.
Esse império único não nos deixa ter energia atômica, armas eficazes, comunicação não vigiada, viajar ao espaço, fabricar navios e ter cultura própria. Toma-nos o que está debaixo da terra e dos oceanos. Quer a água dos rios e a força das cachoeiras, dos ventos e do sol que nos ilumina. Mas o pior é que sua tecnologia mais eficiente é tão poderosa que cega nossos olhos, tapa nossos ouvidos, cala nossas vontades.
Bons pastores distraem e aquietam seu rabanho, cuidando que ele esteja atento ao fantasma do lobo, que é, como a psicologia explica, ameaça e tentação.
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