quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Musk e De Moraes no ringue

Fontes: El Destape (Argentina) [Imagem: O juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, em 28 de agosto de 2024, quando emitiu medidas contra a rede social X, de Elon Musk. Créditos: Antonio Cruz/Agência Brasil]


Este artigo analisa a recente decisão do juiz De Moraes, referendada pelo STF, de suspender os serviços de X no Brasil.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil, ratificada pelos cinco desembargadores da primeira câmara por meio de votação virtual, de suspender os serviços da rede social juiz Alexandre de Moraes. Esta medida responde ao repetido desrespeito de Musk pelas ordens judiciais e ao seu alegado papel na propagação de desinformação durante as eleições. Musk reagiu criando uma conta no X para atacar De Moraes, acusando-o de violar a Constituição brasileira e abusar de seu poder.

Este episódio faz parte de um conflito mais amplo no Brasil, em que se intensificou o confronto entre o judiciário e as grandes plataformas tecnológicas. Desde abril de 2024, Musk está incluído em uma investigação sobre disseminação de notícias falsas e incitação ao crime no Brasil. Moraes determinou que X se abstenha de desobedecer qualquer ordem judicial, estabelecendo multa diária de R$ 100 mil para cada perfil reativado contra medidas judiciais que dificultem o processo judicial.

A investigação liderada pelo juiz Alexandre de Moraes, que procura esclarecer as responsabilidades de Jair Bolsonaro nos ataques aos poderes democráticos no Brasil, envolveu vários atores-chave do seu círculo próximo. Entre eles, destacam-se seus filhos, Eduardo e Carlos Bolsonaro, que foram peças fundamentais na criação e funcionamento do chamado “Gabinete do Ódio”. Este grupo, que funcionava como um laboratório de desinformação e manipulação digital, tinha como objetivo atacar adversários políticos, desacreditar as instituições democráticas e promover teorias da conspiração nas redes sociais. Eduardo Bolsonaro também é conhecido por sua proximidade com movimentos globais de extrema direita, como o trumpismo, e por seu papel como elo entre seu pai e figuras do conservadorismo radical.

Outra pessoa relevante envolvida é Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, acusado de facilitar golpes e atos desestabilizadores, especialmente durante as manifestações que levaram à tomada de edifícios governamentais. Da mesma forma, Flávio Bolsonaro, filho mais velho do ex-presidente, tem sido investigado por corrupção e lavagem de dinheiro, o que aumenta a imagem de um governo cercado de escândalos. O general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa, também foi apontado por seu papel na promoção de tensões políticas e no apoio a Bolsonaro em sua retórica contra as instituições democráticas. Por sua vez, Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro, está sendo investigado por seu papel na disseminação de notícias falsas e propaganda dirigida pelo governo. Todos esses atores fizeram parte de uma rede que buscava, por meio da desinformação e da manipulação, enfraquecer a democracia brasileira e consolidar um projeto político autoritário liderado por Bolsonaro.

O “Gabinete do Ódio” funcionou como um laboratório de desinformação, utilizando as redes sociais para manipular a opinião pública e desestabilizar a ordem democrática. Este grupo procurou manter o controle do discurso público através do medo e da manipulação, contribuindo para o enfraquecimento da democracia brasileira, que se expressou finalmente na tentativa de golpe de Estado no início de 2023, com a mobilização da base de Bolsonaro e a destruição. do patrimônio público no Planalto.

O conflito atual coloca em evidência o debate sobre a democracia no Brasil e, por extensão, no mundo, no contexto da influência das grandes plataformas tecnológicas. A desinformação e as notícias falsas são ferramentas fundamentais na guerra cognitiva que a classe dominante utiliza como estratégia de produção de uma subjetividade social atordoada, confusa e, embora violenta, dócil face ao mercado, aos meios de comunicação, às redes sociais e poder concentrado na governança corporativa, desempenhando um papel crucial na erosão da confiança nas instituições democráticas. Nesta guerra, o objectivo é manipular a percepção pública para influenciar o comportamento político. Estas tácticas criam bolhas de informação e distorcem o debate, desviando a atenção de problemas essenciais e tornando mais fácil justificar medidas autoritárias. Ao influenciar a opinião pública e os resultados eleitorais com desinformação, a coesão social fica enfraquecida e a integridade democrática fica comprometida.

A tensão entre o judiciário brasileiro e figuras como Elon Musk reflete um conflito mais amplo sobre a soberania nacional e a liberdade de expressão. Enquanto De Moraes defende as ações do Supremo Tribunal como necessárias para proteger a democracia, Musk e os seus aliados acusam-no de censura e abuso de poder. Agora, o que surge aqui é um debate entre o perigo de confundir liberdade de expressão com liberdade de negócios e de ignorar a soberania tecnológica e digital de um país, que hoje é tão importante quanto o cuidado das fronteiras terrestres contra ameaças externas.

Um link com a história

A relação entre Elon Musk e Jair Bolsonaro remonta a 2019, quando Musk visitou o Brasil e manifestou interesse em investir em tecnologia e infraestrutura e consolidou-se em 2021 com posições partilhadas contra as restrições da COVID-19, sublinhando coincidências nas suas abordagens políticas. Musk, conhecido pela sua influência na tecnologia e pelo seu destaque em empresas como Tesla, SpaceX e X, intensificou o seu confronto com o sistema judicial brasileiro, ao ponto de ameaçar Lula Da Silva com o confisco de bens do Estado. Ele postou cinicamente em sua rede social que esperava que o presidente gostasse de voos comerciais.

Musk, ao demonstrar simpatia por políticas e figuras reacionárias como o presidente e atual candidato, o magnata Donald Trump, reforça seu alinhamento com o neoconservadorismo, que busca consolidar um pólo único de poder global sob a liderança americana. A sua intervenção no Brasil pode ser interpretada como parte do projeto neoconservador mais amplo, que busca influenciar a arquitetura da governança policial global, de natureza supranacional e autoritária, utilizando sua plataforma digital como campo de batalha na produção de poder político.

Este alinhamento econômico, político e estratégico está intimamente relacionado com a crise da digitalização e do excesso de informação; em que a produção e o consumo estão interligados num ambiente virtual que perpetua a exploração sob o pretexto da liberdade de expressão. Musk, como parte da nova aristocracia tecnológica e financeira, participa na criação de uma realidade em que a tecnologia se torna uma ferramenta para a acumulação de poder e capital, enquanto as promessas de liberdade e avanço tecnológico escondem uma alienação e exploração crescentes para 99% da população mundial. população.

Vemos como um Estado Nacional, os seus poderes públicos moribundos e as corporações financeiras e tecnológicas se confrontam. Em plena mudança de fase sistêmica rumo à era do Metaverso, o velho não acaba de morrer nem nasce o novo. O tabuleiro mundial e seus jogadores estão em movimento e em posição de combate. O Brasil é um bastião fundamental e estratégico para a região e o ataque ao projeto liderado por Lula, com suas contradições, não é coincidência.

Giménez é formada em Psicologia e mestre em Segurança e Defesa Nacional e em Segurança Internacional e Estudos Estratégicos, diretora da NODAL.

Caciabue é formado em Ciência Política e Secretário Geral da Universidade de Defesa Nacional UNDEF, na Argentina. Ambos são pesquisadores do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).






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