Lula (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Como disse o presidente Lula, “nós não podemos jogar, toda vez que tem que cortar alguma coisa, em cima do ombro das pessoas mais necessitadas”
A vitória soberba de Donald Trump nos EUA desbancou muitas expectativas e verdades cristalizadas, dentre elas a de que o bom estado da economia é fator grandemente determinante para o sucesso eleitoral.
Caso este postulado valesse como uma “lei do comportamento do eleitorado”, a candidata Kamala Harris teria sido eleita para a presidência daquele país.
No atual governo estadunidense, do qual a candidata do Partido Democrata é vice-presidente, o PIB aumentou 2,9% no último ano, o desemprego está em 4,1% e os salários cresceram 3,9%.
Entretanto, a despeito desses indicadores, foi Donald Trump, e não Kamala Harris, quem conseguiu capturar o voto descontente e incomodado, aquele que traduziu um mal-estar econômico aparentemente invisível, mas vivido de modo implacável pelos segmentos populares.
Na vitória do “homem alaranjado”, a sensação econômica concreta das pessoas e o mal-estar com a difícil condição material de vida falaram mais alto que o medo em relação às aberrações que ele defendeu na campanha e que deverá concretizar no governo.
No Brasil de Lula 3 a situação econômica não é muito diferente: o PIB cresce ao redor de 3%, o desemprego está num dos níveis mais baixos das últimas décadas [6,4%], aumenta a renda dos trabalhadores empobrecidos –formais, informais e por conta própria–, e crescem os ganhos de aposentados, dos beneficiários do BPC e do Bolsa Família.
Apesar disso, no entanto, e do enorme empenho na reconstrução das políticas permanentes de Estado, as pesquisas mostram a aprovação do governo empacada. E, por outro lado, a eleição municipal evidenciou que os eleitores lulistas, inclusive os beneficiários do Bolsa Família, votaram massivamente em candidatos da direita e da extrema-direita.
Isso que aparenta ser um paradoxo sociológico pode, no entanto, encontrar explicação na frase da economista Maria da Conceição Tavares, que anos atrás disse que “ninguém come PIB, come alimentos”. Deve-se emendar: o povo também não se alimenta de ajuste neoliberal.
Do ponto de vista da classe trabalhadora, em sua imensa maioria empobrecida, excluída e sujeitada a empregos e salários precários, não importa só ver o PIB crescer, é preciso que tal crescimento se materialize em capacidade de consumo e de oportunidade de uma vida decente.
O custo de vida, a carestia dos alimentos e dos produtos de primeira necessidade de consumo como energia, gasolina, remédios, transporte, educação etc, neutralizam os efeitos positivos da economia para a maioria pobre, porque são os ricos, os rentistas e segmentos de maior renda que se apropriam dos frutos do crescimento do PIB.
Se tudo o que já está sendo feito [e é muito] pelo governo Lula para aumentar a renda das maiorias sociais tem sido insuficiente para conquistar apoio popular e gratidão eleitoral, será um equívoco perigoso o governo adotar políticas austericidas e de ajuste neoliberal que só diminuirão a conexão do governo e das esquerdas com a maioria do povo brasileiro, e cujos efeitos serão sentidos na eleição de 2026.
A realidade indica, portanto, que é necessário fazer mais do que está sendo feito, e não menos.
Isso significa aumentar consideravelmente o poder de compra dos salários, em especial do salário mínimo, e também ampliar a proteção social com uma renda mínima compatível para a vida digna de milhões de trabalhadores expulsos pelo neoliberalismo para sempre do mundo do trabalho e da produção.
Será um erro grave se o governo sacrificar os orçamentos do SUS e da educação e atacar as aposentadorias, o salário-desemprego, o salário mínimo, o BPC e programas sociais em nome do equilíbrio fiscal.
Como o próprio presidente Lula declarou, é inaceitável que cerca de R$ 640 bilhões sejam drenados do orçamento para beneficiar empresários e grupos privados com desonerações e isenções tributárias que aumentam a concentração de renda e atrasam o desenvolvimento.
Outros R$ 800 bilhões são saqueados do orçamento da União para alimentar a ganância de rentistas, financistas e investidores que parasitam a renda nacional por meio dos juros e serviços da dívida, enquanto são isentos de imposto sobre suas rendas e fortunas.
Ao invés de sacrificar dezenas de milhões de trabalhadores brasileiros com o ajuste neoliberal, o governo deveria propor à sociedade e ao Congresso a discussão sobre privilégios indecentes das castas burocráticas incrustradas no Estado e que se apropriam de parcelas significativos dos impostos pagos pela população.
O judiciário brasileiro, por exemplo, consome 1,6% do PIB por ano, um dos custos mais altos do mundo.
Idem para o Legislativo, para o Ministério Público e outras carreiras nababescas do Executivo que se locupletam com inventos criativos para aumentar o valor do holerite. No TCU, por exemplo, mecanismos engenhosos permitem que ministros ganhem mais de R$ 1,3 milhão por ano.
Só em pensões vitalícias para esposas e filhas de militares, a mais antiga dessas pensões paga desde o ano 1930 do século passado, a União dispende mais de R$ 25 bilhões por ano. Ao todo, não passam de 210 mil pensionistas, a maior parte delas [144 mil, dados de 2022] filhas de militares, que consomem o equivalente a meio PAC por ano.
Como disse o presidente Lula, “nós não podemos jogar, toda vez que tem que cortar alguma coisa, em cima do ombro das pessoas mais necessitadas”. Lula tem razão. Existem outras alternativas para cobrar a conta de quem mais pode pagar.
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