quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Cidadão Almíscar - O homem mais rico do mundo completa a transformação do Twitter em seu aparato de influência global

Fontes: O jornal [Imagem: A última biografia de Elon Musk, junto com '1984' e uma ampulheta. Larissa Avononmadegbe | Remover respingo]


O magnata transformou a rede social, um negócio economicamente ruinoso, numa arma política que utiliza para apoiar Donald Trump e atacar governos progressistas.

Em 2022, Elon Musk já era uma das pessoas mais conhecidas do mundo. Com a sua enorme fortuna, construída a partir de apostas que na época eram consideradas muito arriscadas, foi para alguns um visionário e para outros um empresário com poucos escrúpulos. Dois anos depois, Musk tornou-se uma pessoa com influência direta em quase todo o planeta. Capaz de gerar crises políticas do nada em países com governos progressistas, como o Brasil, ou agravar aquelas causadas pela extrema direita, como no Reino Unido.

O que aconteceu nesses dois anos foi o Twitter, renomeado para X pelo magnata. Uma operação absolutamente ruinosa do ponto de vista econômico: a rede social vale hoje aproximadamente um terço dos 44 mil milhões de dólares que Musk pagou por ela em 2022, segundo vários fundos de investimento cujas análises produziram conclusões semelhantes. E o seu negócio vai piorar, uma vez que o desgaste dos anunciantes continuará a piorar.

É o que revela uma pesquisa da Kantar, que revela que 26% das empresas que optaram “A confiança dos profissionais de marketing nos anúncios em “Apenas 4% acreditam que os anúncios no X fornecem segurança de marca (em contraste com o Google, que ocupa o primeiro lugar em segurança de marca com 39%).”

Mas a desastrosa operação financeira está a oferecer ao homem mais rico do mundo um retorno extraordinário em termos de imagem pública e influência global. A ponto de ser nomeado “auditor financeiro e de desempenho” da administração dos EUA caso Donald Trump ganhe as eleições de Novembro. Uma posição com rédea solta para fazer “reformas drásticas” em todo o aparelho de Estado com base nos seus próprios critérios e para os quais o próprio Musk se tinha proposto semanas antes.

“Quando Musk entra em uma sala como chefe da Tesla, ele é mais um. Se Ford entrar, ele estará no mesmo nível que ele. Mas quando quem entra é o dono do Twitter, você recebe mais atenção”, explica Kara Swisher, uma das jornalistas de tecnologia mais antigas dos EUA.

A rede social que um dia fez deslanchar o debate público online e transformou profundamente a forma de fazer política, está hoje ao serviço dos interesses do bilionário. “Eu esperava que Musk, com sua personalidade de “não dou a mínima”, sua riqueza infinita e seu profundo interesse em transformar a mídia, pudesse ser o proprietário para ajudar o Twitter a realizar seu potencial”, escreve ele em sua autobiografia Swisher, que teve contato pessoal com Musk durante anos. “Olhando para trás agora, eu estava óbvia e completamente errada”, ela reconhece.

Uma mídia global

Como um Cidadão Kane moderno, Musk transformou o Twitter em um meio de comunicação para difundir sua ideologia, gerar conflitos com quem não gosta dele e apoiar Trump desde muito antes de ele ser nomeado “auditor” de seu governo. “Nunca participei materialmente na política antes, mas desta vez acredito que a civilização tal como a conhecemos está em jogo. Se quisermos preservar a liberdade e uma meritocracia na América, então Trump deve vencer”, publicou esta quinta-feira antes da nomeação.

Mas, ao contrário de magnatas como William Randolph Hearst, X não só permite que Musk estabeleça a agenda, mas também defina quais são as linhas vermelhas do debate. Ele tem a chave do algoritmo que decide o que cada usuário vê, do marcador vermelho que marca a linha do que está bloqueado e do que não está, ou do estopim do canhão que faz com que alguns conteúdos se tornem virais e outros não.

Nesse sentido, uma das primeiras decisões do magnata foi permitir que indivíduos que foram bloqueados pela gestão anterior voltassem à plataforma por disseminarem discursos de ódio ou incitarem à violência. Alguns dos indultados usaram então esta rede social para encorajar motins xenófobos no Reino Unido e distribuir desinformação sobre eles. Uma ação que Musk coroou com um comentário em que afirmava que o país estava “à beira da guerra civil” por causa da imigração.

Outra tática de Musk relatada pelos usuários nas últimas semanas foi aumentar a visibilidade de suas próprias postagens, que se tornaram a primeira coisa que veem ao abrir o aplicativo. Um dos mais comentados foi a postagem de uma imagem gerada por IA mostrando Kamala Harris vestida com um uniforme comunista. Na UE, a lei obriga as plataformas a marcar todo o conteúdo gerado com IA como conteúdo artificial, mas o comentário de Musk não alertou sobre isso.

Musk tornou-se, de facto, um foco para a propagação de desinformação. Ele frequentemente espalha teorias pseudocientíficas racistas ou sexistas, como quando recentemente descreveu como “interessante” o comentário anônimo de um usuário do 4chan que argumentou que apenas “homens alfa com alto teor de testosterona” e pessoas “neurodivergentes” têm a capacidade de “pensar livremente”.

“Não podemos enquadrar tudo isto na teoria clássica da influência na opinião pública, esta é uma tela totalmente nova. Aquele em que as plataformas exercem um nível de poder semelhante ao dos governos, mas sendo entidades que ninguém elegeu”, afirma Carmela Ríos, jornalista especializada em Twitter e professora em diversas universidades.

“O problema que as democracias têm neste momento é brutal. Como você para com tudo isso? “As soluções antigas já não são válidas, estamos num novo ecrã”, continua ele em conversa com este meio: “Temos de nos perguntar se a desinformação acabará por redesenhar os contornos da ordem mundial”.

X é X e negócio é negócio

Embora a personalidade de Musk transcenda todas as suas empresas, o magnata utiliza manuais diferentes para cada uma. Só com X ele parece disposto a sacrificar o desempenho econômico em favor da sua agenda política.

Esse fato ficou evidente com o processo que levou ao fechamento da X no Brasil. Musk recusou-se a colaborar com o sistema judicial do país e a bloquear uma série de contas nas redes sociais que o juiz do Supremo Tribunal brasileiro Alexandre de Moraes, símbolo da defesa da democracia, acusa de espalhar desinformação, apesar de na Índia ter aceite pedidos idênticos. Sua rejeição provocou a suspensão do serviço da plataforma no Brasil, um dos seus maiores mercados no mundo. O empresário considera ambas as decisões injustas.

No entanto, quando a ordem de bloqueio X chegou à Starlink, empresa de internet via satélite de Musk, ela a cumpriu sem questionar. Mesmo que o juiz brasileiro a tenha envolvido diretamente no processo contra X, congelando todos os seus bens financeiros. “Esta ordem é baseada em uma determinação infundada de que a Starlink deveria ser responsável pelas multas impostas, inconstitucionalmente, contra X. Ela foi emitida em segredo e sem conceder à Starlink qualquer devido processo legal”, reclamou a empresa.

“Independentemente do tratamento ilegal da Starlink no congelamento de nossos ativos, cumpriremos a ordem de bloqueio de acesso ao X no Brasil”, confirmou a empresa, demonstrando que Musk é X e negócio é negócio. O magnata está disposto a sacrificar a rede social em prol de benefícios políticos, mas não todo o seu império empresarial.



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